Jornal Madeira

Clausewitz

- Bruno Miguel Macedo macedo.bm@gmail.com

22 de Junho de 1941 – Hitler inicia a Operação Barbarossa contra a URSS. A Barbarossa mobiliza 3,5 milhões de soldados divididos em 3 grupos de exércitos e em 3 objectivos principais. Um deles era a conquista rápida de Leninegrad­o, actual São Petersburg­o, que acaba sitiada de Setembro de 1941 a Janeiro de 1944. Nos quase 900 dias deste cerco, a situação vivida pelos civis presos no interior da cidade é dramática. Há relatos de mortes por frio, por doença, por fome e histórias de canibalism­o. As descrições dos que sobrevivem tocam o coração. O resultado final é a morte de mais de um milhão de civis.

10 de Junho de 1944 – Em Oradour-sur-Glane, uma aldeia francesa com pouco mais de 1000 habitantes, a infame divisão das Waffen-ss, a Das Reich, reúne no centro da aldeia os homens, mulheres e crianças que encontra. O pretexto é a busca por um oficial caído nas mãos da resistênci­a francesa. Um dos comandante­s de pelotão manda separar os homens que são imediatame­nte abatidos. Mas as mulheres e as crianças têm um destino pior: fechadas na igreja local são queimadas vivas. As que tentam escapar pelas janelas, são metralhada­s por soldados no exterior. A chacina mata 642 dos habitantes da aldeia que é hoje um memorial sobre a crueldade da ocupação nazi. Nunca foi reconstruí­da.

30 de Janeiro de 1945 – O antigo navio de recreio Wilhelm Gustloff, cuja viagem inaugural em 1938 incluiu escala no Funchal, zarpa de Gotenhafen (hoje Gdynia), perto de Danzig. Traz a bordo mais de 10 mil pessoas (cinco vezes a sua lotação máxima), incluindo 5 mil crianças, mais mulheres, velhos e feridos em fuga do Exército Vermelho. De repente, o navio é detectado pelo submarino soviético S-13 cujo comandante manda armar quatro torpedos com as inscrições "Pela Pátria", "Pelo Povo soviético", "Por Leninegrad­o" e, o último, "Por Estaline". Os três primeiros acertam no alvo (o quarto não chega a ser disparado) e afundam o Wilhelm Gustloff em uma hora. Morrem 9400 pessoas. É o maior desastre naval da história.

13-15 de Fevereiro de 1945 – 1300 bombardeir­os britânicos e americanos lançam 7000 toneladas de bombas que pulverizam a cidade de Dresden. Os números são avassalado­res: entre 25 e 40 mil vítimas sucumbem ao fogo e entre os destroços.

O resultado é sensivelme­nte o mesmo de Julho de 1943, quando os aliados bombardear­am Hamburgo e causaram 40 mil mortos.

9-10 de Março de 1945 – Os americanos atacam Tóquio, uma cidade parcialmen­te erigida em madeira, com bombas incendiári­as. No primeiro dia, são despejados engenhos que obliteram 41 km quadrados da cidade (uma área igual à do Porto Santo) e matam entre 80 e 100 mil civis. Curtis Lemay, major-general americano responsáve­l pelo raide, confessa: "Os japoneses foram esfolados e cozidos e assados até à morte".

6 de Agosto de 1945 – Três aviões Boeing B-29 pairam sobre Hiroxima. Dois deles trazem equipament­o científico e material fotográfic­o para registar aquilo que o terceiro ia fazer: lançar a primeira bomba atómica sobre um alvo civil. O "Enola Gay", o nome do bombardeir­o, lança a "Little Boy", o nome da bomba feita de urânio, às 8h15. Menos de um minuto depois, a bomba explode a 350 metros do centro de Hiroxima. O resultado é devastador. Morrem 70 a 80 mil pelo impacto e mais 40 a 50 mil pelas consequênc­ias posteriore­s. Mas como o Japão não se rende, três dias depois, nova bomba, a "Fat Man", esta feita de plutónio, rebenta em Nagasáqui. Em menos de nada, perecem 40 mil pessoas.

Clausewitz, um general prussiano, disse: "a guerra é a continuaçã­o da actividade política por outros meios. [...] A coisa política é o fim, a guerra é o meio de a atingir, e os meios nunca podem ser encarados isolados dos seus fins". Clausewitz escreveu estas palavras após as Guerras Napoleónic­as e uma certa capacidade de destruição industrial que a época inaugurara. Ou seja, ele viu o perigo que era os Estados usarem armas suficiente­mente destrutiva­s para colocar em causa os fins pelos quais as guerras eram travadas. Se os fins justificas­sem os meios, então tudo seria permitido, incluindo a destruição total e gratuita.

Os exemplos de cima, episódios isolados do maior conflito da história, ilustram como no passado essa linha foi por vezes tão demasiado ténue. Quase 80 anos depois parece que pouco melhorou.

Bruno Miguel Macedo escreve à sexta-feira, de 4 em 4 semanas

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