Momento de apostar em políticas ousadas que libertem as crianças
Carlos Neto alertou para o estado depressivo e de angústia que vivem as crianças e jovens, não só por causa da pandemia. É preciso libertá-las, com pais mais presentes e uma escola com uma cultura educativa inovadora, colaborativa e ambiental.
‘A importância do brincar e ser ativo na construção da sociedade’ foi o tema explorado por Carlos Neto, considerado um dos maiores especialistas mundiais na área da brincadeira e do jogo e da sua importância para as crianças, com livros publicados sobre o tema, como ‘Libertem as Crianças- a urgência de brincar e ser ativo’. O especialista foi um dos oradores do último dia do II Seminário de Educação Machico’22 – ‘Educação e Comunidade, por uma escola que cria pontes’.
O orador situou a sua intervenção num momento em que “as sociedades estão exaustas, cansadas, plastificadas em fadiga e no limite”. Por causa da pandemia e da guerra, “vivem numa “angústia pandémica e estado depressivo, conectadas, mas em solidão”. Em 50 anos de carreira junto das crianças, dos 3 aos 10 anos, Carlos Neto “nunca” viu “uma agitação tão grande como atualmente. Não se focam porque têm penalizações que ficaram com estas restrições que têm existido, com máscaras, distanciamento social, de bolhas”. O autor alertou para estados pré-depressivos, nas crianças por causa da pandemia, enaltecendo a importância do contacto físico no desenvolÉ
vimento humano, como o abraço.
Por outro lado, é preciso interiorizar que o mundo vive duas grandes transições: a digital que, em 30 anos, tornou o mundo “irreconhecível”, e a transição verde, com uma crise climática insustentável para o planeta. “A escola tem de ser pensada nessa perspetiva. Este é o momento crucial para fazermos um pacto de transição entre a escola, a família e a comunidade, criando uma cultura educativa inovadora, colaborativa e ambiental”.
Carlos Neto advogou ainda que é preciso mudar a família. “Os pais têm de ter mais tempo para os filhos” e para brincar com eles. O especialista entende que Portugal tem atualmente uma “excelente oportunidade” para mudar as coisas na Educação, depois de a tutela ter delegado competências aos municípios, o que poderá incentivar a uma comunidade que promova pessoas e ambientes saudáveis, com políticas públicas ousadas que possa trabalhar com as famílias e com as escolas.
Das várias notas que deixou à plateia, Carlos Neto disse que “temos de ultrapassar este aprisionamento que as crianças vivem o seu dia a dia, principalmente o número de horas na escola, em que não têm a escola da rua, da aventura, como antigamente”.
A seu ver, “não dar tempo livre e espaço disponível para os filhos poderem brincar, pode ser considerado uma forma de negligência. A infância só se vive uma vez, é irrepetível, e a qualidade dessa infância terá efeitos para a vida”. Num mundo acelerado, o autor sustentou ainda que “não há crianças difíceis, o difícil é ser criança num mundo de gente cansada, ocupada, sem paciência e com pressa”.
O especialista abordou ainda o impacto negativo do uso dos ecrãs por parte das crianças e jovens, “que sabem jogar, mas não sabem brincar”, sujeitos a “uma violência invisível”, que provoca alterações na linguagem, na memória, na concentração, perturbações no sono, na interação social, na organização familiar, por exemplo.
“Não há crianças difíceis, o difícil é ser criança num mundo de gente cansada, ocupada, sem paciência e com pressa”.