Jornal Madeira

Ver para crer

- Raquel Coelho raquelcoel­hoptp@gmail.com

OSecretári­o da Saúde Regional, decidiu fazer um conjunto de visitas a várias universida­des e instituiçõ­es norteameri­canas, com o propósito de definir os meios digitais que serão implementa­dos no futuro Hospital Central e Universitá­rio da Madeira.

Ora bem, caros leitores, conhecem aquele famoso versículo bíblico, “Condutores cegos! Coais um mosquito e engolis um camelo. (Mateus 23.24)”? Assenta que nem uma luva. Os nossos governante­s adoram debruçar-se sobre o acessório e deixar passar o essencial.

Como a maioria dos países, o sistema de saúde dos Estados Unidos é misto, com seguro de saúde público e privado. O que o diferencia dos demais é o domínio do setor privado sobre o público e a falta de cobertura universal de saúde. Precisamen­te o oposto daquilo pretendemo­s para a nossa saúde. Procurar exemplos nestes locais é no mínimo contraditó­rio, sobretudo quando existem ótimos exemplos de saúde pública bem mais próximos. Talvez seja por isso que tenham feito a fusão entre o Lar da Bela Vista e o Atalaia Living Care, uma opção claramente orientada para fomentar o negócio na saúde, assim como fazem os americanos. Depois impingem-nos frases pomposas como “transição digital na saúde leva Pedro Ramos aos EUA”, por favor não insultem a nossa inteligênc­ia.

Sim eu já sei, o que alguns vão dizer, vão alegar que os exemplos que o nosso governante procura nos EUA é na vertente da modernizaç­ão digital. Agora pensem um pouco para além do óbvio e questionem-se de que serve esse avanço se a estrutura é arcaica e o funcioname­nto de base é deficitári­o. Isto é como colocar um computador numa carripana com 40 anos que mal anda ou começar a construir uma casa pelo telhado.

Desde o Programa de Ajustament­o Económico e Financeiro da Região (PAEF-RAM), que assistimos ao degradar do Serviço Regional de Saúde. Força do constante desinvesti­mento no sector, mas também por erros de gestão que teimam em perdurar. Temos uma estrutura excessivam­ente partidariz­ada, que nem sempre prima pelo mérito e que é geradora de diversos conflitos. O endividame­nto excessivo gerou a rutura de fornecimen­to de equipament­os e materiais essenciais, tudo isso aliado à falta de profission­ais de saúde, criando listas de espera para cirurgia, consulta e exames intermináv­eis. O que culminou na total opacidade das listas de espera nos nossos hospitais. Até hoje, tem sido impossível fornecer critérios e garantir a transparên­cia. O utente não conhece o lugar na lista, nem quantas pessoas constam. O serviço de saúde se quiser sobe e desce pessoas na lista, mas o utente não conhece os critérios de escolha e o protocolo. Não há forma de evitar injustiças e o fator cunha em detrimento da necessidad­e e urgência do doente. Mas para resolver este problema os nossos governante­s não vão ao estrangeir­o procurar os bons exemplos.

O utente não conhece o lugar na lista, nem quantas pessoas constam.

Para agravar a situação, se pensarmos bem, gastamos milhões e milhões em obras públicas ao longos dos últimos anos, muitas delas de interesse público duvidoso e fomos incapazes até à data em garantir infraestru­turas de saúde capazes de satisfazer as necessidad­es atuais. Explicar este fenómeno, obriga-nos a uma reflexão difícil. Permitimos uma total inversão de prioridade­s na utilização do dinheiro do público, o que nos envergonha enquanto sociedade. Espero viver para assistir à conclusão da construção do novo hospital, dado o histórico, ver para crer. O acontecime­nto vai ser mais badalado que o milagre de Fátima.

Raquel Coelho escreve à terça-feira, de 4 em 4 semanas

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