Jornal Madeira

Quando o “Espírito Santo” chegava

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Depois da Páscoa vinha a visita do “Divino Espírito Santo”. Mandava a devoção que se preparasse a casa para receber tão importante visita. A casa e os arredores. A área envolvente da casa era toda cuidada. A minha casa ficava junto a um caminho municipal empedrado.

Ao longo do ano a erva rompia a calçada e avançava estrada fora. Quando chegava à altura da visita do “Divino Espírito Santo” tínhamos de lhe dar um jeito.

Mondar essa erva era quase uma obrigação. Uns dias antes lá íamos nós com uma foice, uma "pedoa" ou até mesmo uma faca para esgravatar por entre as pedras e retirar a erva.

Recordo-me de uns dias antes da minha mãe escorrer da panela das semilhas vertendo a água a ferver em cima dessa erva para a secar. Era uma operação que facilitava a monda.

Fazíamos isto no caminho na extensão que ficava junto à casa. Os vizinhos também faziam o mesmo no seu espaço. Nessas zonas não se via uma erva verde que fosse.

Esta era uma operação que se fazia uns dias antes.

Na véspera da visita do “Espírito Santo” voltávamos a varrer tudo para que tudo ficasse bem asseado.

A par deste trabalho no caminho; dentro de casa também se preparava tudo para esse dia especial.

A casa era toda limpa de ponta a ponta. Tudo para o dia da visita anunciada.

Nesse dia ficávamos atentos às movimentaç­ões na rua. Sempre de ouvido em alerta à espera de ouvir as saloias a cantar nas proximidad­es. Quando isso acontecia vínhamos logo anunciar aos meus pais que “O Espírito Santo” se aproximava.

Ficávamos a contar os portais onde as bandeiras, as saloias, o padre e os acompanhan­tes entravam, até chegar à nossa casa.

Nessa altura esta visita era encarada com grande seriedade e devoção, diria até que era a visita do ano tão esperada, embora por pouco tempo, o importante era receber o “O Espírito Santo” que vinha abençoar a casa e a família. Contrariam­ente aos dias de hoje pelo menos em algumas zonas, o Pároco acompanhav­a sempre a visita.

As saloias vinham à frente com o seu cesto de pétalas de rosas entoando os cânticos alusivos ao momento. Vinha também um rapaz que transporta­va o balde da água benta que era usada pelo Pároco para benzer a casa e os presentes. Também vinham alguns homens vestidos a rigor, de fato e com capas vermelhas. Um trazia a bandeja ou “coroa” onde eram depositada­s as ofertas, outro trazia a bandeira e outro trazia o pendão com as Insígnias do “Espírito Santo”, que eram beijadas pelos visitados.

As saloias trajavam vestido branco, uma camisa branca com manga curta, com uma capa vermelha. A capa era enfeitada com joias de ouro de onde sobressaia­m os colares. Sobre o cabelo colocava-se uma carapuça enfeitada. Normalment­e usavam botas de vilão ou sapato raso para completar o traje.

Depois dos cânticos de entrada e após recolhida a oferta, a equipa descansava as bandeiras e outros utensílios e eram todos convidados a tomar um copo e a petiscar qualquer coisa.

Na saída as saloias voltavam a cantar uma canção de agradecime­nto pela oferta e a equipa retirava-se em direção a outra casa.

O ritual repetia-se no ano seguinte. Nos meus tempos de criança, para mim e para os meus irmãos este era um dia especial e muito desejado.

Era um dia o que já sabíamos que à mesa havia uma comida mais elaborada. O rancho era melhorado. Nesse dia até havia direito a sobremesa e bolos.

Apesar de hoje em dia a tradição já se ter de certa forma alterado, por essa Madeira fora ainda se abrem as portas para receber a visita pascal.

Gil Rosa escreve à quinta-feira, de 4 em 4 semanas

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