O alto elogio da arraia-miúda
Esta semana assistimos a um murro na mesa e ao elogio do povo. Dois momentos mediaticamente interessantes, mas pouco mais do que isso. Da briga entre a Quinta Vigia e Belém e do discurso do Presidente da República em Braga ficam as palavras.
Podemos já não gostar tanto do Presidente que temos, como gostávamos quando o elegemos uma e outra vez.
O País pode ter-se cansado dos afetos, dos sorrisos, do mediatismo - muitas vezes vazio - de Marcelo Rebelo de Sousa. Das suas vacuidades e das suas vaidades. Dos seus mergulhos solitários em praias cheias, dos seus sorrisos e das suas carrancas. Dos seus abraços em dias trágicos.
A Região até tem razões de queixa objetivas sobre a inatividade de Belém sustentadas em palavras de circunstância nas várias visitas ao arquipélago.
Mas não podemos ficar indiferentes aos discursos do Presidente da República em dias assinalados. São palavras pesadas e pensadas. Carregadas de simbolismo, de orgulho, de motivação, de exaltação das virtudes dos portugueses, estejam eles onde estiverem.
Foi assim durante os sete anos que Marcelo já leva como chefe de Estado. E ontem não foi diferente.
O Presidente foi à génese da portugalidade para enaltecer os simples. Os pobres. Os trabalhadores. Os anónimos. Sem eles, disse, não teria havido o Portugal que temos. E eles somos todos nós. Eles são o povo. São a arraia-miúda, como bem classificou. Somos todos nós.
Este alto elogio da arraia-miúda, além de merecido, é um bom incentivo. É justo. É um puxar para cima. É um reconhecimento. E é bonito. Mas é vazio.
Estas palavras doces são apenas palavras doces. Não chegam embrulhadas em regalias, em direitos ou em medidas concretas e melhores condições de vida. Afagam o ego, mas não enchem a mesa. Não ajudam a chegar ao fim do mês. Não pagam contas.
São palmadinhas nas costas. São palavras. E palavras leva-as o vento. Não vem daí nenhum ganho objetivo, nenhuma vantagem estrutural, nem sequer um avanço circunstancial.
O mesmo acontece com o mais recente episódio da longa novela do contencioso das autonomias. A Madeira empertigou-se, o presidente do Governo Regional prometeu agir e agiu. Depois reagiu. Uma e outra vez. Falou alto. Desmentiu o Presidente da República, o que não é frequente.
Houve troca de galhardetes entre o Funchal e Lisboa. Albuquerque denunciou uma provocação do Estado. Marcelo chamou-o de esquecido. Albuquerque jurou que nunca se esqueceria de um convite que não chegou. Marcelo garante que foi feito o convite. Albuquerque que não. Marcelo que sim.
Horas depois, à boa maneira da política, ficou tudo em águas de bacalhau. Foi uma falha de comunicação, um capricho, disse Belém. E o assunto deve morrer por aqui.
Os jornalistas gostaram da polémica – gostam sempre! Os defensores da autonomia que se sentiram insultados apreciaram a coragem do Governo madeirense. A maioria terá gostado do confronto contra a falta de respeito institucional e com razão. Seja neste ou noutros casos, o protocolo é para seguir sempre e não apenas quando dá jeito.
Mas e daí? O que resulta deste episódio que seja verdadeiramente importante para os madeirenses? O que ganharam os trabalhadores com isso? E os desempregados? E a arraia-miúda?
No fim do dia, estes murros na mesa são como os altos elogios do Presidente da República. Revelam coragem e merecem simpatia, mas são inconsequentes.
E o País e a Região precisam de mais do que isso. O povo, de que ontem se lembrou o Presidente, continuará a ser arraia-miúda hoje e amanhã e depois. E não é com elogios bonitos ou murros na mesa que se muda essa condição. É com políticas e medidas sérias que vão para lá das agendas diárias e tratem a arraia-miúda com se fosse arraia-graúda.
As comemorações do Dia de Portugal ficam marcadas por um murro na mesa e o elogio dos simples. Foi bonito, mas representa pouco.