Jornal Madeira

Saudades da Festa faz enchente

Menos rentável e em menor quantidade, a cultura da cereja já viu dias mais felizes na Região. Quem dela vive mostra-se desanimado e acredita que falar em produções de toneladas é coisa do passado.

- Por Edna Baptista edna.baptista@jm-madeira.pt

Se por esta altura era certo que o Jardim da Serra se pintava de vermelho, tantas eram as cerejas que pendiam das árvores da freguesia, hoje o envelhecim­ento e o abandono desta cultura ditam outra paleta de cores. Isso que o diga Manuel Tomé, agricultor que se dedica a esta cultura há cerca de três décadas e que lamenta que sejam cada vez menos as cerejeiras na ilha.

“O Jardim da Serra de há 15 ou 20 anos não tem nada a ver com o Jardim da Serra de hoje”, assegurou ao JM o produtor, sentado à sombra, junto à sua banca de fruta, localizada em frente ao Golden Gate.

Certo era que àquela hora o movimento não era muito, mas as cerejas regionais, ainda que poucas, conquistav­am olhares de turistas e de locais, que acabavam por se deixar levar pela água na boca e comprar uma mão cheia deste fruto vermelho e arrendado.

Mas nada como antes, vinca Manuel Tomé, que está certo os anos de ouro desta cultura já não voltam. “Há 10, 15, 20 ou 30 anos havia cerejas que era uma loucura. Eram outros tempos e aqui no Funchal caia muita cereja. Hoje em dia se houvesse a mesma quantidade, não se conseguia escoar”, apontou o produtor, que denota que os gostos dos mais jovens de agora são outros.

A Festa da Cereja arrancou ontem à hora certa, pelas 17h30, com a abertura oficial a cargo do presidente da Casa do Povo. E a esta hora, a temperatur­a agradável que se fazia sentir e o facto de o evento já não se realizar há dois anos por causa da pandemia, tinha muita gente na rua, conforme pudemos confirmar junto de fonte da entidade organizado­ra. Houve música e teatro até a meia-noite. Hoje, a animação recomeça às 9 horas, com o torneio da cereja, um ‘showcookin­g’, o JP Ramos, Luana, o Do Thelma Fenix, os 4 Litro com um tema musical e músicas dos anos 80 e 90 até as duas da madrugada. Amanhã, domingo, a animação volta a ser ‘rija’, com tunas, grupos de tocaras e catares, grupos folclórico­s e um cortejo etnográfic­o. As entidades convidadas falam às 17 horas, sendo que quem deverá marcar presença por parte do Governo é o secretário regional dos Equipament­os e Infraestru­turas. CR

Produção volta a ser fraca

Mas verdade é que, segundo o vendedor, a produção deste ano acabou por voltar a ser “fraca”. “E vai ser sempre fraca, porque já não há grande quantidade de cerejeiras. A velhice e o abandono diminuíram as próprias árvores. Por isso, mesmo que haja um ano em que o tempo seja bom, nunca vai haver muita cereja. Há poucas cerejeiras em atividade”, notou.

Deste mal sofre Manuel Tomé, cujo terreno chegou a ter entre duas ou três mil árvores, muitas delas cerejeiras, que ali começou a plantar há mais de 30 anos. A culpa é, em parte, de um velho problema que assola os cerejais: “Não há mão de obra. Continua a ser um problema gravíssimo. Mesmo que queríamos pagar, não há quem apanhe. Fui obrigado a eliminar 90% da cerejeira, porque produzia e perdia-se”, pranteou.

Também as condições climáticas (e as suas alterações, diga-se) são outro dos desafios dos agricultor­es, dado que nesta cultura quem manda é a natureza, “que não tem datas certas, muito menos este ano”. De facto, apesar de o tempo ter permitido que as cerejeiras florissem, a “cereja veio mais atrasada derivado à chuva e ao frio”. “A primeira caixinha [de cerejas] que trouxe foi hoje. O que é isso? Já vendi cerejas no final de abril. Este ano nem no final de maio se vendi”, observou o comerciant­e.

A isto, adita-se ainda o problema da mosca da fruta que continua a prejudicar as colheitas e que não é fácil de tratar, por requerer alguma mestria.

“O que resta?”

Desanimado com o ponto a que a cultura da cereja chegou, Manuel Tomé questiona-se sobre o que resta. “A festa? Não sei até quando. Lembro-me que há 20 anos não permitíamo­s vender cereja importada, porque fazíamos a festa para promover a nossa cereja. Mas neste momento não sei como vão fazer”, consideran­do que será difícil que esta festividad­e sobreviva apenas da cereja regional.

“Remar contra a maré ainda se

consegue, mas contra um tsunami é impossível”, aditou.

Ainda assim, Manuel Tomé denota que, pelas bancas do Funchal, as pessoas ainda perguntam pelas cerejas do Jardim da Serra. Contudo, certo é que a sua venda já não é tão rentável como outrora. “O que há é um pouco caro, mas não se justifica. Era melhor vender cerejas a dois e a três euros como há uns anos, do que a vender a cinco e a seis euros. Ganhava-se mais quando vendíamos mais barato, porque tínhamos mais quantidade”, explanou, sublinhand­o que falar em toneladas de cerejas é também coisa do passado.

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