Fugir dos espiões
Uma vez perguntaramme, “porquê deixaste de escrever?”, ao que se seguiu, “porquê deixaste de fotografar?”, duas questões que nunca soube, ao certo, responder.
Nunca fui um pseudoescritor prolífico, não desatei a escrever poemas ou contos às escondidas para serem publicados após a minha morte, escrevia para “exorcizar os meus demónios”, título de uma crónica que já passou por estas páginas. Volta e meia debitava letras e palavras em páginas de ‘word’ em branco, até perfazerem algo parecido a um texto minimamente coerente. Mas, para além disso, nunca houve um escritor - desculpem os escritores, já retifico, pseudoescritor -, à procura de escrever uma prosa que marque a literatura portuguesa no século XXI. Regressando à pergunta original - isto tudo, até ao momento, foi uma tentativa falhada, como muitas, de fugir ao assunto, mas o meu cérebro, que neste momento parece que está cheio de teias de aranhas que prendem os espiões que tentam sabotar-me, não permite que fuja, na realidade acho que estou a forçar-me a responder a essa questão -, não sei porquê que parei.
Parece que houve um momento qualquer em que o ‘chip’, aqueles que hoje em dia estão difíceis de encontrar, parou de funcionar e refugiei-me numa reunião secreta qualquer, numa parte recôndita do meu cérebro para fugir aos espiões que por lá habitam e fiquei por lá resignado, com medo dos pensamentos e desejos serem descobertos. É, talvez, um mecanismo de autodefesa que surgiu, pois para escrever é preciso sentir, ter sentimentos e quando esse ‘chip’ avariou os sentimentos deixaram de existir, logo a prosa começou a soar a falsa, e como Hemingway defendia que “tudo o que era preciso era escrever a frase mais verdadeira que conheças”, abandonei as páginas em branco.
A verdade é que também sentia-me como se nada do que fizesse fosse razoavelmente aceitável, que a mensagem acabava perdida entre as páginas em branco e o recetor da mesma. O sentimento de inutilidade aumentava desesperadamente, o que levava ao que aparece nas folhas vazias fosse uma caricatura da realidade, e o pior que podemos fazer, se não estivermos a escrever uma sátira, é criar caricaturas pois distorcemos a realidade, acabando por nos lembrar de coisas que não existiram, de momentos que não vivemos e de pessoas que não existiram, questionando a nossa própria existência, transformando-nos em caricaturas, até que o ‘Cavaleiro dos Espelhos’ nos apareça à frente, confrontando-nos com o ridículo em que nos transformamos. Quando acordei desse trauma, se é que assim que o posso classificar, apercebi-me que estava que sem sentir não havia escrita.
Sinto que falta algo e que a minha mente anda perdida dentro de um casulo.
Quanto há segunda questão, é provavelmente a realidade mais cruel que alguma vez terei de enfrentar, simplesmente, de forma crua, a motivação desapareceu. Não, foi um sentir-me uma fraude ou um fiasco, simplesmente o que motivava desapareceu, deixou de haver urgência em captar os momentos, de contar uma história através de imagens, a busca constante pela perfeição, pelo foco perfeito, o enquadramento ideal, a exposição correta e a composição fabulosa levaram-me a motivação.
Contudo sinto que falta algo e que a minha mente anda perdida dentro de um casulo, porque a procura pelo lugar na mesa levou-me à exaustão e neste momento apenas fujo dos espiões.
Eduardo Azevedo escreve à terça-feira, de 4 em 4 semanas