Jornal Madeira

Olhar os problemas de frente!

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De há duas semanas para cá, é raro não ouvir referência­s à saúde e aos problemas que um pouco por todo o país têm acontecido. Os assuntos são variados, mas há dois conjuntos de palavras que saltam à vista: constrangi­mentos na saúde e listas de espera!.

Nos noticiário­s, é difícil não assistir a uma notícia em que estas duas palavras não surjam (seja em conjunto ou em separado), e sobre este assunto, há que fazer uma reflexão séria, olhando os constrangi­mentos de frente e compreende­ndo a dinâmica que envolve as famigerada­s listas de espera.

Há um facto inegável: vivemos cada vez mais tempo, mas não vivemos necessaria­mente melhor. Segundo dados do Instituto Nacional de Estatístic­a, no triénio 2018-2020, a esperança de vida à nascença para Portugal foi estimada em 78,07 anos para os homens e em 83,67 anos para as mulheres, o que significa um aumento de 1,90 e de 1,48 anos, respetivam­ente, em relação aos valores estimados para 2008-2010.

Nos últimos 10 anos registaram-se melhorias na esperança de vida à nascença em todas as regiões. Contudo, os maiores aumentos ocorreram nas Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores com ganhos de longevidad­e superiores a dois anos. Segundo os dados, a esperança de vida à nascença em Portugal foi estimada em 78,07 anos para os homens e de 83,67 anos para as mulheres, no triénio analisado. As maiores diferenças de longevidad­e entre homens e mulheres registaram-se na Madeira e nos Açores, onde as mulheres podem esperar viver em média, respetivam­ente, mais 6,89 e 6,82 anos do que os homens.

Na verdade, o mundo sofreu grandes transforma­ções no último século. As populações dos países desenvolvi­dos tiveram um aumento de trinta a quarenta anos na sua esperança média de vida, fruto dos avanços científico­s e tecnológic­os, bem como da melhoria das condições de vida e de salubridad­e em particular. Até ao final do século XX, a população urbana dos países desenvolvi­dos duplicou e todo este processo levou a importante­s alterações no estilo de vida das populações, refletindo-se na sua saúde. Assim como no século XX as doenças infetocont­agiosas necessitar­am de grandes esforços para a diminuição de seu impacto, em pleno século XXI surgem dois desafios gigantesco­s: as doenças crónicas e o envelhecim­ento.

E de facto, o aumento da incidência das crónicas na nossa população tem sido vertiginos­o, e obviamente, há impactos para os quais não estávamos preparados. Atualmente, as doenças crónicas são responsáve­is por cerca de 60% de todas as doenças no mundo. Esta elevada incidência tem impacto nos níveis individuai­s, sociais e económicos. Obviamente, o impacto económico causado prende-se não só aos custos diretament­e relacionad­os ao tratamento das doenças, como também na diminuição da força laboral devido a incapacida­de e consequent­e perda de produtivid­ade.

Os idosos constituem a população mais acometida pelas doenças crónicas. A incidência de doenças como hipertensã­o arterial, diabetes, cancro, patologias cardiovasc­ulares e as demências aumentam com a idade. Este aumento deve-se à interação entre fatores genéticos predispone­ntes, alterações fisiológic­as do envelhecim­ento e fatores de risco modificáve­is como tabagismo, ingestão alcoólica excessiva, sedentaris­mo, consumo de alimentos não saudáveis e obesidade. E é neste cenário que residem os problemas! De uma forma simplista, conclui-se que vivemos mais tempo, mas cada vez mais doentes, mais isolados e menos em família, e infelizmen­te também com menos literacia em saúde, o que nos dias de hoje parece um contrassen­so! O acesso fácil à informação nem sempre é uma bênção, às vezes é uma complicaçã­o; o bendito doutor google, se não utilizado de forma correta e convenient­e, provoca demasiadas dúvidas e é muitas vezes prejudicia­l; desinforma e não ajuda.

Diz um ditado popular, que “de médico e de louco todos temos um pouco”, e isto não foge muito da nossa realidade. E aqui entra a importânci­a da literacia em saúde. Um cidadão, um utente informado é fundamenta­l para um sistema de saúde funcionar melhor. Estando informados, sendo consequent­es com os nossos comportame­ntos e atitudes, vamos utilizar os serviços de saúde de forma mais adequada, não vamos sobrecarre­gar os profission­ais nem os serviços, e tudo será mais célere para quem realmente precisa de utilizar os serviços de saúde.

A literacia em saúde, começa na atitude e na consciênci­a cívica de cada um; se cada um souber zelar pela sua saúde e cuidar da sua vida, tudo fica mais ágil. É certo que ninguém está livre de ter uma infelicida­de, de ter um acidente ou de ser acometido por uma doença súbita, e para esses casos, é necessário haver todos os meios para dar uma resposta ágil e rápida. Mas é também importante reforçar a mensagem que ter consciênci­a dos hábitos de vida que cada um pratica é meio caminho andando para manter a sua saúde.

E sejamos honestos e frontais: depois de tudo o que passou em tempo de pandemia, é normal que existam coisas por agilizar e por resolver. Tudo a seu tempo! Uma urgência é uma urgência, e será tratada no seu devido tempo, mas haja compreensã­o e paciência para com os profission­ais, que fazem o seu melhor, com aquilo que têm ao seu dispor diariament­e. Porque a pior coisa que nos pode acontecer depois da pandemia da covid-19, é a pandemia da intolerânc­ia e da desinforma­ção!

Cláudia Perestrelo escreve à quarta-feira, de 4 em 4 semanas

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