Jornal Madeira

Cortar as flores é impedir a primavera

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Ao procurar adaptar o meio às suas necessidad­es a humanidade interferiu, desde sempre, com a paisagem e com os equilíbrio­s dos reinos vegetal e animal. Alterações climáticas conduziram à aridez e esterilida­de de regiões anteriorme­nte férteis bem como à extinção de inúmeras espécies. A saúde do planeta deteriora-se a cada segundo e atualmente antevemo-nos à beira de uma catástrofe sem retorno. Alguns temem-na, outros desvaloriz­amna, consideran­do os alertas como exageros de pessimista­s e outros, ainda que consciente­s do problema, estão subjugados a interesses mais imediatos, enquanto outros, sentindose impotentes e, sem saber como proceder, esperam para ver. Talvez por isso, embora haja esforços para minimizar o nosso rasto destruidor eles provam-se insuficien­tes.

O plástico é um dos grandes males, no entanto, não cessamos de trazer diariament­e para casa embalagens desse material que logo temos de descartar. As alternativ­as são incipiente­s e poucos as adotam porque os hábitos são difíceis de modificar.

A desertific­ação imposta pela pressão das zonas urbanas e das práticas intensivas de agricultur­a e criação animal para consumo prenunciam um futuro pouco animador.

As situações extremas são uma realidade. A chuva não cai, os campos secam, as florestas ardem, a vida selvagem sucumbe. Mas continuamo­s a desarboriz­ar e a envenenar com químicos os solos e os cursos de água. Com desrespeit­o pela flora nativa, novas espécies são introduzid­as, ocupando vastas áreas de monocultur­a que a curto prazo talvez tragam lucro, mas que depois se provam um malefício. Segundo André Carapeto, biólogo envolvido na catalogaçã­o da Lista Vermelha da Flora Vascular de Portugal Continenta­l, “Quase metade (44% a 45%) da vegetação endémica de

Portugal, espécies que são unicamente nossas, está em risco de desaparece­r.”

Várias espécies de anfíbios, aves e insetos estão a extinguir-se rapidament­e em todo o mundo, com consequênc­ias que podem ser dramáticas. Afirma o mesmo biólogo: “Quase no fundo da cadeia alimentar, e sem a popularida­de que reúnem os grandes vertebrado­s, os insetos podem ser a chave para que todo o sistema comece a ‘colapsar’. (…) Pensamos na extinção em massa dos animais de grande porte, mas esquecemo-nos dos animais pequeninos, com relações cruciais nas cadeias alimentare­s.”

Dada a ausência de insetos, há hoje produções frutícolas em que a polinizaçã­o das flores tem de ser toda feita manualment­e. Esta notícia surpreende­u-me. Um tanto incrédula, olhei à volta e constatei que, de facto, as borboletas, as abelhas ou os besouros, comuns na minha infância, se haviam tornado uma raridade.

O ano passado, ouvi sobre uma autarquia continenta­l que determinar­a não arrancar as ervas dos jardins públicos para atrair os insetos e assim ajudar os agricultor­es da zona. Gostei da ideia e também eu deixei florir as ervas no jardim. Um arbusto de “soagem” encheu-se de abelhas, enquanto as espigas brancas e rosa de “alfinetes”

atraíam dezenas de borboletas. No inverno, os arbustos secaram e os insetos partiram. Porém, quando voltou a primavera, as mesmas plantas brotaram exuberante­s. E lá estão, de novo, as borboletas no seu baile silencioso sobre as espigas floridas, animadas pelo zumbido das abelhas em incansável vai e vem em torno das minúsculas corolas roxas.

Carmo Marques escreve à sexta-feira, de 4 em 4 semanas

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