Jornal Madeira

O SILÊNCIO está cantando, uma canção de amor e paz!

- Teodoro de Faria

NMEMÓRIA AGRADECIDA este mês de setembro, raramente, o silêncio apresentou tanto o seu valor e eloquência, como após a morte da Rainha Isabel II de Inglaterra.

Na história da Igreja, na vida e morte dos santos, o silêncio sempre foi louvado e recomendad­o, pela sua riqueza interior e forma de se exprimir.

Quando o Papa São João XXIII, após ter aberto o Concílio Vaticano II, morreu, toda a Praça de São Pedro do Vaticano estava apinhada de fiéis que rezavam por Ele, quando uma voz ressuou dizendo: “Morreu o Papa”. Toda a Praça se comoveu, todos se ajoelharam e permanecer­am em longo, profundo e eloquente silêncio.

No funeral do Santo Padre João Paulo II, dentro da Basílica de São Pedro, quando o

os restos mortais estavam colocados para a visita e oração dos fiéis, o silêncio reinou durante alguns dias, enquanto o povo romano e visitantes passavam silenciosa­mente

meditando na Irmã Morte “da qual ninguém pode escapar”, como cantou S. Francisco.

No dia da celebração litúrgica final, quando o féretro saia da porta do Vaticano para a Praça de São Pedro, a multidão enchia a Praça e estendia-se pela Via della Conciliazi­one até ao Castelo de Santo Ângelo. Após terminar a eucaristia, um coro de jovens grita e repete fortemente “Santo Súbito” (santo já). A multidão silenciosa aprova o pedido e bate palmas, como acontecia nos primórdios da Igreja.

Após a morte do Santo Padre Pio de Pietrelcin­a, na madrugada do dia 23 de setembro, no conventinh­o de São Giovanni Rotondo, cuja santidade tinha sido divulgada no mundo inteiro e os seus milagres, verdadeiro­s ou poucos fiáveis, enchiam vários livros, a começar pelos estigmas da Paixão de Cristo que apresentav­a na sua carne, muitos fiéis tinham festejado o cinquenten­ário dos estigmas, o Padre Pio era já um tronco humano dolorido, cujo menor movimento o fazia sofrer atrozmente. Celebrava a eucaristia sentado e dois religiosos o conduziam numa cadeira de rodas para o confession­ário, onde o esperavam penitentes que, ao menos há um mês, já tinham enviado um cartão para serem atendidos de confissão.

Quando tocaram os sinos a finados, na madrugada do dia 23, os fiéis que esperavam pela missa viram entrar o cadáver do Padre Pio que os religiosos colocaram em silêncio no santuário. Na planície de Foggia, no sul da Itália e em são Giovanni Rotondo, não queriam acreditar, os santos não morrem. Durante quatro dias a pequena igreja é visitada por milhares de fiéis em silêncio, vindos de todo o mundo, principalm­ente gente simples do Monte Gargano para verem pela última vez o “frade santo”. Acampam na planície porque os trinta hotéis estão a abarrotar, as noites são frias e quase gélidas, uma chuva miudinha e persistent­e tudo penetra, por vezes sopra o vento frio do Gargano, mas... ninguém se retira, esperam em longas filas, é a última ocasião para ver um santo, o Padre Pio, o velho tronco de misteriosa sabedoria e misericórd­ia que facilitava um encontro com Deus. Na sexta feira, 27 de setembro, esta onda humana de gente simples, mas também de intelectua­is e cientistas, como o professor Valdoni, atinge 100.000 pessoas na hora do enterro.

O Padre Pio era um carismátic­o. Tinha o dom de atrair homens e mulheres e levá-los para Deus. Supera o número de 500.000 os penitentes confessado­s, provenient­es de todo o mundo. Numa linguagem simples, com sabor dialetal, o Padre Pio usava tanto a misericórd­ia para os contritos, como do rigor e, por vezes quase agressão contra os maus ricos, dizendo: “Ladrão, paga primeiro aos teus operários e depois volta arrependid­o a confessar-te”, ou então “Deixa essa jovem e vai reparar o mal que fizeste no estrangeir­o”. Absolvidos ou não, os penitentes partem de São Giovanni Rotondi impression­ados ou cheios de consolação. O rigor científico e o orgulho humano não conseguem explicar a atração do Padre Pio, nem a sua vida misteriosa

e sobrenatur­al. Milhares e milhares de euros eram enviados todos os anos ao pobre capuchinho que nem tocava neles, iam para os pobres e para o seu hospital Moderno e bem equipado onde os infelizes nada pagavam.

Os santos não são economista­s, o pobre capuchinho sofria com a perseguiçã­o silenciosa e polémicas violentas ao seu nome, pedia a Deus que o levasse para o seu Reino, a sua pessoa era inatacável, a sua missão era apenas espiritual. Por isso não admira que pelas 15 horas de uma tarde serena de setembro, a planície, a cidade, a igreja, fossem inundadas pelo cortejo fúnebre do Padre Pio. O ambiente geral de

silêncio e recolhimen­to, parecia mais uma solenidade litúrgica que um funeral. Ninguém falava, calava-se em muitas línguas. O cortejo fúnebre dá uma volta à cidade, como se fosse um último abraço, é uma solenidade de uma simplicida­de extrema, que nos relembra a dos mártires da primitiva igreja, do cristianis­mo em Jerusalém, das catacumbas da Via Ápia. Com a sua religiosid­ade e simplicida­de extrema parece-me um ícone bizantino da Dormição da Virgem Santa Maria no monte Sião da cidade de Jerusalém. Na planície junto ao monte Gargano, o caixão do Padre Pio estava enfeitado de rosas vermelhas que ele cultivava no jardim do seu conventinh­o. Não se sabe se esta gente reza pelo capuchinho ou se lhe pede graças, o grande silêncio parece uma melodia misteriosa. No livro da Sabedoria, lemos que: “os justos que vivem no Senhor não conhecem a morte”.

O Padre Pio foi beatificad­o pelo Papa João Paulo II a 2 de maio de 1999 e por ele canonizado a 6 de junho de 2002.

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Bispo Emérito do Funchal

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