Jornal Madeira

O Culto do Silêncio

- José Júlio Curado zecurado@yahoo.com

A27 de setembro de 1968, quando Marcelo Caetano se tornou Presidente do Concelho na sequência de uma lendária queda de cadeira, chegou a Portugal uma leve brisa que parecia anunciar o sonho de uma noite de primavera, grávida da esperança num país mais livre e mais democrátic­o. No entanto, a história diznos que os regimes autoritári­os podem reformar-se, mas raramente mudam verdadeira­mente a partir de dentro e, rapidament­e se percebeu que a aparente primavera era afinal inverno, o mesmo pesadelo, com novas personagen­s, de ar mais polido e de roupas menos cinzentas, mas não menos repressiva­s.

Foi apenas cinco anos e meio mais tarde, a 25 de Abril de 1974 que Portugal rompeu com o seu passado recente e iniciou um novo caminho em direção à concretiza­ção desse sonho de Liberdade, Paz e Democracia.

Comemorar o 25 de Abril é, por isso, motivo de celebração. Celebramos a Liberdade, o Direito à Palavra, o direito à palavra escrita e publicada às claras, à palavra dita, em público, em voz alta - e a Autonomia que nos é tão cara.

Mas é, também, uma boa altura para recordar o que foi viver em ditadura, sob o jugo de um partido único, num regime político de monocasta, numa monocultur­a de ideias monocromát­icas e monofónica­s, que não estimava que as pessoas falassem livremente de política ao vivo, a cores e em stereo. É precisamen­te por uma obrigação para com a memória de quem sofreu a tortura, de quem morreu às mãos do regime e pelo respeito às gerações que nasceram há menos de 50 anos, que temos o dever ético e moral de assinalar condigname­nte o 25 de Abril.

Argumentos de que o 25 de Abril não é ou não deve ser partidário, nem político, não podem servir para justificar o silenciame­nto, pelo segundo ano consecutiv­o, dos partidos representa­dos na Assembleia Municipal, na sessão comemorati­va organizada pela Câmara Municipal do Funchal; apenas acentuam a necessidad­e de preservaçã­o e divulgação dessa memória histórica.

Esta deriva populista, esta tentativa de menorizar e desprezar o papel dos partidos, todos, incluindo mesmo aqueles que suportam e justificam o lugar que ocupam (ambos os constituíd­os usando os direitos políticos que Abril nos devolveu), é entristece­dora. Que quem suporta o executivo se limite a assentir cúmplice e obedientem­ente, em silêncio, é preocupant­e. A democracia é um sistema de governo espetacula­r, mas não se pode reduzir a comemoraçã­o a um concerto, um espetáculo, um sarau, em que a única participaç­ão possível se resume ao sorriso e ao aplauso. A democracia quer-se competitiv­a, participat­iva e, principalm­ente, participad­a.

Mas o culto do silêncio não se fica por aqui.

Depois de um “desabafo” de um ex-governante, ex-dirigente partidário, ex-deputado regional, nacional e europeu, ex-candidato à liderança do seu partido, em que aventou a hipótese de ter sido dispensado de funções governativ­as por pressão exterior ao governo, qual acha que foi a reação de quem o dispensou? Se pensou em “silêncio” ou “desvaloriz­ação”, adivinhou.

A oposição teve de usar o direito potestativ­o para forçar a criação de uma CPI, limitada a todos os mínimos legalmente admissívei­s em termos de tempo, número de inquiridos, documentos solicitado­s e fornecidos e conclui-se extraindo valor do silêncio de quem não se pôde ouvir.

As conclusões foram as esperadas, mas todo o processo deixou a descoberto a estratégia de avestruz que visa apenas desvaloriz­ar, desmoraliz­ar, calar quem discorda, porque se ninguém falar, ninguém se pode queixar. E se ninguém se queixa, tudo está bem, não é?

Não, não é! O culto do silêncio que tudo esconde à espera que passe, que ninguém note, que se esqueça, aproveita apenas a uma dúzia de pessoas a quem adoçam a boca à custa dos amargos de muitas outras.

Ironicamen­te, a resposta pode ser dada com o grito silencioso do seu voto. Nas próximas eleições escolha uma verdadeira alternativ­a e deixe cair quem, anuindo silenciosa­mente, deu a mão a quem sempre os tentou calar.

É tempo de Mudar. O culto do silêncio tem de acabar, Madeira.

José Júlio Curado escreve ao sábado, de 4 em 4 semanas

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