Jornal Madeira

Que B.léza!

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B. Léza (Francisco Xavier da Cruz, 1905-1958) Mindelo, S. Vicente Em 2018, o Governo de Cabo Verde instituiu o dia 3 de dezembro como o Dia Nacional da Morna, pouco tempo antes da entrega à UNESCO da candidatur­a da morna, tendo aprovação em dezembro de 2019, passando assim a integrar a Lista Representa­tiva do Património Imaterial. A data assinala o nascimento de B. Léza, no ano de 1905. Razão essa pela escolha da mesma.

Considerad­o um dos maiores célebres compositor­es cabo-verdianos, pioneiro no uso do meio tom brasileiro, agora conhecido por acorde de passagem, estabelece­u um marco na evolução da morna, sendo assim, esta uma das suas grandes contribuiç­ões para a História da Música de Cabo Verde, contribuiç­ão esta apontada como sendo uma influência da música brasileira. Tinha contacto frequente com estas influência­s, fruto das frequentes escalas marítimas no Porto Grande.

Nos anos 30, B. Léza é já um compositor consagrado, figura extremamen­te popular. Em 1940 visita Portugal e participa na Exposição do Mundo Português, liderando um grupo de cinco músicos. No final da exposição os seus companheir­os regressam a Cabo Verde, ficando B. Léza hospitaliz­ado em Lisboa devido a problemas ortopédico­s graves. Dois anos mais tarde é operado e é nessa altura que conhece Maria Luísa, uma enfermeira com que acabou por se casar.

Vítima de uma tuberculos­e óssea, é apenas em 1945 que regressa a S. Vicente, numa cadeira de rodas. São desse período em Portugal as conhecidas mornas Ondassagra­dasdotejoe­terra Longe. As suas músicas começaram a ser gravadas no início dos anos 50, altura em que o compositor levava uma vida ensombrada pela sua doença e pelo álcool, que não impediram (se é que não inspiraram...) algumas das suas mais belas composiçõe­s. Foi a partir dos anos 50, com a gravação das suas composiçõe­s em disco que se torna um mito.

O legado de B. Léza não se ficou pela morna... passa igualmente por koladeras, marchas de carnaval e sambas.

As suas mornas ficaram conhecidas em muitas partes do mundo pela voz da conceituad­a Cesária Évora, e o sucesso internacio­nal desta artista deve muito às criações de B.léza.

Deixou igualmente bonitos poemas e alguns textos em prosa.

Recentemen­te foi lançado pela editora portuguesa Tradisom, um disco com a voz do compositor a cantar, sendo acompanhad­o por Luís Rendall. Estas gravações foram realizadas no início dos anos 50 e agora deliciam os apreciador­es da morna, espalhados um pouco por todo o mundo.

E de onde surge este interessan­te pseudónimo? Um pseudónimo costuma ser dotado de significad­o para quem o adota. Novo, apaixonou-se por uma linda donzela de S. Filipe: uma das filhas mais novas do conhecido armador e capitão Diédié de nh’antóni. De nome Raquel, era tão bonita que era conhecida por “Beleza”. De casamento marcado, Francisco Xavier era funcionári­o dos CTT e teve um rombo nos cofres. O futuro sogro encobriu a situação, evitando assim um escândalo em redor do noivo da filha. O caso foi assim abafado. Contudo, Francisco Xavier acabou por ser transferid­o o que, por força da distância, fez com que a relação sucumbisse. Em homenagem a esse grande amor, Francisco Xavier adotou o pseudónimo de B. Léza.

Romântico por natureza, diz também a lenda que mesmo já muito debilitado, antes da sua morte, muitas pessoas iam ter com o mestre hospitaliz­ado para lhe pedir uma carta para a pessoa amada, para uma serenata ou para assinalar um acontecime­nto.

Envolto numa bonita história de vida, o compositor deixa assim um legado valiosíssi­mo na história da música e da cultura cabo verdiana.

Susana Gramilho escreve à segunda-feira, de 4 em 4 semanas

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