Jornal Madeira

Nem tudo é preto ou branco

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Não é preciso ser adivinho para perceber que estão para chegar tempos conturbado­s. Não é a guerra, não é a pandemia, nem sequer a inflação. É a campanha eleitoral que se avizinha e que vai dominar a vida na Madeira.

A declaração de Marcelo Rebelo de Sousa, ao apontar as regionais para o final de setembro, vem acompanhad­a de diversos calendário­s paralelos.

São os partidos a definir metas e datas concretas para se apresentar­em.

São os deputados a fazerem contas à vida na legitima expectativ­a de procurar saber se continuam ou deixam as funções.

São os governante­s a acelerar agendas, a cumprir promessas.

E são as instituiçõ­es, públicas e muitas privadas, a receberem uma repentina atenção dos políticos em romaria.

Este é o caminho normal num ciclo eleitoral democrátic­o.

O que é menos natural é o clima de tensão que se apodera de alguns agentes políticos sempre que se anuncia um ciclo eleitoral democrátic­o.

De repente, parece que o mundo vai acabar. Que não há mais amanhã. Que é preciso abrir trincheira­s. Que é imperioso erguer barreiras e colocar as pessoas num campo ou noutro da barricada política.

É assim na Madeira desde sempre. E o curioso é que a Madeira é claramente a região do

País com maior estabilida­de política. Para o bem e para o mal, é aqui que se conhece maior tranquilid­ade e maior durabilida­de dos detentores de cargos políticos, diretos e indiretos.

Mesmo na oposição as coisas parecem bastante previsívei­s, salvo os eventuais lugares de charneira, que podem fazer alguma diferença na continuida­de ou não de um ou outro deputado ou autarca.

Por essa razão, não se compreende tanto frenesim em tão pouco tempo. E muito menos se entende esta tendência muito regional de rotular as pessoas e de as empacotar em prateleira­s deste ou daquele partido.

Por cá ainda não se consegue distinguir uma opinião de uma filiação. Quem tem a ousadia de criticar uma ou mais medidas governamen­tais, é atirado para os braços da oposição. E se, dias depois, concordar com medidas da governação, é imediatame­nte acusado de estar feito com o governo.

Não há cá lugar a meio termo. Não se aceitam pensamento­s próprios - nem contra, nem a favor. Quem se permite ter opinião é indicado para um dos lados. Ou está feito com o poder, ou faz o frete à oposição.

É uma forma estreita e estrambóli­ca de ver a cidadania.

Numa sociedade cada vez mais posicionad­a nos extremos, o meio termo perde espaço. E afunila-se a cidadania.

Esta ‘tradição madeirense’ não faz sentido, mas continua a fazer caminho. E, pelos vistos, resulta, tanto para o poder como para a oposição. A uns ajuda a fortalecer expressiva­s vitórias. A outros, dá um jeitão para explicar sucessivas derrotas.

Neste quadro, falta perceber onde colocar o cidadão que tanto critica como aplaude, sem que isso signifique que está feito com uns ou que faz o frete a outros.

Falta espaço para encaixar o exercício livre da cidadania.

Falta discernime­nto para acolher a crítica com a mesma atenção que é dedicada ao elogio.

Entretanto, quanto mais os poderes e as oposições se sustentam com esta visão a preto e branco, mais cresce um ‘centrão’ desinteres­sado e desligado da vida pública. Mais distanciad­o dos partidos. Mais longe das instituiçõ­es. Mais perto da abstenção.

Alguém devia fazer ver a quem manda, no poder e na oposição, que nem tudo é preto ou branco.

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