O futebol, a Madeira, o bairro e o tempo
Ofutebol evoluiu muito rapidamente, sendo que os modelos de gestão vigentes há uma ou duas décadas, que tinham na implantação social dos clubes um dos elementos centrais, são hoje questionados. As exigências financeiras do desporto profissional cresceram exponencialmente. Com o objetivo de se manterem competitivos, os clubes procuraram não só aumentar as receitas, mas também diversificá-las, sendo que ambos os fatores são críticos em meios mais pequenos ou economicamente menos favorecidos.
Neste cenário, é (muito) mais difícil a clubes de uma região pequena e ultraperiférica como a Madeira serem competitivos, mesmo na dimensão das principais ligas nacionais, sendo que a resposta a essa perda de competitividade não estará no aumento do investimento público – que, de facto, não acompanhou o acréscimo de custos –, porque esse investimento tem um limite, que é o do bom senso na relação entre a Região e quem paga impostos (sendo útil, no entanto, fazer um estudo sério sobre o retorno do fenómeno futebolístico, retorno esse que pode balizar – ou não – novos modelos e novos montantes de investimento).
Se olharmos para aqueles que são os percursos de Nacional e Marítimo nas principais ligas, notamos uma crescente perda de competitividade, que este ano atingiu o apogeu, estando o primeiro a lutar para não descer à Liga 3, estando o segundo a jogar pela vida na Liga principal. Responsabilidades de ambas as direções? Sim, terão algumas. Responsabilidades totais de ambas as direções? Tenho dúvidas, podendo, no entanto – no caso do Marítimo, clube que apoio e do qual sou sócio há mais de 25 anos – apontar um conjunto de erros na gestão desportiva que apressaram a queda.
A questão, porém, está relacionada com o modelo segundo o qual os clubes são geridos. Hoje, olhando para Portugal e, sobretudo, para a Europa, vejo dois modelos principais para gerir um clube de futebol com sucesso: o primeiro é o da formação. Formar jogadores, que para além de rendimento desportivo que asseguram, têm os seus passes transacionados para clubes maiores ou para ligas mais competitivas, com mais-valias financeiras para o formador. Este modelo exige condições que não exigiria há duas décadas.
Condições estruturais como academias bem equipadas, capacidade para atrair talentos, capacidade de prospecção que vai além do seu território de implementação. Campos, residências com condições para os atletas, equipamentos de treino e de monitorização, treinadores altamente formados e valorizados e uma rede de prospetores.
É também relevante perceber que o modelo centrado na formação exige, a montante, uma comunidade que se reveja na prática desportiva, sobretudo no futebol – porque dele falamos. É aqui que entra o conceito de proximidade, corporizado pelos clubes locais ou de bairro, que têm como função principal envolver as comunidades (por mais pequenas que sejam) na prática desportiva e recreativa, desenvolvendo mecanismos de atração baseados na proximidade e nas relações familiares e de vizinhança. Esse trabalho cria o substrato para que depois, os clubes maiores aproveitem, para as suas academias, os jovens mais talentosos. Serve, também, para evitar que muitas crianças fiquem mais expostas a outro tipo de "atração", sem dúvida mais prejudicial do que a prática desportiva. Nesse sentido, qualquer projeto de formação deve incluir os clubes locais, que podem ser dinamizados com fundos próprios, mas que merecem também o apoio dos clubes maiores e do estado, pela dupla função que desempenham.
O segundo modelo passa por integrar o clube em redes globais, através da alienação de parte do capital social e assumindo a instituição como espaço de valorização de jogadores, treinadores e até dirigentes, servindo, muitas vezes, de ponte entre campeonatos periféricos e os campeonatos mais ricos. Essa integração exige que a palavra credibilidade esteja no centro da ação. O projeto desportivo do clube (ou SAD) candidato a integrar as tais redes deve ser credível, corporizado por dirigentes e técnicos reconhecidos pelos parceiros como capazes de gerar as mais-valias pretendidas.
Qual o caminho para os clubes da Madeira? Desconfio que será um dos dois, se quiserem ser competitivos. Percebê-lo é fundamental. Terão as direções dos principais clubes da Região a capacidade para entender e corporizar um dos dois? Talvez o tempo o confirme sendo certo que não podemos perder ainda mais... tempo, porque infelizmente, jogos temos perdido e muitos.