Adiar um divórcio em prol
A psicóloga clínica Ana Sofia Pita esclarece que a decisão de prorrogar o divórcio acarreta consequências negativas para os filhos, a curto e a longo prazo.
Em prol do bem-estar dos filhos, certos casais optam por prorrogar o divórcio. Saiba que “a decisão de adiar uma separação acarreta, inevitavelmente, consequências negativas” para as crianças e/ou adolescentes, sobretudo ao nível psicológico.
A psicóloga clínica Ana Sofia Pita explica que na grande maioria destes casos, “os pais têm como objetivo evitar o sofrimento associado a uma rutura e garantir a estabilidade emocional, habitacional e escolar” dos filhos. No entanto, mesmo que a intenção seja positiva, “envolve prolongar o sofrimento e agravar a tensão entre o casal, propiciando um aumento dos conflitos e a manifestação de um clima de mal-estar” no seio familiar.
É certo que o divórcio implica algum grau de sofrimento, ainda assim, “é um processo no qual as crianças e jovens têm a oportunidade de desenvolver estratégias para melhor lidar com as emoções negativas e se ajustar a uma nova realidade”. Como evidencia a especialista, “o mesmo não acontece quando é adiado, promovendo a permanência num contexto negativo”.
A curto-prazo, o clima familiar, pautado por instabilidade, stress e/ ou mal-estar, “poderá contribuir para o surgimento de sistematologia ansiosa, como nervosismo, preocupação excessiva, irritabilidade, choro fácil, entre outros”, elucida a psicóloga, acrescentando que “a presença de conflitos frequentes pode resultar numa inversão de papéis, em que os filhos, numa tentativa de evitar o sofrimento dos pais, se responsabilizam (erradamente) pelo bem-estar e segurança dos mesmos”, o que contribui para que as crianças desenvolvam emoções negativas como angústia, medo e preocupação.
Já a longo-prazo, Ana Sofia Pita esclarece que o adiamento do divórcio facilita “o desenvolvimento de crenças distorcidas sobre relações amorosas”. Isto porque manter-se num casamento disfuncional espoleta a ideia de que uma relação amorosa “implica tolerar comportamentos prejudiciais e/ou abusivos e sacrificar, constantemente, a própria felicidade em prol do bem-estar do outro”, evidencia, alertando que aumenta, também, “a probabilidade de repetirem este padrão de comportamento em idade adulta, permanecendo em relações insatisfatórias e disfuncionais”.
“A prática clínica tem me demonstrado que, na maior parte das vezes, a sintomatologia psicopatológica surge, não pelo divórcio dos pais per si, mas, sim, devido
Ao renunciar a própria felicidade em prol da dos filhos, mais cedo ou mais tarde, o resultado será inevitável: adultos cansados e saturados, mais reativos e infelizes Ana Sofia Pita, psicóloga clínica no SESARAM e Peças do Puzzle
ao tempo prolongado em que as crianças e adolescentes estiveram expostas aos conflitos e ao clima de tensão em contexto familiar”, aponta, dando conta de que os progenitores assumem que o divórcio deixará os filhos “traumatizados”, no entanto, “as crianças e adolescentes podem ser extremamente resilientes perante situações adversas”.
Todos sofrem consequências
Ao adiar a separação “é expectável que o contexto familiar seja caraterizado por um clima de tensão e de instabilidade que, inevitavelmente, prejudica todos os elementos que coabitam, incluindo as crianças/ adolescentes”, expressa Ana Sofia Pita.
Em primeiro lugar, a psicólo
ga destaca as situações em que os progenitores, “devido à saturação e ao cansaço, acabam por ‘descarregar’ as suas frustrações e angústias nos filhos”, promovendo a presença de conflitos. Por outro lado, “a tensão vivenciada poderá dificultar uma adequada articulação e comunicação entre os pais, prejudicando a educação e os cuidados prestados aos filhos”, podendo desencadear sentimentos de mágoa, raiva e revolta.
Por fim, a especialista alerta que, independentemente da situação, “abdicar de si mesmo para fazer os outros felizes raramente tem resultados positivos”, sendo que, “ao renunciar a própria felicidade em prol da dos filhos, mais cedo ou mais tarde, o resultado será inevitável: adultos cansados e satura
dos, mais reativos e infelizes”, sintomas que, segundo Ana Sofia Pita, expandem-se a outros contextos: relacional, profissional e familiar.
“É certo que pretendem, sempre, o bem-estar dos filhos, no entanto, importa não esquecer que a própria felicidade das crianças e jovens está diretamente relacionada com o bem-estar dos pais. Pais felizes estão mais disponíveis, mais envolvidos no dia a dia dos filhos e mais bem preparados para lidar com os desafios da parentalidade”, remata a psicóloga.