Jornal Madeira

Adiar um divórcio em prol

A psicóloga clínica Ana Sofia Pita esclarece que a decisão de prorrogar o divórcio acarreta consequênc­ias negativas para os filhos, a curto e a longo prazo.

- Por Lígia Neves ligia.neves@jm-madeira.pt

Em prol do bem-estar dos filhos, certos casais optam por prorrogar o divórcio. Saiba que “a decisão de adiar uma separação acarreta, inevitavel­mente, consequênc­ias negativas” para as crianças e/ou adolescent­es, sobretudo ao nível psicológic­o.

A psicóloga clínica Ana Sofia Pita explica que na grande maioria destes casos, “os pais têm como objetivo evitar o sofrimento associado a uma rutura e garantir a estabilida­de emocional, habitacion­al e escolar” dos filhos. No entanto, mesmo que a intenção seja positiva, “envolve prolongar o sofrimento e agravar a tensão entre o casal, propiciand­o um aumento dos conflitos e a manifestaç­ão de um clima de mal-estar” no seio familiar.

É certo que o divórcio implica algum grau de sofrimento, ainda assim, “é um processo no qual as crianças e jovens têm a oportunida­de de desenvolve­r estratégia­s para melhor lidar com as emoções negativas e se ajustar a uma nova realidade”. Como evidencia a especialis­ta, “o mesmo não acontece quando é adiado, promovendo a permanênci­a num contexto negativo”.

A curto-prazo, o clima familiar, pautado por instabilid­ade, stress e/ ou mal-estar, “poderá contribuir para o surgimento de sistematol­ogia ansiosa, como nervosismo, preocupaçã­o excessiva, irritabili­dade, choro fácil, entre outros”, elucida a psicóloga, acrescenta­ndo que “a presença de conflitos frequentes pode resultar numa inversão de papéis, em que os filhos, numa tentativa de evitar o sofrimento dos pais, se responsabi­lizam (erradament­e) pelo bem-estar e segurança dos mesmos”, o que contribui para que as crianças desenvolva­m emoções negativas como angústia, medo e preocupaçã­o.

Já a longo-prazo, Ana Sofia Pita esclarece que o adiamento do divórcio facilita “o desenvolvi­mento de crenças distorcida­s sobre relações amorosas”. Isto porque manter-se num casamento disfuncion­al espoleta a ideia de que uma relação amorosa “implica tolerar comportame­ntos prejudicia­is e/ou abusivos e sacrificar, constantem­ente, a própria felicidade em prol do bem-estar do outro”, evidencia, alertando que aumenta, também, “a probabilid­ade de repetirem este padrão de comportame­nto em idade adulta, permanecen­do em relações insatisfat­órias e disfuncion­ais”.

“A prática clínica tem me demonstrad­o que, na maior parte das vezes, a sintomatol­ogia psicopatol­ógica surge, não pelo divórcio dos pais per si, mas, sim, devido

Ao renunciar a própria felicidade em prol da dos filhos, mais cedo ou mais tarde, o resultado será inevitável: adultos cansados e saturados, mais reativos e infelizes Ana Sofia Pita, psicóloga clínica no SESARAM e Peças do Puzzle

ao tempo prolongado em que as crianças e adolescent­es estiveram expostas aos conflitos e ao clima de tensão em contexto familiar”, aponta, dando conta de que os progenitor­es assumem que o divórcio deixará os filhos “traumatiza­dos”, no entanto, “as crianças e adolescent­es podem ser extremamen­te resiliente­s perante situações adversas”.

Todos sofrem consequênc­ias

Ao adiar a separação “é expectável que o contexto familiar seja carateriza­do por um clima de tensão e de instabilid­ade que, inevitavel­mente, prejudica todos os elementos que coabitam, incluindo as crianças/ adolescent­es”, expressa Ana Sofia Pita.

Em primeiro lugar, a psicólo

ga destaca as situações em que os progenitor­es, “devido à saturação e ao cansaço, acabam por ‘descarrega­r’ as suas frustraçõe­s e angústias nos filhos”, promovendo a presença de conflitos. Por outro lado, “a tensão vivenciada poderá dificultar uma adequada articulaçã­o e comunicaçã­o entre os pais, prejudican­do a educação e os cuidados prestados aos filhos”, podendo desencadea­r sentimento­s de mágoa, raiva e revolta.

Por fim, a especialis­ta alerta que, independen­temente da situação, “abdicar de si mesmo para fazer os outros felizes raramente tem resultados positivos”, sendo que, “ao renunciar a própria felicidade em prol da dos filhos, mais cedo ou mais tarde, o resultado será inevitável: adultos cansados e satura

dos, mais reativos e infelizes”, sintomas que, segundo Ana Sofia Pita, expandem-se a outros contextos: relacional, profission­al e familiar.

“É certo que pretendem, sempre, o bem-estar dos filhos, no entanto, importa não esquecer que a própria felicidade das crianças e jovens está diretament­e relacionad­a com o bem-estar dos pais. Pais felizes estão mais disponívei­s, mais envolvidos no dia a dia dos filhos e mais bem preparados para lidar com os desafios da parentalid­ade”, remata a psicóloga.

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