Jornal Madeira

É tempo de dizer adeus, mas vai deixar saudades

- Por Edna Baptista, em Estrasburg­o edna.baptista@jm-madeira.pt

Foi no dia seguinte, o terceiro de sessão plenária, quando a tarde já ia a meio, e ainda não era conhecido que semanas mais tarde iria tomar posse como secretária de Estado das Pescas no novo Governo, que o JM se encontrou com Cláudia Monteiro de Aguiar na galeria central do Parlamento, pautada pelo verde da vegetação que pende dos ‘céus’ até ao piso térreo desta casa. Passava cerca de meia hora depois do combinado, porque os afazeres no coração da democracia europeia assim o ditaram.

Aliás, fora precisamen­te do epicentro das decisões europeias que a social-democrata acabara de sair, após ter tomado a palavra a propósito das diretrizes para o Orçamento de 2025, que já não verá cumprir como eurodeputa­da.

Entretanto, já sentada com o Jornal na área onde se amontoam jornalista­s e câmaras prontas a emitir para os quatro cantos do continente, tendo como pano de fundo o exterior do hemiciclo, a então ainda parlamenta­r de 43 anos rememorou os últimos 10 anos nesta casa, os quais, garantiu, deixaram uma marca indiscutív­el.

“Será uma saudade marcante, porque a dinâmica do Parlamento Europeu é muito ativa. Estar no centro da decisão, no momento em que os assuntos estão a acontecer e perceber o impacto que terão nas próximas gerações e nos nossos países e regiões, vai fazer falta. Mas todos os desafios têm um momento”, constatou.

Ainda assim, é com felicidade que olha para os dois mandatos que cumpriu, não obstante os sacrifício­s pessoais que implicaram, sobretudo dadas as recorrente­s ausências de casa e as inúmeras deslocaçõe­s. “Normalment­e, vou da Madeira para Lisboa, depois Madrid ou Frankfurt e, por fim, Estrasburg­o. Portanto, é uma dureza em termos de viagens. Não mata, mas mói bastante. E chegar aqui e ainda ter a sessão plenária ao final do dia...”, exemplific­ou.

Constantem­ente de malas feitas, foi, portanto, entre Madeira e as cidades onde a UE tem sede (e por vezes fora) que a eurodeputa­da do PSD foi andando de agenda apertada e de hotel em hotel na transata década. “Em Bruxelas, já estive num apartament­o com a minha família, mas, entretanto, mudámos a dinâmica e a localizaçã­o da família e, portanto, prefiro também ficar num hotel, porque chegando segunda e partindo na quinta-feira, ao final do dia, é mais prático”, aclarou.

Do ponto de vista geopolític­o e geostratég­ico, a Madeira tem muito a dar à Europa, bem como em termos de projetos-piloto que muitas vezes saem daqui.

Agenda apertada

Certo é que, só naquela manhã, a social-democrata, que se senta na ala do Partido Popular Europeu (PPE), já havia participad­o no momento em o PE recebera crianças

da Ucrânia, para dar-lhes “uma palavra de alento” e alertar para a “violência e a necessidad­e de proteção” destas mesmas. Entretanto, sucedera-se também uma sessão de votos, depois de já terem sido debatidos vários temas e ao longo da tarde estavam combinadas entrevista­s, mormente com uma televisão grega, para além da com o JM, que pontuaram as pausas entre os deveres no hemiciclo.

Todavia, esta panóplia de compromiss­os é também, no entender da socióloga, muitas vezes desconheci­da do público em geral. “Os cidadãos não percebem o que são semanas abertas, em que parece que os eurodeputa­dos não estão a fazer nada. Mas, por exemplo, aproveitam­os essas semanas para fazer missões das comissões parlamenta­res. A última que fizemos foi a Singapura, em que visitámos o porto, que tem uma tecnologia completame­nte avançada, no sentido de beber outros exemplos, de saber como é que a legislação lá pode se enquadrar com a europeia ou vice-versa”, ilustrou, gesticulan­do e reiterando que tal demonstra como a UE que não se fecha sobre si.

Ademais, continuou, nestas semanas têm igualmente lugar missões a vários Estados-membros e à Madeira, participaç­ões em debates, visitas a escolas e universida­des e a representa­ções do País, do PPE ou do PSD pela Europa fora.

Ainda assim, relegando o desconheci­mento persistent­e do dia a dia de um eurodeputa­do pela população, Cláudia Monteiro de Aguiar acredita que os madeirense­s, incluindo os jovens, estão cada vez mais consciente­s da importânci­a da pertença a esta União e do que esta faz por si, dada também a sua preocupaçã­o com as problemáti­cas como a habitação e as alterações climáticas, em relação às quais este centro tem muito a dizer.

E mais, intituland­o-se filha de ‘Erasmus’, a parlamenta­r denota que a adesão a este programa é também prova desse mesmo interesse, já que permite aos mais novos sentirem na pele os benefícios do mercado de livre circulação de pessoas, bens e serviços, aos quais se acrescenta­m ainda as decisões relativas a matérias como os transporte­s, os direitos do consumidor, os cabos submarinos e as inauguraçõ­es financiada­s pela UE.

“A verdade é que sempre que há um apoio europeu há esse momento físico de demonstraç­ão com algumas placas ilustrativ­as e essa perceção por parte dos madeirense­s também acho que é cada vez maior”, averbou.

Um País europeu por cumprir

Por isso mesmo, ajeitando- se no assento e descruzand­o a perna para voltar a cruzar, Cláudia Monteiro de Aguiar foi perentória quanto à evolução que a União Europeia tem imprimido em Portugal e na Madeira, que não são os mesmos de quando principiou a sua viagem ‘europeia’ em 2014.

No entanto, o País é que não vê com tão bons olhos, por considerar que poderia ter ido “muito, muito, muito mais longe”, aproveitan­do os fundos disponívei­s, mormente para a ferrovia. “É mesmo um lamento que tenho. Podíamos estar já a preparar um Portugal para que os nossos filhos não tivessem de lidar com os problemas que já se arrastam há anos”, atirou, afirmando, no entanto, que os 10 anos que esteve neste Parlamento foram significat­ivos para defender Portugal nas áreas fundamenta­is.

“E, diga-se, a Madeira, através de uma perceção que o Governo Regional tem, (…) está a dar um passo em frente e está a posicionar-se muito bem nas questões das novas tecnologia­s, do mundo digital e das novas moedas”, destacou a eurodeputa­da, que elogiou ainda o enquadrame­nto atlântico que o arquipélag­o confere à UE, ao constituir uma importante ponte para o mundo.

“Desse ponto de vista geopolític­o e geostratég­ico, a Madeira tem muito a dar à Europa, bem como em termos de projetos-piloto que muitas vezes saem daqui”, aditou, recordando ainda os momentos que a RAM se colocou na vanguarda, como o fez na pandemia, ao atuar “no momento certo, sem medos”. “Aqui sentimos muito isso: o reconhecim­ento de que a Madeira tem sido pioneira em várias áreas”, disse ainda.

É, portanto, com um sorriso e o sentimento de missão cumprida que Cláudia Monteiro de Aguiar se despede desta última década como eurodeputa­da, embora naquele dia ainda houvesse trabalho a fazer. E, aliás, o próximo compromiss­o na agenda já chamava por si.

Será uma saudade marcante. Esta panóplia de assuntos que tratamos diariament­e, no momento em que estão a acontecer e perceber o impacto que isto terá nas próximas gerações, vai fazer falta.

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A eurodeputa­da do PSD deu o seu passo inaugural no coração da Europa em 2014.

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