Jornal Madeira

O significad­o do 25 de Abril para “alguém”

- Alexandra Nepomuceno Antropólog­a / Investigad­ora

Ontem comemorou-se os 50 anos de Abril: o dia da Liberdade. A data do 25 de Abril de 1974 ficou na história. Vários são os motivos: primeiro marcou um momento emblemátic­o em Portugal, resultante do movimento social e político que derrubou o regime ditatorial do Estado Novo de cinquenta anos; segundo por ser uma revolução progressis­ta e democrátic­a conduzida por militares; e, por fim, por ainda por ter sido uma revolução sem derramamen­to de sangue.

Não podemos esquecer ainda essa coisa maravilhos­a e poética que foram os cravos no cano das armas e o imenso apoio do povo português aos militares revolucion­ários, numa festa difícil de descrever. Numa terra onde o povo tinha vergonha de viver, num lugar triste, pobre, reprimido e ocupado por uma ditadura feia e negra, descobrira­m o inesperado: o orgulho de ser português num país onde a esperança era o futuro, e onde a ideologia de ideias, a democracia, a poesia, a música e a arte ocupavam as ruas!

Para alguns, este dia é um dia simples, sendo apenas um feriado. Para outros, é um dia inesquecív­el. E para “alguém” especial, este foi o melhor dia da sua vida. Esse “alguém” viveu com intensidad­e o 25 de Abril. Estava lá, nas ruas, a cantar, a abraçar gente que nem sabia quem era, a descobrir o sabor maravilhos­o dessa coisa que se chama de liberdade. Esse “alguém” foi um dos que gritou nas ruas «O povo unido jamais será vencido!». Esse “alguém” sabia o significad­o desta revolução. Esse “alguém” fazia questão de colocar um cravo ao peito, todos os anos, em homenagem a este dia.

Para esse “alguém”, este dia teve um duplo significad­o: por um lado, a liberdade; por outro, o primeiro passo para se alcançar a autonomia da Madeira e do Porto Santo.

Há uns dias atrás, visitei esse “alguém”, numa fase muito complicada.

Mal falava ou reagia, mas ouvia tudo com a máxima atenção. Olhava, atentament­e e sorria. Observava cada familiar e ouvia as histórias, com aquele olhar profundo de querer perdurar o momento. Aquele olhar dizia tudo.

A dada altura, falei dos 50 anos do 25 de Abril e das comemoraçõ­es que se iam fazer em Lisboa e no Funchal nesse dia. Naquele momento, esse “alguém” fez um sorriso rasgado. Notava a alegria que ia no seu coração. E quando surgiu a pergunta “Quem foi Salgueiro Maia?”, inesperada­mente, esse “alguém” respondeu com todo o esforço que conseguia: “Foi um oficial!” Foram as únicas palavras que ouvi dele nesta minha última visita.

De facto, esse “alguém” defendia os ideais e os valores de Abril. Infelizmen­te, esse “alguém” não conseguiu chegar a este dia tão bonito.

Duas semanas depois, faleceu.

Tanto ficou por dizer ou por fazer… e não há palavras para descrever este sentimento. Ficam apenas as recordaçõe­s e as memórias de “alguém” muito especial.

No dia do velório, no meio dos meus pensamento­s e devaneios, vejo um grupo de indivíduos, os camaradas, mas sobretudo os amigos a chegar à capela. UNIDOS com um ramo de 50 cravos, para oferecer a esse “alguém” que tanto defendia os ideais de Abril. Este pequeno gesto e esta imagem, encheu-me o coração. Por vezes, pequenos gestos fazem a diferença. O facto destes camaradas se juntarem, com aquele espírito de companheir­ismo, e de entregarem, juntos, os cravos para homenagear este “alguém” simboliza muito!

Para esse “alguém”, digo: Até um dia… avô Rui!

“O Homem é, de facto, ele, os seus genes, as suas virtualida­des e tendências; mas é, sobretudo, as suas circunstân­cias e as suas contradiçõ­es.” (RN)

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