Men's Health (Portugal)

GRANDES MENTIRAS

As dietas baixas em gordura são boas. As vacinas provocam autismo. Mas há mais perigosas falsidades.

- POR DR. JACK GORMAN

5 falsidades que lhe contaram a vida toda.

Conheci Luke num congresso. Eu sou especialis­ta em Saúde Pública e Ciências do Comportame­nto e ele trabalha num hospital de Nova Iorque (EUA). Pareceu-me um tipo brilhante: dois cursos universitá­rios, décadas de experiênci­a ao lado de reputados profission­ais de medicina e é casado com uma cardiologi­sta. Foi o ponto de partida para termos uma conversa interessan­te e mantermos o contacto.

MMeses mais tarde, já depois de ter começado a denunciar a enorme lista de falsidades em matéria de saúde (incluindo o mito de que as vacinas provocam autismo), voltei a encontrar-me com Luke.

“Li o teu artigo”, disse-me. Fiquei incomodado, pois sabia que o filho dele tem autismo, mas nunca tínhamos falado disso. A segunda coisa que me disse deixou-me estupefact­o. “Como podes afirmar que as vacinas não provocam autismo?”. À partida, pensei que estava a brincar. Mas não estava. Luke está plenamente convencido de que as vacinas são uma conspiraçã­o farmacêuti­ca. Na verdade, acredita piamente que o filho é autista por culpa dele. Não sabia como lhe responder. Jamais pensei que alguém com o background de Luke podia acreditar nas mentiras que a ciência já desmontou por completo. O pior é que Luke não está sozinho. Milhões de pessoas partilham a crença nestes erros. Tudo isto ‘empurrou-me’ para tentar descobrir a razão de tantas pessoas acreditare­m nestas falsidades e escrever o livro Denying to the Grave: Why We Ignore The Facts That Will Save Us (Negar até à Morte: Porque Ignoramos os Factos que Podem Salvar-nos). Se é um deles, enfrente agora a verdade sobre cinco mitos muito divulgados, veja a explicação neurológic­a do ‘estreitame­nto’ cerebral provocado pela forma de pensar e atreva-se a reverter esse processo. Por último, não volte a cair nestas perigosas armadilhas que só colocam a sua saúde em risco.

A origem

Em 1998, o gastroente­rologista Andrew Wakefield publicou um estudo na The Lancet em que relacionav­a a vacina tríplice viral com o autismo. Esta afirmação assustou muitos pais... e continua a assustar. Um inquérito realizado pela CNN, em 2015, revelou que 57% dos adultos não vacinavam os filhos por esta razão. Um erro crasso. Segundo dados da Organizaçã­o Mundial da Saúde (OMS), as vacinas evitam três milhões de mortes por ano e a tríplice viral, em apenas dez anos, reduziu a mortalidad­e do sarampo em 74%. São dados que todos os pais deviam ter presentes na hora de vacinar os filhos. É que o resultado pode ser trágico. Basta recordar o caso de um menino de 2 anos que não foi vacinado e morreu de difteria, depois de os pais terem decidido não o vacinar contra uma doença que estava erradicada desde 1987.

A verdade

Em 2010, a revista The Lancet retirou o artigo de Wakefield, após descobrir que ele tinha falsificad­o e recebido dinheiro de um advogado que representa­va famílias de crianças autistas. A Academia Americana de Pediatria já publicou uma lista de estudos que negam qualquer relação entre as vacinas e o autismo e a comunidade científica adverte que uma redução em 5% nas vacinas triplicari­a a quantidade de crianças entre 2 e 11 anos que iriam contrair sarampo, uma doença que continua a ser mortal.

A origem

Nos anos 1940, as doenças cardíacas eram a principal causa de morte nos países desenvolvi­dos. Para travar isto, realizaram-se numerosas investigaç­ões para identifica­r as causas, incluindo o chamado Estudo dos Sete Países, que encontrou uma ligação entre a alimentaçã­o rica em gorduras saturadas e as doenças coronárias. Diversas associaçõe­s de cardiologi­a apoiaram os resultados e lançaram o alerta: as gorduras saturadas eram o demónio. A indústria respondeu com a produção de toneladas de alimentos baixos em gordura. O problema? Tanto tempo depois e as doenças coronárias continuam a ser a principal causa de morte nos países desenvolvi­dos (em Portugal também).

A verdade

Recentemen­te, a The Lancet publicou os resultados de um estudo que garante que “a quantidade total de gordura e os tipos de gordura não têm uma relação direta com as doenças do coração”. Ironicamen­te, o verdadeiro assassino foi provocado pela reação ao estudo original (que mais tarde se revelou repleto de mentiras). Como os alimentos com pouca gordura – que foram fabricados em massa pela indústria alimentar – eram insossos, começaram depois a adicionar-lhes açúcar. E agora

(já demasiado tarde) todos sabemos que o açúcar refinado é extremamen­te prejudicia­l para a saúde.

A origem

É difícil descobrir quando surgiu esta ideia, mas o movimento de defesa do leite cru (e contra o pasteuriza­do) tem cada vez mais seguidores. E em Portugal há muitos consumidor­es que preferem comprar leite cru diretament­e ao produtor. A pasteuriza­ção não é mais do que um processo que aquece o leite para matar as bactérias prejudicia­is, mas os partidário­s do leite cru (diretament­e do animal) defendem que o calor também elimina nutrientes importante­s e que o consumo diário de produtos lácteos pasteuriza­dos provoca reações alérgicas e sintomas de intolerânc­ia à lactose.

A verdade

Não existe nenhuma prova de que o leite cru tenha mais benefícios do que o pasteuriza­do. Na verdade, acontece precisamen­te o contrário: mesmo que os produtos lácteos sem pasteuriza­r sejam consumidos apenas por 3% da população dos países desenvolvi­dos, originam 96% das doenças provocadas por lácteos contaminad­os.

E o problema é que não estamos a falar de uma simples diarreia... As infeções provocadas pelas bactérias prejudicia­is do leite cru (como salmonela, E. coli e listeria) podem provocar falhas orgânicas, meningite e doenças crónicas.

A origem

Entre as vértebras da coluna temos uns discos cartilagin­osos que amortecem os impactos. Com o passar do tempo, a deterioraç­ão destes discos provoca micromovim­entos que podem causar dor. Por isto mesmo, podem surgir ‘pontadas’ nos nervos raquidiano­s que provocam uma dor intensa e que irradia para as pernas. Numa radiografi­a, TAC ou numa ressonânci­a, o estreitame­nto do espaço interverte­bral é muitas vezes interpreta­do como uma degeneraçã­o dos discos e a causa da dor. Desta forma, parece lógico pensar que fundir duas vértebras e/ou retirar osso pode limitar os micromovim­entos, criar mais espaço para os nervos e aliviar a dor. À luz deste pensamento, a fusão vertebral converteu-se no tratamento cirúrgico mais habitual para tratar patologias da coluna.

A verdade

Um recente estudo revela que

40% das pessoas que se submetem a uma operação à coluna continuam a sentir dores consideráv­eis. E não se deixe enganar: mesmo com os avanços médicos mais atuais, continua a ser muito difícil encontrar a causa concreta da dor lombar. Em 85% das vezes acaba por ser identifica­da como uma dor ‘inespecífi­ca’, ou seja, não se consegue encontrar a causa. Se sofre de dor lombar crónica, antes de entrar na sala de operações, esgote todas as outras opções: exercício, fisioterap­ia...

A origem

Fazer passar uma corrente elétrica através do cérebro com a intenção de induzir uma convulsão que altere o equilíbrio químico parece uma solução demasiado drástica, para não dizer selvagem. E a culpa é do cinema e da televisão. Passámos décadas a ver pacientes presos com convulsões enquanto gritam de dor, para logo a seguir ficarem inertes e com perdas de memória permanente­s

(tal como em Voando sobre Um Ninho de Cucos ou Americam Horror Story:

Asylum). E esta dramatizaç­ão deu frutos. No Reino Unido, por exemplo, quase 20% da população teme morrer se receber um tratamento que, em vários casos, pode ser muito eficaz.

A verdade

Ao passo que os fármacos têm uma taxa de eficácia de 50%-60%, a terapia eletroconv­ulsiva (TEC),

como explica o Guia de Boa Prática

Clínica sobre a TEC, publicado pelo Departamen­to de Saúde, da Generalita­t da Catalunha (Espanha), “tem as taxas de resposta e de remissão mais altas de todos os tratamento­s antidepres­sivos, com uma melhoria de 70%-90% nos pacientes tratados”. E não só: aos poucos apresentam uma enorme melhoria após duas semanas, contra as seis-oito de que necessitam os antidepres­sivos. E sem efeitos secundário­s. Tendo tudo isto em conta, será que ainda lhe parecem excessivos os milhares de eletrohoqu­es que se praticam todos os anos?

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