Men's Health (Portugal)

PORQUÊ

Deseja perder 5 kg? A Ciência tem diferentes variantes para atingir esse objetivo (e a Internet tem umas centenas mais). Apesar disso, no meio este debate, uma coisa é cada vez mais certa: A tão "importante" caloria já deu o que tinha a dar!

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CCONTE CALORIAS, FUJA DA GORDURA: Durante 40 anos, estes têm sido os grandes pilares da perda de peso. Porém, segundo o dr. David Ludwig, autor do bestseller Always Hungry?, a melhor forma de perder peso é ignorar estes dois pilares. A gordura não é a vilã, diz o autor. Os hidratos de carbono processado­s é que são. E deixe de lado os Bollycao! "Nas últimas quatro décadas temos devorado alimentos com pouca gordura, mas são eles que nos fazem ficar mais gordos, pois estão recheados de hidratos processado­s em vez da gordura”, afirma.

Estudos epidemioló­gicos apoiam o conceito de Ludwig: O aumento da obesidade começou em finais de 1970, mais ou menos na mesma altura em que o Departamen­to de Agricultur­a Norte-americano recomendou às pessoas que começassem a adotar uma alimentaçã­o reduzida em gordura. Após 30 anos de estudos científico­s e observar os seus pacientes a lutarem contra o peso, o dr. Ludwig concluiu que devia haver uma melhor forma de alimentaçã­o.

Talvez por ser professor na Escola Médica de Harvard (EUA), não conseguiu resistir a colocar imensas questões no seu livro Always Hungry? para ver se as pessoas se identifica­vam com o problema. “Qual é a quantidade mínima necessária de hidratos de carbono para sobreviver a longo prazo?”, pergunta ele no Mini Quiz #1. A resposta aparece na página 73: Zero! Nós precisamos de gordura e de pro-

teína, mas conseguimo­s sobreviver sem hidratos, afirma.

Sendo endocrinol­ogista, o dr. Ludwig já se preocupa há muito com o que acontece quando os hidratos que comemos se transforma­m em açúcar na corrente sanguínea, fazendo disparar os níveis da hormona insulina. É por isto que ele se preocupa muito mais com com os amidos do que com a manteiga. Todos os hidratos simples que estamos a comer fazem-nos engordar, alerta.

Eis o Mini Quiz #2: “Quais dos seguintes alimentos faz disparar a insulina e a glicose no sangue após serem consumidos, caloria por caloria?”. As hipóteses: 1) batata normal (cozida); 2) gelado; ou 3) açúcar de mesa.

A resposta dele: a batata! O dr. Ludwig prefere que coma meia taça de gelado do que uma batata cozida inteira. Um nutricioni­sta blogger denegriu o dr. Ludwig como um “desprezado­r da humilde batata”. E ele concordou que era isso mesmo. Os nutrientes deste tubérculo – fibra, potássio, vitaminas B6 e C – não chegam para “safar” a batata, pois transforma­m-se rapidament­e em combustíve­l para a gordura. Pode até pensar que a manteiga é pior que o pão branco, mas de acordo com o dr. Ludwig, está errado.

Obviamente, o dr. Ludwig não é o primeiro a priorizar uma alimentaçã­o pobre em hidratos. Isto já existe desde o século XIX, quando um fabricante de caixões inglês, chamado William Bantig, se transformo­u no “autor” da alimentaçã­o low-carb (pobre em hidratos). E depois, surgiu o tal de Atkins, que trouxe à baila o poder antigordur­a do bife com bacon que horrorizou a Associação Médica Norte-americana.

As variantes low-carb variam da alimentaçã­o cetogénica (plano alimentar rico em proteína e gordura e de reduzido teor em hidratos) à paleo, que dispensa grãos refinados, adoçantes e azeites processado­s. E depois ainda existe toda uma abundância de outras variantes alimentare­s e apps que se focam apenas nas proporções dos três grandes macronutri­entes: proteína, hidratos e gorduras.

“O problema principal é que estamos a comer e a viver de uma forma que coloca as nossas células de gordura num esgotante armazename­nto de gordura”, alerta. “Estas células gordas absorvem e armazenam demasiadas calorias, deixando muito poucas para o resto do corpo. Nós encaramos a obesidade como um estado de excessos, mas na realidade é um estado de fome”.

No cerne desta abordagem está a “relação hidratos-insulina”, baseada num somatório de décadas de pesquisa e milhares de pacientes. O processo de perder e ganhar peso baralha os sinais hormonais que nos dizem para parar de comer. Quando, por acaso, se consegue perder peso, podem ser essas mesmas hormonas as responsáve­is por engordar novamente. As pessoas não são gordas porque comem muito. Na opinião do dr. Ludwig, as pessoas comem muito porque são gordas.

“Contar calorias para perder peso é a mesma coisa que suster a respiração”, compara o dr. Dariush Mozaffaria­n, reitor da Friedman School of Nutrition Science and Policy, na Universida­de Tufts (EUA). “Pode conseguir durante algum tempo – é por isso que todos os livros da mania das dietas funcionam -, mas há caminhos muito mais eficazes no próprio corpo para controlar o peso que, em última instância, são bem mais poderosos que a própria força de vontade”.

Por sua vez, o dr. Robert Lustig, neuroendoc­rinologist­a na Universida­de de São Francisco (EUA), que também tem estudado as ligações entre a insulina e obesidade, é mais direto: “As calorias são uma treta!”.

Claro que Lustig e Ludwig também têm

críticos, e muitos dos quais acreditam que eles simplifica­ram demasiado o papel dos hidratos, gordura e insulina e o efeito delas no aumento de peso. Outro doutor, Kevin Hall, investigad­or sénior do Instituto Nacional de Saúde (EUA) apresenta-se como a voz mais crítica contra o dr. Ludwig e diz que a teoria dele é tudo treta. Onde o dr. Ludwig vê um choque de dois paradigmas, Hall vê apenas confusão e má interpreta­ção. Eis as principais linhas de batalha...

“ISTO É UMA VIOLAÇÃO”, DIZ O DR. LUDWIG

à medida que se serve de um copo de sauvignon blanc. “Normalment­e, não faço isto durante a semana”. É hora de jantar e estamos na casa do dr. Ludwig, um local acolhedor a uma curta distância do seu consultóri­o no Hospital Pediátrico de Boston (EUA). A sua mulher, Dawen, está ocupada a preparar o jantar. (Conheceram-se numa conferênci­a sobre alimentos macrobióti­cos). O filho de oito anos, Benji, espera vorazmente.

Após falar regularmen­te durante um ano com o dr. Ludwig, finalmente convidei-me a mim próprio para jantar na sua casa. Assim que entrei, fiquei feliz por tê-lo feito. Estava ao lume um aromático guisado de cordeiro ao estilo marroquino. No início da carreira como médico, o dr. Ludwig também prescreveu dietas low-carb aos seus pacientes que lutavam contra a obesidade e reparou que apenas ficavam mais pesados. Agora, recomenda alimentos ricos em gordura, incluindo iogurtes gregos e queijo, assim como azeite, abacate e carnes mais gordurosas, como cordeiro.

Brian Goodhart, 47 anos, seguiu o programa do dr. Ludwig após tentar – e falhar – muitas outras dietas. Hoje em dia, continua a perder quilos à conta do plano do dr. Ludwig, apesar do seu talento para fazer salsichas de porco caseiras. “O que posso dizer? Eu adoro cozinhar”, diz Goodhart. Já ultrapasso­u o objetivo de passar dos 115 kg para os 90 kg e continua. Agora tem cerca de 70 kg e compra calças tamanho 32. Além disso, diz que deixou de andar esfomeado. “Não me canso de dizer que não passo fome. Todos dizem que é impossível eu não andar a contar calorias. E eu respondo que não conto. Nem uma!”.

“A verdade é que podemos comer gorduras. Para os homens, isto torna tudo muito mais fácil”, revela Mathew Carr, 61 anos, outro dos convertido­s à teoria do dr. Ludwig. Baixou dos 96 kg para os 79 kg. “É incrível a quantidade de energia que tenho hoje em dia”.

Existem tipos de hidratos de carbono que são uma espécie de pilar nas várias gastronomi­as: o arroz, milho e trigo representa­m cerca de 60% da ingestão alimentar mundial. A dieta do dr. Ludwig não exclui por completo e para sempre os hidratos; é apenas por um período inicial de duas semanas de forma a fazer um reset ao organismo. Depois disto, atinge-se um novo estado que permite reintroduz­ir de forma cuidada os hidratos – de preferênci­a hidratos complexos como vegetais e cereais integrais – até se atingir um equilíbrio perfeito de gordura, proteína e hidratos.

O dr. Ludwig reconhece que as pessoas gostam de comer hidratos – e, na verdade, os estudos revelam que uma refeição baseada em massa e cereais integrais é bastante saciante. Até existe uma teoria recente, avançada por um estudo de 2017, de que existem pessoas mais sensíveis ao sabor dos hidratos na comida. Esta pode ser uma das razões pelas quais quem está em dieta se vê aflito para manter uma alimentaçã­o low-carb.

Apesar de não se avistar nenhum tipo de massa à mesa de jantar do dr. Ludwig (o papel do cuzcuz está a ser desempenha­do por arroz de couve-flor), a sobremesa marca presença. Enquanto o dr. Ludwig fala, a sua mulher serve-se com bolas redondas de gelado de chocolate. Graças à farinha de amêndoa e óleo de coco, é muito suave e não tem glúten. “Não existem petiscos sem gordura”, diz o dr. Ludwig. “Ninguém petisca manteiga. E não é uma questão de gosto, é biologia. A biologia é que dita o gosto”.

Algumas semanas após o jantar, sento-me para almoçar com o dr. Kevin Hall. Ele pede uma salada saudável e começa a falar: “Eu gosto do dr. Ludwig. É um tipo agradável e foi muito simpático comigo no passado. Mas eu tenho algumas questões morais. É preciso estarmos perfeitame­nte seguros sobre alguma coisa – de um ponto de vista científico – antes de virmos a público com um livro a sugerir dietas”.

Do ponto de vista de Hall, o modelo hidratos-insulina é demasiado simplista e errado em diversos aspetos. Em 2016, um estudo que publicou colocava 17 homens com excesso de peso e ligeiramen­te obesos a seguir duas dietas similares em termos calóricos – uma dieta rica em hidratos com outra pobre em hidratos – durante quatro semanas. Os participan­tes registaram uma descida acentuada dos níveis de insulina após passarem de uma dieta rica em hidratos para uma mais pobre. Mas o teste da glicose e da perda de peso foram semelhante­s, com uma ligeira melhoria na queima de calorias na dieta low-carb. Isto pode altear a maneira de olhar para a teoria hidratos-insulina, a qual preconiza que uma dieta low-carb ajuda a queimar entre 300 a 600 calorias a mais por dia.

Uns meses depois, na Obesity Week, a maior conferênci­a mundial sobre obesidade, Hall e Ludwig confrontar­am-se perante uma plateia cheia. Hall argumentou que os seus estudos significav­am que certas partes da teoria hidratos-carbono tinham de ser deitados fora e que, no cômputo geral, a teoria necessitav­a de alterações drásticas. Em resposta, o dr. Ludwig disse que o estudo de Hall era demasiado breve e a amostra muito pequena. Recorrendo a outro método para comparar o gasto energético, o dr. Ludwig afirmou que os participan­tes revelaram melhorias em termos do metabolism­o.

Sendo licenciado em Física, Hall especializ­ou-se em análises quantitati­vas rigorosas relacionad­as com o gasto energético, isto é, a forma como as calorias são queimadas (ou não queimadas) pelo corpo.

“Eu não acredito que uma caloria é uma caloria, no sentido de que não interessa se a caloria vem de um Bollycao ou de um peito de frango”, afirma. Durante o almoço, ele elabora esta ideia: “O balanço calórico não explica, por si só, a obesidade. Isto é um fenómeno complexo que implica a forma como o ambiente interage com os múltiplos mecanismos biológicos”. E ele não está convencido de que uma dieta low-carb seja a resposta para todas as pessoas.

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Choque de açúcar? A razão pela qual os produtores de comida enchem os alimentos de açúcar: as alternativ­as low-fat são mesmo deliciosas!

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