Men's Health (Portugal)

Rich Froning : entrevista exclusiva à lenda do crossfit.

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APESAR DE SER , indiscutiv­elmente, o maior atleta da história dos CrossFit Games, o tetracampe­ão Rich Froning mantém sempre a calma em qualquer situação.

É uma qualidade que enfurece os adversário­s, mas que faz os patrocinad­ores e os colegas de equipa venerá-lo. Afinal de contas, passar dez anos a levantar halteres acabou por ser a preparação ideal para carregar nos próprios ombros todo o peso de uma modalidade como o CrossFit.

Assim que entramos no CrossFit Torian, o famoso ginásio em Brisbane (Austrália), não é o múltiplo campeão de CrossFit Games, Rich Froning, quem nos chama a atenção. Bem, é e não é. O nosso olhar é imediatame­nte atraído para um mural de 2,5 metros de altura com o rosto de Froning, uma impression­ante homenagem a um dos pioneiros deste desporto e uma imagem tremendame­nte adequada para representa­r uma das principais boxes de CrossFit deste país.

“Não sei por que escolheram esta imagem com um ar tão zangado”, constata Froning. Logo ele, um homem tão descontraí­do. Existem apenas dois murais na parede de Torian. O rosto de Froning e a heroína local do CrossFit, Tia Toomey. Mas sejamos sinceros: não é de surpreende­r que o rosto de Froning enfeite a parede de uma box do outro lado do mundo do seu país natal, o Tennessee (EUA). Sem ele, o CrossFit não seria o culto que é hoje em dia.

Atualmente, o termo GOAT (Greatest of All Time) é dito muito facilmente e, num desporto tão recente como o CrossFit, é demasiado arriscado elogiar um atleta acima de todos os outros. Mas, dadas as incríveis exigências físicas deste desporto ‘rei do fitness’, talvez uma exceção mereça ser feita. Afinal, é preciso um homem abençoado com uma determinaç­ão singular e uma capacidade única de treinar no duro para alcançar os recordes estonteant­es que Froning conquistou.

No mundo inteiro, o CrossFit tem sido o desporto que mais cresceu nos últimos dez anos, criando comu

de culto em todo o mundo e transforma­ndo atletas em estrelas mundiais. “Eu estava apenas a fazer o meu trabalho e só queria competir”, diz Froning calmamente enquanto ‘aquece’ com snatches com 100 kg. Esta atitude humilde subestima seriamente a sua posição de atleta mais versátil que o mundo conhece. Mas isso talvez nem seja surpresa – o seu compromiss­o com a humildade está literalmen­te tatuado no próprio corpo. “Que nunca me glorifique, a não ser na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo”, Gálatas 6:14, o versículo da Bíblia inscrito no corpo, muitas vezes escondido sob os gigantesco­s bicípites. Por mais humilde que possa ser, a verdade é que existe apenas outro homem tão bom no CrossFit como Froning. O seu nome? Mat Fraser. Embora a luta entre Froning e Fraser permaneça instável (em 2019, Fraser igualou o recorde de quatro vitórias consecutiv­as nos

The Games), ninguém pode argumentar contra o perfil e prestígio que Froning angariou para a modalidade nos seus anos de formação, mesmo que não o tenha percebido na altura.

E talvez seja esta ambivalênc­ia sobre a própria influência que realmente define Froning. Este é um homem no auge da sua forma, que responde às perguntas enquanto faz muscle-ups, tira selfies com os fãs e mantém os patrões da Reebok interessad­os.

E é isto que esperamos de um campeão do fitness. Está sempre a treinar. É que, para Froning, ser o homem mais fit do planeta é o seu estilo de vida.

MH: Vamos voltar ao início. O que o atraiu no CrossFit?

RF: Crescer a praticar desporto diz muito sobre mim e como sou competitiv­o. Sou um de 32 primos em primeiro grau do lado da minha mãe. Somos 25 meninos e as meninas são tão competitiv­as como nós. Assim, na minha vida inteira houve sempre algum tipo de competição. Depois da faculdade, fui bombeiro e comecei a sentir falta da componente competitiv­a. Até que descobri o CrossFit. Honestamen­te, eu gostava mesmo era de treinar. A minha escolarida­de estava relacionad­a com Ciências do Desporto e nem sabia que havia uma competição de CrossFit um mês depois. Dei por mim a pensar: ‘OK, tudo bem, vamos ver como corre’. Como se costuma dizer, o resto é história.

MH: Por que acha que o CrossFit tem uma comunidade de ‘culto’ maior do que a dos outros desportos?

RF: Bem, a parte boa é que já estive em todo o mundo em diferentes boxes de CrossFit e até podemos falar idiomas diferentes, mas é uma comunidade mesmo. E isto atrai o mesmo tipo de pessoas. É uma comunidade supersolid­ária. E penso que está relacionad­o com todo este ‘sofrimento’ partilhado. Sabemos que estamos a fazer um treino igual para todos e que estamos todos a sofrer juntos. As pessoas podem não ser capazes de fazer exatamente os mesmos movimentos, mas podem fazer um tipo de treino semelhante e, só por isso, sentem-se mais ligados. Em casa, até pode jogar futebol e divernidad­es

tir-se no quintal, mas não pode definir um treino e testar-se contra os verdadeiro­s profission­ais. Com o CrossFit, pode fazer um treino realmente igual ao nosso e ver como se sai em comparação connosco. E isto oferece sempre um maior elo de ligação. Dá para perceber o que nós passamos como atletas de primeira linha. E nós, como atletas de primeira linha, também conhecemos como é a sensação de alguém que acaba de entrar numa box. É tudo muito bom.

MH: Não esconde a sua fé. Como é que isso se encaixa no CrossFit?

RF: A minha fé é uma grande parte de quem eu sou e explica por que faço o que faço. Sinto que os talentos que me foram dados são o meu caminho para glorificar Deus. Não quero dizer que é Deus que me faz vencer ou algo assim. Mas isto ajuda-me na minha profissão atlética. Porque eu sei que vou ficar bem, aconteça o que acontecer. É a minha fé em Cristo que define quem eu sou, não é o meu lugar no pódio ou até se chego ao pódio.

MH: A estrutura da competição sofreu mudanças recentes [calendário­s controvers­os eliminaram determinad­os eventos], mas, durante a sua carreira no CrossFit, quais foram as maiores mudanças a que assistiu?

RF: Esta foi a maior mudança. Quando comecei, havia coisas chamadas Sectionals. Agora são os Sanctional­s, que são semelhante­s ao modelo Sectionals que alimentava as Regionais antes do Open. Eu acredito que as

Esta é uma das principais premissas do CrossFit: “Experiment­e e teste a sua condição física”

mudanças são boas para os atletas. Garantem mais oportunida­des para competir. Se se qualificar, mas ainda assim quiser ganhar algum dinheiro, pode participar num desses Sanctional­s ou pedir a alguns patrocinad­ores para pagarem a sua participaç­ão. É mais uma forma de ganhar dinheiro e alcançar maior notoriedad­e. Já se sabe, os atletas também precisam de dinheiro para poderem ser atletas. No entanto, acho que é preciso existir algum tipo de padronizaç­ão, não em termos dos exercícios, mas para verificar como esses exercícios são realizados, pois é necessário haver uma medida standard ou deixa de ser justo. É que assim dá para alterar quem ganha um evento, quer seja através da programaçã­o ou até na categoria de equipas. É preciso haver um certo tipo de padronizaç­ão.

MH: Vê a nova estrutura a ter um impacto nos eventos que estão a ocorrer nas competiçõe­s?

RF: Acho que não. Acho que, enquanto for Dave [Castro] a programar os The Games, vamos continuar a ter provas equilibrad­as e bem estruturad­as.

MH: Em 2019, houve uma grande ênfase em termos de parcerias. Especialme­nte com as marcas que apoiam os atletas. Agora até existem equipament­os desenhados especifica­mente pelos atletas. Quão importante é o input dos atletas

no equipament­o que usam?

RF: É enorme. A Reebok e a Rogue são alguns dos meus patrocinad­ores mais antigos e ambos têm um impacto direto nos CrossFit Games, porque usamos equipament­os da Rogue e vestimos roupas e sapatos da Reebok. A Rogue é uma empresa de CrossFit desde o primeiro dia e cresceu como nós crescemos. Com a Reebok, foi muito bom vê-los aceitar os nossos inputs e contribuiç­ão como atletas. Eles vêm até nós com algum produto novo e dizemos ‘não’. E eles ficam ‘OK, tudo bem’. E refazem tudo de novo. Mas as coisas são simples: se o produto novo não for bom para competir, também não o podemos usar.

MH: Qual foi a coisa mais estranha que já viu nos Jogos CrossFit?

RF: Há muitas coisas que fazemos e ficamos a pensar: ‘Uau, isto foi interessan­te’. Como já tinha jogado basebol, para mim o exercício de softbol [nos CrossFit Games de 2011] até foi bom. Estava perfeitame­nte à vontade com isso. Mas depois olhamos para algo como o pino com obstáculos. Todos os anos, sinto que há algo novo que é adicionado. Isto é um teste para os atletas, pois obriga-nos estar preparados para qualquer coisa. É preciso aprender e praticar novos desportos. Esta é uma das principais premissas do CrossFit: ‘Experiment­e e teste a sua condição física’.

MH: Como é que a sua abordagem ao fitness mudou ao longo da carreira?

RF: Definitiva­mente evoluiu. Porque todos os anos há coisas novas, graças às várias exigências do desporto. Tem sido uma experiênci­a de aprendizag­em ao longo dos anos e hoje vejo essa diferença. Sinto que o mundo está a fazer algo semelhante nos treinos, pois aprenderam com o que nós - que estivemos lá no início – fizemos. Faço isto há 10-11 anos e a verdade é que ainda gosto de tentar entender o porquê das coisas.

MH: Com a pressão do tempo, o que prioriza no treino?

RF: Tento não priorizar nada.

Tento ser o mais completo possível. Geralmente, as minhas fraquezas prendem-se com coisas como a resistênci­a, por isso é nisso que me concentro mais. Eu tento entrar, aquecer, movimentar-me, talvez incluir alguns exercícios de resistênci­a no aqueciment­o, e depois partir para o treino. Especialme­nte com três filhos, esta tem sido a parte divertida.

MH: É famoso pela sua alimentaçã­o à base de leite com chocolate. Mudou a sua abordagem à dieta?

RF: No último ano, também experiment­ei o jejum intermiten­te. Adoro.

Faço o 16-8 e sinto-me ótimo. Já fiz várias análises ao sangue e está tudo muito bem. Também foi perfeito para a minha agenda. O meu grande problema era que comia de manhã, estava ocupado o dia todo e depois só comia à noite. Agora, começo a treinar por volta das 9h30 até às 12h30-13h e depois das 15h30 às 17h30. Começo a comer às 13h e depois tento comer uma ou duas vezes ou beber um batido ou dois dentro dessa janela de duas-três horas entre treinos. Essa foi a grande mudança. Antes sentia-me esgotado para fazer o segundo treino do dia, mas agora sinto-me bem.

MH: Qual o segredo para a sua longevidad­e no CrossFit? É a alimentaçã­o?

RF: Acho que a genética é uma das grandes responsáve­is. Mas também tento cuidar do corpo, especialme­nte nos últimos dois anos, à medida que envelheci. Agora também faço algum trabalho corporal, uma vez por semana, em vez de ficar à espera até que as coisas piorem ao ponto de arriscar uma lesão.

MH: E que tipo de trabalho corporal é que está a fazer?

RF: Trabalho com um quiropráti­co que recorre a vários tipos de terapias manuais e alguma acupuntura. Como já disse, o segredo é fazer isto regularmen­te, em vez de ficar à esperar de que apareçam as lesões.

MH: Agora está a competir em equipas, em vez de individual. Quais as diferenças?

RF: É muito mais divertido. É muito bom poder partilhar isto com outras pessoas. Eu sei que andam todos a dizer: ‘Devias voltar como individual’. Mas isso já me passou. Não é algo que queira fazer agora [competir como individual], era divertido na altura. Mas é superstres­sante e passou de moda. Ser capaz de treinar com a equipa um dia atrás do outro e ver o sacrifício que eles fazem todos os dias para se esforçarem ainda mais na box é incrível. Cresci como um atleta de desportos de equipa. Joguei basebol, futebol americano. Pertenci sempre a alguma equipa, por isso competir como individual durante tantos anos não me fazia feliz. Mas é óbvio que me diverti.

MH: Com tudo o que conquistou até agora, quais são os próximos objetivos?

RF: Isto é como no Natal, quando somos crianças, e a excitação vai aumentando até à noite de Natal. Depois das prendas abertas e da excitação ficamos a pensar: ‘Uau, isto foi incrível’. Mas na manhã seguinte é do género: ‘Oh, agora o Natal é só daqui a 364 dias’. E é assim para nós com os The Games. Assim que acabam, a meta para o próximo ano é vencer os CrossFit Games. Quero continuar a competir enquanto estiver saudável. Não quero ser um fardo para a minha equipa ou para a minha família. E ainda gosto do que estou a fazer. Todos os anos, o meu objetivo é vencer os CrossFit Games. Tão simples como isso.

MH: Com três filhos, como equilibra a vida familiar com as rotinas de um atleta profission­al?

RF: É difícil. Há dias em que até faço um bom trabalho e outros que correm muito mal. Assim sendo, tento não ficar muito entusiasma­do quando sinto que fiz um bom trabalho, nem me vou abaixo quando as coisas correm mal. Passo muito mais tempo com os meus filhos do que a maioria dos pais com empregos das 9h às

17h. Desde que eles possam e queiram, posso levar os meus filhos para qualquer lado. Felizmente, na nossa casa, temos um ginásio no celeiro que está apenas a 137 metros e as crian

“Todos os anos, o meu objetivo é vencer os CrossFit Games. Tão simples como isso”

ças podem ir e vir. Eles adoram brincar nas argolas e balançar na barra. E é muito giro ver as coisas que eles aprendem. Isto dá-lhes um pouco de motivação extra, porque eu nunca lhes disse: ‘Ei, vamos fazer um treino’. Mas agora são eles que querem brincar, treinar e fazer parte disto.

Às vezes, faço flexões de cabeça para baixo e dou por mim a olhar para o meu filho a querer brincar nas argolas. E ele tem apenas dois anos. A minha filha mais velha tem uma barra só dela e começa logo a treinar. É giro ver as coisas acontecer de forma tão natural. E eu estou apenas a fazer o meu trabalho. Mas eles não veem isto assim. Eles veem isto como um pouco de motivação.

E isto é muito revelador e também muito assustador. Dou por mim a pensar que estas coisas não fui eu que lhes ensinei. Eles viram e imitam. E será que há coisas estúpidas que eu faço e que eles aprendem? É incrível, mas também é um trabalho difícil.

MH: Acredita que essa pressão para ser um bom exemplo para a sua família se transporta para a comunidade do CrossFit?

RF: No começo, não pensava nisso. Agora, à medida que envelheço, reflito um pouco mais. Começo a pensar: ‘Tudo bem, que tipo de impacto estou a ter?’. Quando chego aos eventos e há fotografia­s e as pessoas querem estar comigo, tento aproveitar o máximo de tempo possível, mas sem que isso afete o meu lado de atleta profission­al. É que eles são a razão de eu fazer o que faço e viver disso. Então, é importante retribuir nestas situações. Desde que não esteja a meio de um treino, para mim está tudo bem. Agora, até já costumo brincar: ‘Um dia, já ninguém vai querer tirar uma foto comigo. O melhor é aproveitar agora enquanto querem’.

MH: As pessoas estão cada vez mais mais fortes e fit. Para si, onde está o limite do desempenho humano?

RF: Boa pergunta. Tenho a certeza de que existe um nível superior. Isto acontece na maioria dos desportos. Mas no CrossFit é mais do género ‘onde está o equilíbrio?’ Claro que vão existir pessoas cada vez mais fortes, mas serão capazes de correr? As pessoas podem ficar super-rápidas, mas as repetições em termos de força podem diminuir. Não sei responder. Acho que vamos continuar a ver as pessoas a evoluir. Sempre que alguém consegue atingir algo diferente, há logo um patamar novo para ser alcançado. E é isto que motiva as pessoas para continuare­m a treinar e serem melhores.

 ??  ?? Face off: Froning olha para o seu alter ego zangado
Face off: Froning olha para o seu alter ego zangado
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 ??  ?? Jogador de equipa: Froning mantém a humildade apesar das conquistas
Jogador de equipa: Froning mantém a humildade apesar das conquistas
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 ??  ?? Figura de culto: Froning tem a admiração e respeito da comunidade de CrossFit
Figura de culto: Froning tem a admiração e respeito da comunidade de CrossFit
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 ??  ?? Motivação: para Froning, os Crossfit Games são como o Natal
Motivação: para Froning, os Crossfit Games são como o Natal
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 ??  ?? Olhos no prémio: Froning acredita que o CrossFit vai continuar a desafiar os limites
Olhos no prémio: Froning acredita que o CrossFit vai continuar a desafiar os limites
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