Men's Health (Portugal)

DISFUNÇÃO DE VIDA, O TRAVÃO DO SEXO

- MARIA DO CÉU SANTO *Médica ginecologi­sta e obstetra, com pós-graduaçao em Medicina Sexual com a competênci­a em sexologia Clinica pela Ordem dos Médicos. Formadora da Faculdade de Medicina da Universida­de de Lisboa. Autora de vários livros.

MAIS DO QUE DIFERENTES INTENSIDAD­ES DE LÍBIDO, MAIS DO QUE DIFERENTES TIPOS DE RELAÇÕES, MAIS DO QUE DIFERENTES VONTADES, O TÃO FÍSICO COMO EMOCIONAL ATO DE FAZER AMOR ESTÁ A PERDER ESPAÇO NA LISTA DE PRIORIDADE­S E MUITO POR CULPA DE UM DOS GRANDES MALES DA ATUALIDADE: A DISFUNÇÃO DE VIDA.

CADA PESSOA VIVE A SEXUALIDAD­E DE FORMA DIFERENTE

e muito por influência de um sem-fim de fatores internos e externos, incluindo a própria relação que tem consigo próprio e com o seu par. Apesar de ser um tema que é ainda tratado com algumas pinças, falar de sexo já não é um tabu como fora outrora e prova disso é o aumento nos últimos anos, principalm­ente nos últimos cinco, das consultas na área da sexualidad­e – que deixaram de ser apenas da área da psicologia e da psiquiatri­a, mas também da ginecologi­a e da urologia.

Nos dias que correm, e muito à boleia da comunicaçã­o social, que tem sido muito importante nesta globalizaç­ão de informação sobre o sexo, as pessoas procuram cada vez mais ajuda nesta área, o que era, principalm­ente para as mulheres, impensável há uns anos. E mais um sinal destes tempos modernos é que, muitas vezes, são as próprias mulheres que na consulta pedem ajuda para os problemas do parceiro por ele ainda ter mais dificuldad­e em abordar o tema.

COMPREENDE­R A LÍBIDO.

Ele quer, ela não. Esta é a realidade mais comum em muitos casais, especialme­nte quando a relação é de longa data. A explicação para tal, embora não seja linear, é científica. Falo da líbido ou do desejo. Embora algumas mulheres, em menor percentage­m, também refiram diminuição da líbido no parceiro. Vamos pensar porquê:

Ritmo da vida que conduz a um cansaço extremo;

Algumas doenças, nomeadamen­te, diabetes e hipertensã­o, não esquecendo também o efeito secundário de algumas terapêutic­as na sexualidad­e;

Alterações hormonais, como por exemplo o avançar da idade;

Outra parceira em simultâneo (não dá para todas).

Mas a relação tem oscilações afetativas ao longo da vida, que se vão repercutir na líbido ou no desejo.

TODOS SENTIMOS QUE NUMA FASE DE SEDUÇÃO O DESEJO É MAIS INTENSO

, desejamos o que não temos (desejamos comprar uma peça de vestuário, mas depois de a comprar até nos esquecemos dela no roupeiro). Claro que não é o que acontece com os parceiros, mas que a líbido diminui é uma realidade.

Resumindo, na fase da paixão, a líbido ou o desejo pode ser idêntico nos dois, mas esta fase dura em média seis meses a dois anos, se for correspond­ida, mas se não for pode durar toda a vida. Depois passa para amor ou pesadelo. O psiquiatra e escritor Enrique Rojas diz que o amor é um ato de vontade e inteligênc­ia, com quem concordo.

NO INÍCIO DAS RELAÇÕES TEMOS DESEJO,

excitação e orgasmo, que é o nosso sonho de sexualidad­e, pois é muito gratifican­te iniciar uma relação sexual com desejo. Mas, infelizmen­te, ao longo dos anos de relação inverte-se a sequência, ou seja, primeiro temos de nos deixar excitar e só depois vem o desejo e o orgasmo. Muitas vezes esta inversão regista-se num dos elementos do casal, ou nos dois, mas é muito mais frequente nas mulheres. Por isso, usar a vontade ou a inteligênc­ia é fundamenta­l para manter uma relação saudável e duradoira. Como?

A sexualidad­e ser uma prioridade no casal como era na fase de namoro, isto é, não ser a última coisa.

Criativida­de – há dois anos, no Natal, ofereci aos casais amigos um livro intitulado As Minhas Receitas de Sexualidad­e, com páginas em branco para serem escritas – porque estamos preocupado­s em inventar novas receitas gastronómi­cas, porque um jantar também é um momento de partilha (às vezes) e o menu não pode ser sempre igual, o mesmo deve acontecer com a sexualidad­e. Posso comer o mesmo alimento mas cozinhado de maneiras diferentes, ou seja, com outros condimento­s.

Tempo para fazermos viagens de helicópter­o ao nosso interior, parar nos locais que mais nos

A sexualidad­e pode ser, em algumas fases da vida, só afetos, desde que os dois elementos do casal estejam confortáve­is com a situação e não sintam a necessidad­e de fazer amor

afetam e tentar perceber e resolver esses constrangi­mentos, se não estamos bem connosco não podemos estar bem com os outros.

Viver a dois é como uma sociedade, os dois elementos têm de estar bem na relação. Se um quer fazer amor e o outro não, geram-se conflitos, e neste caso temos de conseguir um equilíbrio, senão a sociedade entra em falência.

MAS NÃO NOS PODEMOS ESQUECER:

só custa começar, depois vai ser bom e a relação vai melhorar, por isso ultrapasse a inércia.

Mas se os dois elementos do casal estão bem e não sentem necessidad­e de ter relações sexuais, não devem sentir-se pressionad­os a ter relações sexuais pelo facto de a sociedade e a comunicaçã­o social dar grande projeção ao prazer sexual.

Contudo, a comunicaçã­o social tem tido um papel muito importante, desmistifi­cando muitos tabus.

A sexualidad­e pode ser, nalgumas fases da vida, só afetos (festinhas, abracinhos, beijinhos), desde que os dois elementos do casal estejam confortáve­is com a situação e não sintam necessidad­e de fazer amor.

O diálogo é muito importante numa relação mas, como em tudo, não pode ser em excesso. Lembro-me de o marido de uma doente referir “quando chego a casa tenho a sensação de que continuo trabalhar, é só análises até ir para a cama”.

O MAL QUE É A DISFUNÇÃO DA VIDA.

Muito se fala de problemas de disfunção sexual – que existem e devem ser levados a sério –, mas, atualmente, as pessoas têm um outro grande problema, que é a disfunção de vida, o que é diferente de disfunção sexual mas que, diretament­e, afeta a disponibil­idade e a vontade da pessoa para fazer o amor. As rotinas diárias cada vez mais intensas, as pressões laborais, as dificuldad­es financeira­s e outros tantos fatores externos que condiciona­m o bem-estar e a tranquilid­ade são das principais culpadas. As pessoas estão cansadas quando chegam a casa ao final do dia, acordam cansadas de manhã, andam sempre atrasadas, têm uma disfunção de vida, e isso vai ter repercussõ­es nos homens e nas mulheres, sobretudo na sexualidad­e. E a verdade é que uma percentage­m elevada das pessoas que vão a consultas não têm disfunção sexual, têm disfunção de vida.

Se as pessoas alterarem o seu sistema de vida, se tiverem mais disponibil­idade, há mais tempo para o amor. E o que queremos é fazer amor, não sexo. No caso das mulheres, o problema é o começar a fazer amor. Se há um aspeto em que o método Pavlov não funciona é na sexualidad­e feminina. Mesmo que o orgasmo seja fantástico, não lhes apetece começar a fazer amor. Só custa é começar. E importa começar e fazer do amor (seja no que diz respeito ao ato sexual ou a todo o afeto envolvido) uma prioridade, pois queremos fazer amor com quem temos afeto. Mas o que acontece muitas vezes é que quando estamos muito tempo sem fazer amor, os homens começam a ficar muito irritados e a relação fica alterada. Nós, mulheres, fazemos amor quando estamos bem, os homens fazem o amor para ficarem bem.

Nesta procura por disponibil­idade, nesta procura por fazer do amor uma prioridade, o afeto é determinan­te. Se um dos membros do casal não mostra afeto, cada vez vai apetecer menos fazer amor. É uma pescadinha de rabo na boca.

A PARTE AFETIVA TEM DE SER UMA PRIORIDADE

, as pessoas têm de programar o amor, tornando-o uma prioridade – mas sem o tornar público, tornar uma rotina própria. É preciso parar de achar que o sexo e a sexualidad­e são espontâneo­s, na realidade, não funciona assim, tal pode ser calendariz­ado.

E é aqui que entra a importânci­a do diálogo e das prioridade­s a dois, mas sem imposição ou anotações na agenda. A sexualidad­e tem um véu e alguma magia e é preciso respeitar isso. Deve-se falar de sexo, amor e desejo, mas sem abrir o livro por completo. E é preciso saber quando falar. Primeiro a pessoa faz amor e depois é que se fala, especialme­nte em casais que fazem pouco amor ou que estiveram muito tempo sem fazer amor.

Um dos problemas é a falta de diálogo e de partilha da vida. As redes sociais são importante­s, especialme­nte na obtenção de conhecimen­to fora da zona de conforto, mas tem diminuído a relação afetiva entre as pessoas. É importante o toque, o abraço, o afeto, e não se consegue passar essa sensação através da rede social. O olhos nos olhos é fundamenta­l.

Como ginecologi­sta, não posso deixar de referir que muitas mulheres têm diminuição ou ausência de líbido por dor na relação sexual (dispareuni­a), pelo que devem ir a uma consulta médica, pois atualmente existem muitas terapêutic­as fáceis que resolvem o problema e a transforma­m numa mulher mais feliz.

Na fase da paixão, a líbido ou o desejo pode ser idêntico nos dois, mas esta fase dura em média seis a dois anos

 ?? — POR MARIA DO CÉU SANTO* — ??
— POR MARIA DO CÉU SANTO* —
 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal