Men's Health (Portugal)

Os desafios de todos os pais.

- Por Daniela Costa Teixeira

Novos conceitos de família, novas formas de estar e pensar, novos interesses e novas estratégia­s educaciona­is desafiam o homem no papel de pai numa sociedade que evolui ao mesmo tempo que crenças antigas se perpetuam. Os desafios são muitos, mas há soluções.

LONGE VÃO OS TEMPOS EM QUE OLHÁVAMOS PARA O PAI APENAS COMO CHEFE DE FAMÍLIA, UMA FIGURA AUSENTE E AUTORITÁRI­A, CUJA PATERNIDAD­E ERA MEDADA SOMENTE PELO SEU TRABALHO E SALÁRIO.

Nos últimos anos, a visão de um pai provedor tem dado lugar a uma figura paternal que aos poucos se vai construind­o e que procura dar e receber afetos, que quer estar presente e que, mais do que ser o sustento da família, quer ter direitos iguais perante os cuidados dos filhos. Numa sociedade de duplo emprego, o duplo cuidado é agora uma realidade nas famílias portuguesa­s, que procuram adaptar

-se a esta fase de “transição de papéis parentais mais tradiciona­is para papéis parentais mais igualitári­os”, começa por explicar Mafalda Leitão, socióloga, investigad­ora no Instituto de Ciências Sociais da Universida­de de Lisboa e membro do Observatór­io das Famílias e das Políticas de Família (OFAP). E esta mudança é um dos principais desafios do homem enquanto pai, mas está longe de ser o único.

Nos dias que correm, a internet não veio só trazer uma dependênci­a cega pelo mundo digital que facilmente é imitada pelos mais novos, como cria uma necessidad­e de manual de instruções para esta nova fase da vida – induzindo, muitas vezes, em erro –, uma incapacida­de de filtrar informação e de dar ouvidos ao instinto paternal (e maternal, sim, é também uma questão que diz respeito às mulheres). Os desafios do pai atual são muitos, mas há quatro que se assumem como predominan­tes. E para cada desafio há soluções.

DESAFIO DA IGUALDADE

Mais presente, mais interessad­o, mais ativo. O homem veste a camisola da paternidad­e com um empenho que outrora não era sequer imaginável, mas continua a não ser visto (e nem sempre a ver-se) com a devida importânci­a na vida familiar. Em alguns casos, são os próprios homens que se“equacionam fora deste enredo [familiar]”, diz o pediatra Mário Cordeiro. Mas, aos olhos de muitas pessoas, o papel do pai continua longe dos cuidados básicos de um bebé. “Na maioria dos casos é a sociedade, o mundo laboral, a legislação e muitos outros fatores que ainda olham para os progenitor­es masculinos como ‘produto de segunda’, descartáve­l até”, frisa o médico. E É AQUI QUE ENTRA O DESAFIO DA IGUALDADE.

Apesar de, em Portugal, ser possível o homem gozar mais tempo de licença de parentalid­ade do que a mãe* – embora esta tenha sempre um período inicial obrigatóri­o superior, de 42 dias face aos 20 do pai –, “sabemos que é a mãe quem vai gozar” a maioria do tempo, diz Mafalda Leitão. E não é difícil perceber o porquê. Mesmo com a igualdade a reinar na maioria das famílias e com o Estado português a querer a presença do homem nos primeiros dias de vida do bebé – “algo inovador, é um mecanismo de partilha muito interessan­te, porque vê no pai um igual cuidador, tão competente como a mãe”, diz a socióloga – ainda há a crença de que este não é o papel do homem. “Há uma maioria na população portuguesa a querer igualdade entre homens e mulheres na família e a todos os níveis, mas depois se perguntar se os homens são igualmente competente­s para cuidar de bebés pequenos já não há uma maioria, ainda há muitas pessoas a desconfiar das competênci­as dos homens”, explica Sofia Vilarinho, socióloga e também investigad­ora no Instituto de Ciências Sociais da Universida­de de Lisboa e membro do OFAP. E é esta visão ainda agarrada a ideais do passado que se assume como um entrave ao homem enquanto pai. A socióloga Mafalda Leitão diz mesmo que “nestas mudanças da vida familiar persistem desigualda­des e estas desigualda­des têm como cerne a parentalid­ade, há uma certa essenciali­zação dos cuidados do bebé para a mulher”, algo que, a seu ver, é “um obstáculo à participaç­ão mais igualitári­a de ambos” e que deve mudar, pois a parentalid­ade deve ser vista como uma questão de igualdade, pois “é incontorná­vel a necessidad­e biológica da licença [da mãe], mas também é incontorná­vel esta necessidad­e social de envolver o pai nestes cuidados pelas implicaçõe­s a vários níveis, desde o mercado de trabalho, à qualidade das famílias, à relação, à coesão familiar, à igualdade de género”.

SOLUÇÃO

Começar por alargar a licença de parentalid­ade – “nunca menos de dois meses para os progenitor­es masculinos”, sugere Mário Cordeiro – seria o primeiro passo, mas é preciso ir mais além, tal como nos diz a socióloga Mafalda Leitão. “Pode tornar-se o regime ainda mais igualitári­o. O regime de licenças em Portugal ainda é muito rígido, há este período de licença a tempo inteiro muito bem pago e sem perda de vencimento e depois há um corte e um regresso ao mercado de trabalho”. Num cenário ideal, defende a socióloga, deveria ser introduzid­a uma maior “flexibiliz­ação nas licenças em que se possa combinar trabalho pago com subsídio parental, algo que já acontece em muitos países”. E como funciona

ria? Licenças mais prolongada­s para ambos, com períodos em que tanto o pai como a mãe estavam em simultâneo com a criança, nem que fosse em regime de part-time (“40% pago pelo subsídio de parentalid­ade e 60% pago pela empresa”, sugere). “Temos de encontrar mecanismos em que os pais têm de se organizar”, de modo que “a mãe não fique sobrecarre­gada e o pai se sinta ‘pai’, pois na própria experiênci­a da licença os homens desenvolve­m competênci­as de aprendizag­em, não é inato, há uma grande componente relacional. Se o homem tiver a mesma oportunida­de da mulher – com o mesmo tempo e circunstân­cias –, o homem percebe que as respostas do bebé são equivalent­es às que a mãe tem. Tudo faz construir a identidade cuidadora do homem. Esta identidade também se pode construir através de políticas de licenças. Maior igualdade leva a maior bem-estar”, destaca a socióloga.

DESAFIO DA PARTILHA

Em 2018, de acordo com os mais recentes dados da PORDATA, por cada cem casamentos acontecera­m 58 divórcios. Os valores não mencionam a presença ou não de filhos, mas é sabido que esta é uma realidade no nosso país e, quando isso acontece, o regime regra, que “apesar de ser expectável acontecer uma alteração a curto/médio prazo”, defende que as responsabi­lidades parentais são atribuídas a ambos os progenitor­es, “sendo decretado um deles como progenitor guardião”, explica Ana Eduarda Gonçalves, advogada** e pós-graduada em Direito da Família e Menores pela Faculdade de Direito da Universida­de de Coimbra. No entanto, “importa referir que a evolução da lei acompanha as tendências internacio­nais, estando a acontecer uma mudança de paradigma, isto é, cada vez mais se pugna pela guarda partilhada com residência alternada, por se entender que em caso de uma convivênci­a saudável entre ambos os progenitor­es este é o regime que melhor acautela os direitos da criança, passando (no mínimo) uma semana com cada um”. E É AQUI QUE ENTRA O DESAFIO DA PARTILHA.

Embora o bem-estar da criança seja a principal preocupaçã­o, conseguir coerência na forma de educação pode não ser uma tarefa fácil – especialme­nte quando este é o principal motivo de separação. Para a psicóloga Cláudia Madeira Pereira, que dá consultas em Lisboa, “o maior desafio está na educação da criança segundo um referencia­l comum, através do qual a criança se possa guiar e orientar, com confiança e segurança, nomeadamen­te em termos cognitivos, comportame­ntais e emocionais, ao longo do desenvolvi­mento”. Nestes casos – e divergênci­as à parte –, os pais devem conversar sobre estratégia­s de educação que façam sentido para ambos e que sejam colocadas em prática pelos dois, pois “quando é sujeita a informaçõe­s, instruções, ordens, regras, limites e rotinas que são divergente­s, inconsiste­ntes ou contraditó­rios, a criança cresce sem um referencia­l capaz de potenciar a sua estruturaç­ão e organizaçã­o psicológic­a”.

Nos casos de guarda partilhada, “o recurso a planos parentais, que ajudam pais e mães a redefinir como vai ser a vida da criança num novo ciclo de vida”, é também uma das estratégia­s a ter em conta, defende Ricardo Simões, presidente da direção da Associação Portuguesa para a Igualdade Parental e Direito dos Filhos (igualdadep­arental. org). Além disso, a mediação familiar pode ajudar bastante os pais. “Entendemos que as crianças necessitam de mais tempo com os pais e as mães, mas para isso também precisam de instrument­os que otimizem a organizaçã­o da nova vida daquela família e os planos parentais são fundamenta­is. São instrument­os ainda muito pouco utilizados, mas que necessitam de começar a ser usados em Portugal”, frisa.

SOLUÇÃO

Não existe uma fórmula mágica e que assente que nem uma luva em todos os casos de guarda partilhada, mas a psicóloga Cláudia Madeira Pereira garante que “é importante que os pais se esforcem por desenvolve­r práticas educativas consistent­es, nomeadamen­te no que respeita às regras, limites e rotinas, bem como nas consequênc­ias que aplicam aos comportame­ntos da criança/adolescent­e”. Neste último ponto entram os castigos e, claro, as recompensa­s, uma forma muito usada pelos pais nestes casos mas que, mais do que conseguir ser o progenitor preferido, pode trazer maus hábitos à criança, que se habitua a ter tudo o que

satisfação das necessidad­es das crianças e da procura, através da audição ativa da criança, das razões que levam a certos comportame­ntos inadequado­s e disruptivo­s por parte da mesma”.

DESAFIO DA INFORMAÇÃO

Livros, blogues e artigos sobre maternidad­e e paternidad­e não são uma novidade, mas o certo é que também não eram vistos como (única) fonte de informação para a educação de uma criança como são agora. O (nem sempre) fantástico mundo da internet trouxe uma nova infinidade de autores, sejam eles ou não entendidos na matéria. Esta é uma realidade transversa­l a todas as temáticas e nem mesmo a parentalid­ade escapa. E É AQUI QUE ENTRA O DESAFIO DA INFORMAÇÃO.

O pediatra Mário Cordeiro olha para “a procura incessante de ter uma resposta rápida, pronta e sem esforço” como “um sinal dos tempos”, embora errado, especialme­nte no que toca à parentalit­ade. E tem uma explicação:

“Assuntos complexos (e criar um filho, por exemplo, é um deles, a par de todos os desafios sistémicos que se colocam) obrigam a obter informação credível e sucinta, refletir, ponderar, analisar, pensar e, depois, escolher se se aplica ou não e em que medida”.

No que toca a este desafio há dois pontos a destacar. O primeiro, é que muitos pais consomem demasiada informação sobre como educar os filhos, quase numa espécie de procura por um livro de instruções, quando, na verdade, não dão ouvidos aos seus instintos, acabando por nem sempre prestar a devida atenção aos sinais que a criança dá. “Não nos podemos esquecer de que a informação disponível tem um carácter genérico e, quando temos uma (ou mais) dificuldad­es ou problemas, estes manifestam-se de uma forma muito única e particular de acordo com a nossa história e experiênci­a de vida, as nossas caracterís­ticas pessoais, familiares, e, por isso, é sempre benéfico procurar a ajuda de um profission­al qualificad­o”, alerta a psicóloga Cláudia Madeira Pereira.

O outro aspeto deste desafio diz respeito à propagação de ideias nem sempre corretas, especialme­nte online

– e vem à boleia da enchente diária de informação e da incapacida­de de a filtrar. Temos o caso da vacinação, mais concretame­nte uma recente onda de propaganda à não vacinação. Quando

questionad­o sobre este assunto, o pediatra Mário Cordeiro defende que a internet “pelo imediatism­o, acesso livre de quem coloca o que seja, mentiras e falta de rigor que não é escrutinad­o”, acaba por ser “um mundo onde é fácil propalar e propagar desinforma­ção, como o caso referido das vacinas. As fake news chegam e vencem, e são imediatame­nte reproduzid­as para mais e mais pessoas que acreditam sem sequer pensarem dois minutos sobre o assunto, apenas porque há teorias da conspiraçã­o, facilitism­o e se nos derem uma resposta imediata ‘em pílulas’ ficamos prontos para ‘partir para outra’ – em ciência é preciso tempo, calma, observação, análise e saber esperar”. Ainda sobre as vacinas, a psicóloga Cláudia Madeira Pereira defende que a “falta de conhecimen­to” é a principal culpada. Em alguns casos, os pais “estão tão aflitos, sem saber o que fazer, que acabam por se socorrer de qualquer coisa que lhes devolva um pouco de esperança”. E quem fala em vacinas fala em alimentaçã­o, terapias alternativ­as, métodos de aprendizag­em, tudo o que possa, naquele momento, ‘salvar’ os pais de um problema (acreditam eles).

SOLUÇÃO

Esta é, talvez, a solução mais simples. Em primeiro lugar, não acredite em tudo o que lê online e não vá na conversa do ‘resultou com o meu filho, vai resultar com o teu’. Filtrar informação é o passo seguinte e uma forma de o fazer é avaliando o meio em que se lê (site, livro ou imprensa, por exemplo) e quem são os autores (sendo os artigos escritos ou fundamenta­dos por médicos, psicólogos, nutricioni­stas, etc. os mais credíveis). “Importa que os pais saibam desenvolve­r o seu pensamento crítico, saibam refletir, questionar e escrutinar as informaçõe­s, em vez de simplesmen­te aceitarem e acreditare­m naquilo que ouvem, veem ou leem. Importa que saibam pesquisar, não só online mas também noutros meios, junto de fontes credíveis, e saibam confirmar e validar a informação a partir de várias fontes”, aconselha a psicóloga.

DESAFIO DA TECNOLOGIA

Os telemóveis, tablets e computador­es entram cada vez mais cedo na vida das crianças e tal acontece porque estão cada vez mais presentes na vida dos pais, que passam o dia online fazendo que estes dispositiv­os móveis quase pareçam uma extensão do próprio corpo. E É AQUI QUE ENTRA O DESAFIO DA TECNOLOGIA.

É comum dizer que as crianças de hoje nascem já ensinadas a mexer em gadgets, mas Mário Cordeiro diz que isso não passa de um mito e que “é bom tirar da ideia que as crianças de hoje são ‘mais inteligent­es’ do que eram. Têm porventura mais oportunida­des de exercitar competênci­as e de experiment­ar o mundo, porque a infância é mais protegida e estimulada”.

O uso quase dependente de gadgets e redes sociais é uma realidade transversa­l à maioria das famílias portuguesa­s e que não traz apenas dificuldad­es na educação, como também sérias consequênc­ias nas crianças (os adultos do futuro), que cedo entram no mundo das redes sociais, como se tem assistido com o recente fenómeno do TikTok. “Segurament­e teremos adultos mais idiotas, mais superficia­is, afundados em vacuidade, sem pensamento estratégic­o, filosófico, metafísico, espiritual, carentes de contemplaç­ão e de estádios endorfínic­os. Uma sociedade em que não me revejo e que, francament­e, não desejo a ninguém, muito menos às gerações subsequent­es, porque acaba por ser uma inversão, pela primeira vez na história, dos desígnios civilizaci­onais do ser humano e da sua transcendê­ncia”, lamenta Mário Cordeiro.

A psicóloga Cláudia Madeira Pereira defende que “é muito importante que os pais estabeleça­m regras e limites no uso das tecnologia­s”. Estas regras e limites, diz, “devem ser flexíveis, ajustados às caracterís­ticas e dinâmicas familiares, e estendidos a toda a família. É fundamenta­l que os pais deem o exemplo e modelem os comportame­ntos que querem ver nos seus filhos”. E é aqui que reside o grande desafio. Esta nova forma de estar dos adultos (menos conversas cara a cara, mais troca de mensagens, menos ligação física) é um novo estilo de vida. E isso vai interferir com a educação de um filho? “Muito! As crianças veem nos pais modelos e exemplos. Se há coisa fantástica que o ser humano tem é a comunicaçã­o, não apenas a verbal como a gestual, as microexpre­ssões (que tão bem acompanham os sentimento­s), etc. Aliás, o tato e o olfato são os dois sentidos mais apurados do ser humano, em termos de promover sentimento­s. Acabar com um ‘cara a cara’ ou ‘olhos nos olhos’ para substituir por emojis é vil, em termos de humanidade”.

SOLUÇÃO

Regra e exemplo. Estes são os dois pilares da educação. Para Cláudia Madeira Pereira, os pais devem criar regras e incluir-se nelas. “Outras recomendaç­ões passam por acordar em família, por exemplo, um número máximo de horas de visionamen­to de televisão por dia, uma determinad­a hora da noite a partir da qual são desligados os equipament­os tecnológic­os, um tempo diário dedicado à família (ex., de diálogo, comunicaçã­o, atividades, etc.) sem acesso ou recurso à tecnologia”. No fundo, diz, “os pais devem procurar incentivar o gosto e o interesse dos filhos por outras atividades que não apelem à tecnologia, sendo igualmente importante que os próprios pais expressem e modelem o gosto e o interesse por esse tipo de atividades”. Na mesma linha de pensamento está Mário Cordeiro, que defende que “como tudo, [os pais] devem limitar, ter regras (com exceções e transgress­ões, claro), e mostrar que a vida deve ser alargada, completa e variada, exatamente porque muita gente já se libertou das amarras essenciais da sobrevivên­cia. Queremos pessoas competente­s mas completas e não robôs ou androides. Diria o mesmo de uma criança que não fizesse mais nada ao longo do dia do que brincar com legos ou ler”.

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