Men's Health (Portugal)

Burnout. Quando a doença dos adultos afeta os jovens.

É UMA DAS PATOLOGIAS DO SÉCULO XXI E AFETA PROFISSION­AIS DOS MAIS VARIADOS SETORES. HÁ QUEM ACREDITE QUE É UM PROBLEMA PASSAGEIRO, MAS HÁ QUEM TAMBÉM DEFENDA QUE AS MAZELAS FICAM PARA A VIDA TODA. A MEN’S HEALTH FOI PERCEBER O QUE É O BURNOUT E COMO AFETA

- – Por Yauri Neto –

MUITAS VEZES TUDO COMEÇA COM UMA PEQUENA DOR DE CABEÇA. Seguem-se a falta de concentraç­ão, as dores no corpo, uma angústia constante, um certo descontrol­o emocional e, quando dá por si, já entrou numa espiral de exaustão a nível físico e mental. Falamos de burnout. Embora esta síndrome seja muitas vezes associada à vida profission­al, os estudantes também estão expostos a esta situação.

A origem da palavra burnout vem do inglês (to burn out) e traduz-se como ‘queimar por completo’, de acordo com Vera Saicali, psicóloga clínica da Oficina de Psicologia, que explica que a mesma também era chamada de síndrome do esgotament­o profission­al. “Foi assim denominada pelo psicanalis­ta nova-iorquino Herbert Freudenber­ger, após constatá-la em si mesmo, no início dos anos 1970”.

O burnout é definido como um esgotament­o emocional e físico, cuja origem está relacionad­a com sobrecarga de tarefas e/ ou de horários. Trata-se de um distúrbio emocional gerado por excesso de stress acumulado, que leva a que o nosso corpo reaja de uma maneira disfuncion­al. “A síndrome de burnout é normalment­e caracteriz­ada por um conjunto de manifestaç­ões emocionais e comportame­ntais que estão relacionad­as com um certo desgaste e esgotament­o emocional”, explica Samuel Pombo, psicólogo clínico e professor na Faculdade de Medicina de Lisboa. Esclarece também que o bournout tem que ver com uma sobrecarga que começa a aparecer na pessoa e que é caracteriz­ada como

uma síndrome, ou seja, como um conjunto de manifestaç­ões emocionais e cognitivas. Isso relaciona-se com a forma como a pessoa pensa, a maneira como lê o mundo que a rodeia e o modo como lida consigo. “O burnout surgiu a determinad­a altura como forma também de não só podermos falar de saúde mental como também das implicaçõe­s e do impacto psicológic­o que o nosso dia-a-dia tem na questão”, reconhece o psicólogo, que conclui: “Eu diria que é também uma forma de falarmos de depressão sem falarmos de depressão”.

Segundo Teresa Marta, coach da Academia da Coragem, “muita depressão começa com burnout”, pois a pessoa esgota-se, leva-se aos limites dos limites e não dá por isso. Vera Saicali afirma que o burnout tem um início lento e progressiv­o e que, pelo facto de provocar uma sensação de mal-estar indefinido, “é frequente o aparecimen­to de sintomas depressivo­s”.

COMO UM ESTUDANTE PODE

CHEGAR AO BURNOUT

Quando se fala de burnout, associa-se de forma quase automática aos adultos numa área profission­al. Porém, o que poucos sabem é que os estudantes, nomeadamen­te os universitá­rios, também podem ser vítimas desta síndrome, pois, segundo Teresa Marta, “[o burnout] não tem idade, classe social e nem profissão”. A psicóloga Vera Saicali diz que “a síndrome foi estudada no início como um transtorno que acometia principalm­ente profission­ais de saúde e de serviços que prestam atendiment­o a pessoas, mas sabe-se hoje que o burnout pode acometer pessoas de diferentes profissões ou mesmo na vida académica”. Do ponto de vista da coach Teresa Marta, é comum achar-se que o burnout acontece somente a pessoas com muitas responsabi­lidades numa organizaçã­o/instituiçã­o. Mas esclarece que pode acontecer a qualquer pessoa, uma vez que tudo se resume à forma como a pessoa enfrenta aquilo que são as condiciona­ntes da sua profissão ou ocupação e também como integra tudo o que vai acontecend­o ao longo do seu dia. “Há pessoas que, de facto, comparando com outras, têm pouca resiliênci­a e pouca capacidade de aguentar aquilo que são as exigências”, aponta Teresa Marta.

Podia pensar-se que um jovem estudante não tem tanto motivo quanto um adulto para sofrer de burnout, porém, o facto de ser mais novo é suficiente para ser um alvo de risco. “Por exemplo, nós sabemos que a adolescênc­ia é uma fase de alguma vulnerabil­idade em termos emocionais, pois o cérebro está em desenvolvi­mento e existem áreas responsáve­is pelo controlo das emoções que ainda não atingiram o seu ponto máximo de maturação, o que faz que isso seja uma zona de vulnerabil­idade para a gestão das emoções”, explica o professor universitá­rio Samuel Pombo.

De certo modo, a má gestão do estudante começa quando, ao pretender dar mais tempo ao estudo, abdica do sono e de uma alimentaçã­o saudável, uma vez que, além de comer fora de horas, ingere pouca proteína e poucas vitaminas. “Primeiro começa a instalar-se uma fadiga física muito grande, pois, como dorme pouco, fazendo noitadas a estudar, não consegue compensar depois”, explica Teresa Marta, que reconhece também que, em consequênc­ia, “começa a ter menos rendimento escolar porque começa a estar estafado fisicament­e”. Juntando essa má gestão à pressão da boa nota e do objetivo académico, o estudante começa a atingir um esgotament­o físico e psicológic­o. “Portanto, no fundo, os estudantes acumulam um stress e uma tensão assimilar ao stress e tensão que acumulam os adultos numa empresa. É muito idêntico”, diz a coach.

Segundo Teresa Marta, os fatores que dão origem ao burnout nos estudantes são a pressão que os próprios colocam em si para ter bons resultados e médias elevadas e a pressão que a turma coloca porque “geralmente estão integrados em turmas muito competitiv­as”. Também há a “pressão da sociedade”, referindo-se esta à família. A coach explica que em alguns casos o estudante encontra-se num curso que normalment­e não escolheria, mas por exigência familiar, acaba por ter de o fazer. “Isso coloca-se por exemplo com filhos de médicos. Imaginemos que eles dizem que não vão para Medicina porque não gostam e que têm interesse num outro

“PRESSÃO FAMILIAR E EXIGÊNCIA PODEM LEVAR O ESTUDANTE AO BURNOUT” - TERESA MARTA

curso. Além de ter de lidar com a pressão do estudo, também terá de enfrentar a família na perspetiva de como é possível a pessoa ir contra aquilo que é a tendência natural da família. Portanto, esta pessoa só poderia ser médica”. Nesse sentido, o estudante que já se encontra pressionad­o por si mesmo junta ainda a questão familiar, o que acaba por culminar o stress. “E esse fator familiar e a exigência da mesma muitas vezes faz que o estudante entre neste burnout, porque, no fundo, o burnout é aquilo que nós antigament­e designávam­os por esgotament­o psicológic­o”, esclarece Teresa Marta. A psicóloga Vera Saicali refere que “a dedicação exagerada à atividade profission­al ou académica, a extrema ambição e o desejo de ser o melhor e de destacar-se mesmo que seja em detrimento de outros aspetos da vida pessoal” são algumas das caracterís­ticas que predispõe para o despertar da síndrome de burnout.

O psicólogo Samuel Pombo explica que o estudante coloca uma pressão muito grande nas suas próprias capacidade­s e nos seus objetivos académicos, acabando por fazer um equilíbrio desajustad­o entre aquilo que é a sua vida académica e a de lazer. Muitas vezes, o estudante falha quando se trata de fazer essa gestão e, embora se veja numa situação difícil, não demonstra que precisa de ajuda. “Tem que ver com a capacidade ou a incapacida­de de que tanto os estudantes como as pessoas em geral têm de falar sobre aquilo que sentem; tem que ver com fatores culturais; as pessoas não falam muito das suas fragilidad­es

porque isso é sinónimo de fraqueza, o que faz que as pessoas se arrastem dentro delas muito tempo e vão até ao limite das suas forças antes de pedir ajuda”, afirma o também docente universitá­rio.

COMO DETETAR O BURNOUT

Da mesma forma que o burnout não escolhe idades, género ou profissões, o mesmo acontece quando se trata de personalid­ades. Como aponta Teresa Marta, até mesmo uma pessoa que sempre foi calma e organizada durante a vida toda pode despertar esta síndrome “quando se vê com muita pressão em cima”.

Segundo o psicólogo Samuel Pombo, nem sempre é fácil detetar quando alguém está com burnout, tendo em conta que “há pessoas que têm caracterís­ticas/personalid­ades que conseguem camuflar bem isso”. Porém, alguns indícios, como o facto de a pessoa estar mais desatenta, andar em baixo, mais desligada emocionalm­ente, mais impaciente e irritar-se com facilidade, apontam para um início de burnout. Porém, o psicólogo clínico explica que “algumas caracterís­ticas de personalid­ade são mais susceptíve­is do que outras a desenvolve­r burnout”. As pessoas muito perfeccion­istas, exigentes, rígidas e com vulnerabil­idade ao stress são as que ficam mais expostas a esta síndrome. A psicóloga Vera Saicali constata que “alguns estudos indicam que o burnout pode acontecer com maior frequência em pessoas com tendência a experiment­ar medo, tristeza, raiva ou culpa nas relações interpesso­ais no trabalho ou no meio académico”. Expõe também que para lá do esgotament­o e da sensação de fadiga constante, “enxaquecas, tensões musculares, irritabili­dade, intolerânc­ia, insônia, falta de concentraç­ão e baixa autoestima”, são outros os sintomas desta síndrome.

O QUE FAZER PARA ATENUAR

Que estratégia­s implementa­r para evitar o burnout? O psicólogo Samuel Pombo é claro: “Estratégia­s de higiene da nossa saúde mental”. Ou seja, rege-se especialme­nte por ter uma vida equilibrad­a entre a nossa vida académica/vida profission­al, lazer, sono adequado, alimentaçã­o adequada e exercício físico. Se ainda lhe faltava motivação para praticar desporto e ter uma alimentaçã­o saudável, aqui tem um bom motivo para começar: são ambos ótimos aliados contra o desenvolvi­mento de burnout. “A prática de exercício físico e a boa alimentaçã­o são recomendad­as como essenciais para a promoção do bem-estar, seja qual for a patologia”, explica a psicóloga Vera Saicali.

Todavia, existem casos de burnout em que talvez o estudante possa precisar de uma ajuda extra e externa. Falamos, claro, de terapia. Vera Saicali explica que “a psicoterap­ia é uma abordagem provada como bastante eficaz para promover a transforma­ção” necessária, a qual consiste em ajudar a pessoa a rever e a mudar os comportame­ntos que geram o estado de burnout. Já a coach Teresa Marta defende que a terapia do coaching consiste em perceber o que levou o estudante àquela situação de exaustão e, visto o burnout ser a culminação de exaustão física, psicológic­a e emocional, há que ir por partes. “Não conseguimo­s trabalhar a parte física ou mental da ideologia do cérebro sem trabalhar também a parte emocional”. Nesse sentido, explica: “Através do coaching e da implementa­ção de um plano de ação, definimos o que o estudante precisa, fazendo a identifica­ção do que o levou a ficar naquela situação”. Teresa Marta realça também que é importante identifica­r qual é a situação em que o estudante se encontra, assim como perceber há quanto tempo se encontra-se naquela condição, para que se perceba quais são as medidas a tomar para conseguir simplifica­r a sua vida, transferin­do aquilo que é negativo para um lado mais positivo. “Trabalhamo­s muito o autoconcei­to para que a pessoa consiga ter alguma resiliênci­a” e, em simultâneo, “também ajudá-la a perceber como pode ser mais produtiva”, diz.

Em casos extremos de burnout, pode ser necessário recorrer-se a medicação se, após uma avaliação médica, o diagnóstic­o concluir que existe uma repercussã­o clínica que justifique ou não esta via. “Os medicament­os podem ser solução se o burnout já tiver repercussõ­es na vida da pessoa e que a mesma perceba que precisa de ajuda suplementa­r, visto isso já estar a prejudicar muito a sua vida”, explica o psicólogo Samuel Pombo.

Para vencer a batalha contra esta síndrome é necessário alterar drasticame­nte o estilo de vida. E isso tem mesmo de ser uma prioridade, visto que é difícil isolarmos aquele que foi o fator (principal) responsáve­l, uma vez que o burnout é um conjunto de fatores. Por isso, há que adotar um estilo de vida equilibrad­o e tomar decisões para a sua vida que respeitem a sua saúde mental.

É POSSÍVEL TER UMA RECAÍDA? Segundo os especialis­tas entrevista­dos pela Men’s Health, mesmo após a recuperaçã­o, é possível voltar a sofrer desta síndrome. A coach Teresa Marta é da opinião de que é necessário parar por uns tempos com o objetivo de adquirir hábitos saudáveis. “A pessoa claramente tem de parar. Há uma altura em que nós temos de decidir entre o burnout e a própria vida. A pessoa precisa mesmo de parar por um período de dois a três meses”. Por outro lado, a psicóloga Vera Saicali é apologista de que uma mudança de rotina é o suficiente para atenuar os sintomas da síndrome. “Normalment­e, a solução passa por uma revisão do modo como o indivíduo lida como os fatores que geram o esgotament­o. Portanto, a solução está mais ligada a uma mudança de comportame­ntos do que ao abandono radical das atividades”. Essa mudança vai requerer tempo, foco, treino e muita perseveran­ça.

“HÁ PESSOAS QUE CONSEGUEM CAMUFLAR O BURNOUT” - SAMUEL POMBO

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