Men's Health (Portugal)

Astúcias de pai… também se revê nesta inevitável realidade?

SAIBA COMO EVITAR QUE A SUA FILHA SE TRANSFORME NUM PROTÓTIPO DO CLÃ KARDASHIAN – OU PIOR, QUE QUEIRA SER IGUAL AO QUE VÊ NO INSTAGRAM!

- POR MIGUEL SANTOS

“Silicone nos seios e enchimento nos lábios!”.

Foi o que Mafalda me respondeu no ano passado quando lhe perguntei o que tinha pedido ao Pai Natal. Todavia, a resposta torna-se ainda mais complicada quando se tem em conta que Mafalda é minha sobrinha e acaba de completar 16 anos. Morena, dona de um magnífico e cristalino sorriso… “Silicone nos seios e enchimento nos lábios!” Ainda há bem pouco tempo pegava nela ao colo e punha-a em cima da mesa de jantar para que dançasse para toda a família; agora, e sempre com os fones postos, ouvem-se aos berros as melodias de Shawn Mendes, Taylor Swift e Rosalía. Até aqui tudo bem. Mas as paredes do seu quarto – em tempos com posters dos seus artistas preferidos, incluindo a banda britânica One Direction – estão agora vazias, pois os seus olhos estão sempre colados ao ecrã do smartphone, percorrend­o o Instagra e o TikTok a uma velocidade surreal e que me faz questionar se, de facto, presta atenção ao que quer que seja que está a ver.

“Silicone nos seios e enchimento nos

lábios…”. “É NORMALÍSSI­MO. TODAS AS MIÚDAS QUEREM FAZER”, DISSE-ME A MINHA IRMÃ. Mas será isto realmente normal? “Claro que sim!”, respondeu-me a minha irmã com toda a confiança e, não sem um certo receio, acrescento­u: “ESPERA QUE A TUA BEBÉ FAÇA 16 ANOS E VERÁS!” O bebé é a minha filha, a minha primogénit­a, a menina dos meus olhos, que nascerá pelo verão. Imagino-a daqui a 16 anos a pedir: “Uns grandes seios e uma lipoaspira­ção” e sinto-me maluco física e psicologic­amente. Fico a pensar no assunto e rumo ao aliado: um whisky duplo!

É MUITO CURIOSO COMO MUDA A NOSSA RELAÇÃO COM AS MULHERES QUANDO NOS LEMBRAMOS DE QUE VAMOS SER O PAI DE UMA DELAS.

Até há cerca de três anos era um tipo independen­te cujas preocupaçõ­es passavam por decidir o que ligaria melhor com o carpaccio de carne ou que série iria ficar a ver na Netflix durante toda a noite. Vivia sozinho numas pequenas mas interessan­tes águas furtadas com uma fantástica namorada que entendia (ou pelo menos aceitava) que uma sexta-feira por mês me encontrass­e religiosam­ente com os meus amigos para jogar póquer, ou que, de vez em quando, escapasse um fim de semana para Londres ou Berlim sem sequer me passar pela cabeça convidá-la.

Estava tudo a correr como o pretendido. Vida descomplic­ada, divertida e com amor para dar e receber. Estava pronto para me habituar a este estilo de vida moderno, com a perfeita conjugação entre o lazer solitário, a vida amorada e a folia com os amigos. Até ao dia em que a sombra dos 40 começou a pairar sobre a minha cabeça… e essa namorada me disse que estava farta de ter duas escovas de dentes: uma em sua casa e outra na minha. Decidimos passar a viver juntos. Tive de vender as águas furtadas, comprámos uma casa maior e, de repente, ainda não me tinha habituado a tê-la comigo todas as noites e a acordar ao seu lado todas as manhãs, disse-me com os olhos marejados de lágrimas que estava grávida. Nunca mais fui o mesmo e isso não foi, de todo, uma coisa má. Pelo contrário. Foi a melhor mudança. E aqui me confesso, orgulhoso!

O que me trouxe tamanha reviravolt­a? Bem, entre outras, em poucos meses deixei de procurar vídeos hardcore na internet para passar a mudar fraldas sujas. Além disso, agora, quando passo nas ruas mais comerciais da cidade, não observo os manequins das lojas de roupa feminina jovem com deleite e curiosidad­e, mas com uma mistura de pavor e indignação: É SUPOSTO AS MENINAS DE 14 ANOS VESTIREM ESTAS COISAS TRANSPAREN­TES? Mas se até as bonecas se vestem de forma provocante! Não é preciso ir muito longe, basta pensar que até a minha sobrinha já usa mínimas minissaias (a aliteração é intenciona­l) e uma t-shirt decotada. E todo o look

está nas redes sociais, aos olhos de qualquer um, a qualquer momento do dia.

É isto que acontece quando temos uma filha: antes olhava a foto de uma mulher jovem nua e esquecia tudo. Agora vejo-a e penso ‘no desgosto que o pai deve ter tido’. E é aqui que as coisas se complicam, porque apesar de ser pai e de ter tão nobres preocupaçõ­es com o sexo oposto não posso negar que fico maluco com essas raparigas.

É COMO SE DENTRO DE MIM EXISTISS EM DUAS PERSONALID­ADES QUE NÃO SABEM COMO CONVIVER: O ‘APAIXONADO PELAS MULHERES’ E O ‘PAPÁ PREOCUPADO’.

O primeiro cumpre o mandato evolutivo dos machos de qualquer espécie: espalhar o seu ADN no maior número possível de fêmeas (o que explica a vontade carnal e, inclusivam­ente, nervosa que sentimos perante essas raparigas que nos conseguem fazer tremer os joelhos quando as olhamos). O segundo, o papá preocupado, sente que este mundo perverso e cruel não está à altura da sua princesa. Envergonha-se de viver numa sociedade em que alguns homens (poucos, mas sempre demasiados) maltratam as mulheres. Não suporta a ideia de partilhar uma cultura na qual algumas mulheres (poucas, mas sempre demasiadas) acreditam que ir para a cama com uma celebridad­e para alcançar fama é construir uma carreira.

NATURALMEN­TE, NÃO SOU ESTÚPIDO E IRREAL A PONTO DE PENSAR QUE POSSO MUDAR O MUNDO COM O MEU AMOR DE PAI. MAS POSSO GUIAR A MINHA FILHA PARA QUE SAIBA DISTINGUIR O QUE É CORRETO E PARA QUE APRENDA A ACREDITAR EM SI PRÓPRIA. Sei que educá-la será uma grande aventura, mas estou desejoso de a viver. Será uma tarefa hercúlea – a maior da minha vida –, mas serei capaz de conseguir que aos 16 anos não me peça pelo Natal (ou em qualquer outra altura) uns seios de silicone e uns lábios à Kim Kardashian! Ora se sou!

 ??  ??
 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal