Astúcias de pai… também se revê nesta inevitável realidade?
SAIBA COMO EVITAR QUE A SUA FILHA SE TRANSFORME NUM PROTÓTIPO DO CLÃ KARDASHIAN – OU PIOR, QUE QUEIRA SER IGUAL AO QUE VÊ NO INSTAGRAM!
“Silicone nos seios e enchimento nos lábios!”.
Foi o que Mafalda me respondeu no ano passado quando lhe perguntei o que tinha pedido ao Pai Natal. Todavia, a resposta torna-se ainda mais complicada quando se tem em conta que Mafalda é minha sobrinha e acaba de completar 16 anos. Morena, dona de um magnífico e cristalino sorriso… “Silicone nos seios e enchimento nos lábios!” Ainda há bem pouco tempo pegava nela ao colo e punha-a em cima da mesa de jantar para que dançasse para toda a família; agora, e sempre com os fones postos, ouvem-se aos berros as melodias de Shawn Mendes, Taylor Swift e Rosalía. Até aqui tudo bem. Mas as paredes do seu quarto – em tempos com posters dos seus artistas preferidos, incluindo a banda britânica One Direction – estão agora vazias, pois os seus olhos estão sempre colados ao ecrã do smartphone, percorrendo o Instagra e o TikTok a uma velocidade surreal e que me faz questionar se, de facto, presta atenção ao que quer que seja que está a ver.
“Silicone nos seios e enchimento nos
lábios…”. “É NORMALÍSSIMO. TODAS AS MIÚDAS QUEREM FAZER”, DISSE-ME A MINHA IRMÃ. Mas será isto realmente normal? “Claro que sim!”, respondeu-me a minha irmã com toda a confiança e, não sem um certo receio, acrescentou: “ESPERA QUE A TUA BEBÉ FAÇA 16 ANOS E VERÁS!” O bebé é a minha filha, a minha primogénita, a menina dos meus olhos, que nascerá pelo verão. Imagino-a daqui a 16 anos a pedir: “Uns grandes seios e uma lipoaspiração” e sinto-me maluco física e psicologicamente. Fico a pensar no assunto e rumo ao aliado: um whisky duplo!
É MUITO CURIOSO COMO MUDA A NOSSA RELAÇÃO COM AS MULHERES QUANDO NOS LEMBRAMOS DE QUE VAMOS SER O PAI DE UMA DELAS.
Até há cerca de três anos era um tipo independente cujas preocupações passavam por decidir o que ligaria melhor com o carpaccio de carne ou que série iria ficar a ver na Netflix durante toda a noite. Vivia sozinho numas pequenas mas interessantes águas furtadas com uma fantástica namorada que entendia (ou pelo menos aceitava) que uma sexta-feira por mês me encontrasse religiosamente com os meus amigos para jogar póquer, ou que, de vez em quando, escapasse um fim de semana para Londres ou Berlim sem sequer me passar pela cabeça convidá-la.
Estava tudo a correr como o pretendido. Vida descomplicada, divertida e com amor para dar e receber. Estava pronto para me habituar a este estilo de vida moderno, com a perfeita conjugação entre o lazer solitário, a vida amorada e a folia com os amigos. Até ao dia em que a sombra dos 40 começou a pairar sobre a minha cabeça… e essa namorada me disse que estava farta de ter duas escovas de dentes: uma em sua casa e outra na minha. Decidimos passar a viver juntos. Tive de vender as águas furtadas, comprámos uma casa maior e, de repente, ainda não me tinha habituado a tê-la comigo todas as noites e a acordar ao seu lado todas as manhãs, disse-me com os olhos marejados de lágrimas que estava grávida. Nunca mais fui o mesmo e isso não foi, de todo, uma coisa má. Pelo contrário. Foi a melhor mudança. E aqui me confesso, orgulhoso!
O que me trouxe tamanha reviravolta? Bem, entre outras, em poucos meses deixei de procurar vídeos hardcore na internet para passar a mudar fraldas sujas. Além disso, agora, quando passo nas ruas mais comerciais da cidade, não observo os manequins das lojas de roupa feminina jovem com deleite e curiosidade, mas com uma mistura de pavor e indignação: É SUPOSTO AS MENINAS DE 14 ANOS VESTIREM ESTAS COISAS TRANSPARENTES? Mas se até as bonecas se vestem de forma provocante! Não é preciso ir muito longe, basta pensar que até a minha sobrinha já usa mínimas minissaias (a aliteração é intencional) e uma t-shirt decotada. E todo o look
está nas redes sociais, aos olhos de qualquer um, a qualquer momento do dia.
É isto que acontece quando temos uma filha: antes olhava a foto de uma mulher jovem nua e esquecia tudo. Agora vejo-a e penso ‘no desgosto que o pai deve ter tido’. E é aqui que as coisas se complicam, porque apesar de ser pai e de ter tão nobres preocupações com o sexo oposto não posso negar que fico maluco com essas raparigas.
É COMO SE DENTRO DE MIM EXISTISS EM DUAS PERSONALIDADES QUE NÃO SABEM COMO CONVIVER: O ‘APAIXONADO PELAS MULHERES’ E O ‘PAPÁ PREOCUPADO’.
O primeiro cumpre o mandato evolutivo dos machos de qualquer espécie: espalhar o seu ADN no maior número possível de fêmeas (o que explica a vontade carnal e, inclusivamente, nervosa que sentimos perante essas raparigas que nos conseguem fazer tremer os joelhos quando as olhamos). O segundo, o papá preocupado, sente que este mundo perverso e cruel não está à altura da sua princesa. Envergonha-se de viver numa sociedade em que alguns homens (poucos, mas sempre demasiados) maltratam as mulheres. Não suporta a ideia de partilhar uma cultura na qual algumas mulheres (poucas, mas sempre demasiadas) acreditam que ir para a cama com uma celebridade para alcançar fama é construir uma carreira.
NATURALMENTE, NÃO SOU ESTÚPIDO E IRREAL A PONTO DE PENSAR QUE POSSO MUDAR O MUNDO COM O MEU AMOR DE PAI. MAS POSSO GUIAR A MINHA FILHA PARA QUE SAIBA DISTINGUIR O QUE É CORRETO E PARA QUE APRENDA A ACREDITAR EM SI PRÓPRIA. Sei que educá-la será uma grande aventura, mas estou desejoso de a viver. Será uma tarefa hercúlea – a maior da minha vida –, mas serei capaz de conseguir que aos 16 anos não me peça pelo Natal (ou em qualquer outra altura) uns seios de silicone e uns lábios à Kim Kardashian! Ora se sou!