Jornal de Notícias - Notícias Magazine

É Natal. Chegou o dia mais esperado. Ou o mais odiado

- PAULO FARINHA jornalista Leia todas as crónicas do autor em www.noticiasma­gazine.pt.

Deve estar alguém na cozinha. Há sempre alguém na cozinha. A levar pratos de comida sujos para cima da bancada cheia, prontos para encher uma máquina de louça. Mais uma. Ou então a ir buscar o pudim que estava no frigorífic­o, o bolo que ficou esquecido numa caixa ou uma peça de fruta para desenjoar de tantos fritos. Ou a conversar. No dia de hoje e de amanhã – e se calhar já começou ontem –, a cozinha é o epicentro de sentimento­s e sabores, de encontros e conversas. As sérias e as outras. No Natal, é na sala que se vai juntar toda a gente, mas é na cozinha que se preparam os pratos e confeciona­m as emoções todas que depois digerimos durante horas com aquelas pessoas. E nos dias seguintes. Ou nos meses seguintes.

No quarto dos miúdos, ou se joga PlayStatio­n ou se brinca com bonecos ou algum pré-adolescent­e está há horas agarrado ao telemóvel. Claro que não precisam de estar ali fechados para estar agarrados ao aparelho. Para serem antissocia­is, qualquer canto serve. Mas também, bem vistas as coisas, não é preciso ser pré-adolescent­e para ignorar o mundo à volta e passar a noite toda da consoada com um smartphone nas mãos. Se calhar, é até mesmo no telemóvel que estão a ler esta crónica…

Na sala, primos que não se veem há um ano falam dos sucessos escolares dos filhos, dos problemas no trabalho, de quem está prestes a divorciar-se, de um bebé que vem a caminho ou de doenças que não há maneira de arrepiarem caminho, mesmo com os medicament­os novos. Também se fala de quem morreu e ainda cá estava no Natal passado, do que se vai fazer à casa que calhou nas partilhas, do tanto que há de papelada para tratar. A morte dá tanto trabalho, caramba.

E há quem vá adormecer antes da meia-noite. Ou antes das dez. A casa está quente, o sofá confortáve­l, o canto escolhido está a meia-luz. «Vou fechar os olhos só um bocadinho mas não quero dormir.» Uns vão acordar se o canal da televisão for mudado, outros vão ressonar tanto que até vão cortar conversas.

É véspera de Natal e, um pouco por todo o país, há carros em trânsito cheios de presentes e azevias e filhós e troncos de chocolate, a caminho de casas onde já há presentes e azevias e filhós e troncos de chocolate mais do que suficiente­s. Muito mais do que suficiente­s. Tudo o que não se vai comer por estes dias dava e sobrava para alimentar todas as bocas que não vão passar o Natal em casas quentes rodeadas de família. E todos os anos dizemos que vamos comer menos e cozinhar menos e comprar menos. Mas é sempre a mais. É sempre a somar. No Natal, subtraímos os que já não estão cá ou seguiram caminhos e relações diferentes, mas somamos os novos que vão entrando na família. E a comida em excesso. E os presentes em excesso. E o plástico em excesso. E o lixo em excesso. Um dia ainda vamos conseguir ser mais frugais e contidos, acreditamo­s com força, mas até chegar continuamo­s da mesma maneira. E vamos seguindo.

É o que fazemos, Natal após Natal. Vamos seguindo. Para muita gente, estes são os dias mais difíceis do ano e queremos que passem depressa. Para outros, os mais ansiados. Em cada casa, dessas com excesso de comida, com primos que se reencontra­m, com avós a dormitar no sofá, com pré-adolescent­es agarrados ao telemóvel, com gente sempre na cozinha, vamos seguindo. Esperamos que daquela concentraç­ão de emoções ou tensões saia sempre alguma coisa melhor, algum sentimento mais forte, algum ânimo para os tempos que se seguem. De preferênci­a, que nos ajude a aguentar até ao Natal seguinte.

Terça-feira de manhã acaba-se este intervalo e a vida continua. Ou quarta, que a tolerância de ponto vai dar mais um dia para remoer tudo o que se comeu e o que se ouviu.

É O QUE FAZEMOS, NATAL APÓS NATAL. VAMOS SEGUINDO. PARA MUITA GENTE, ESTES SÃO OS DIAS MAIS DIFÍCEIS DO ANO E QUEREMOS QUE PASSEM DEPRESSA. PARA OUTROS, OS MAIS ANSIADOS.

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal