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Sobreviver, uma alquimia muito nacional

- FILIPE GARCIA

Na despedida de 2017, Marcelo Rebelo de Sousa apelou a uma reinvenção do país assente na criativida­de. Cumpriu-se a tradição da época: a oposição atacou o governo, as forças da «geringonça» assobiaram para o lado e todos se disseram alinhados com o popular Presidente. Todos se esqueceram de que os portuguese­s não precisam de reinvenção, há muito que o país é de verdadeiro­s alquimista­s.

Nesta época pouco ligamos a notícias, mas uma devia merecer atenção – a entrada em vigor do novo salário mínimo, um aumento de 23 euros, de 557 para 580, que, a partir deste mês, 800 mil portuguese­s vão passar a receber. E é aqui que entra a alquimia, essa arte de transforma­r metais comuns em ouro.

Procurando num portal de imobiliári­o aparecem, no distrito de Lisboa, com renda até 600 euros, 34 ofertas (no

Porto são 28), na maioria nos arredores da cidade, entre a Bobadela e Rio de Mouro. No centro? A busca fica reduzida a duas possibilid­ades – o mais em conta é um 4º andar sem elevador na Graça, com 35 metros quadrados e entrada pela cozinha. Por mais 200 euros por mês, mas com mais dez metros quadrados, há outro apartament­o na Pe- nha de França, mas já custa mais vinte euros do que o salário mínimo. Se tem pronto o argumento de que viver no centro da cidade é um luxo, deixo outro exemplo: para circular de metro e autocarro, um morador da Póvoa de Santo Adrião, bem à entrada de Lisboa, paga mais de 53 euros por mês.

Em 1984, os Dire Straits brincaram aos alquimista­s. Aproveitar­am duas noites de concertos no Hammersmit­h, em Londres, onde passaram pelos sucessos de quatro discos e lançaram a primeira coletânea. Aproveitar­am o que tinham, embrulhara­m e voltaram a distribuir, fórmula que repetiriam em 2001 quando reeditaram Alchemy: Dire Straits Live. Os fãs dirão que a magia está na guitarra de Mark Knopfler, os críticos continuarã­o sem perceber como até hoje os Dire Straits continuam entre as bandas recordista­s de vendas. Por cá é mais complicado perceber como se faz a magia de s sobreviver. Em ano de aumento de 23 euros, 800 mil alquimista­s terão de compensar as subidas de preço nos transporte­s, na eletricida­de e nas rendas. Como sempre, terão criativida­de p para fazer a sua magia, mas não lhes peçam mais. Não são eles quem precisa de se reinventar.

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ALCHEMY: DIRE STRAITS LIVE (1984) 7 euros
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