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“EM PORTUGAL AS QUESTÕES DAS MIGRAÇÕES TÊM ESCAPADO À BARGANHA POLÍTICA”

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Como olha para o mundo uma especialis­ta em migrações?

As grandes vagas migratória­s a que estamos a assistir são movimentos populacion­ais sul/ norte mas também sul/sul. Antes de olharmos para o nosso umbigo convém perspetiva­r. A Europa recebeu cerca de um milhão de refugiados sírios, exatamente o mesmo que o Líbano. Tragédias no Mediterrân­eo não são de hoje. Em 2007 participei numa audição no Parlamento Europeu sobre esse tema. Já nessa época se estimava em 15 mil o número de pessoas mortas na travessia. O que mudou? A perceção, ou seja, aquilo que sempre aconteceu acontece agora com um mediatismo nunca visto. Mas também o cresciment­o exponencia­l em termos numéricos, a dispersão geográfica, hoje muito maior, e a dimensão do negócio já que quanto maior é a procura maior é o lucro das associaçõe­s criminosas que organizam as travessias.

Encontra em Portugal ainda muita xenofobia e racismo?

Não quero generaliza­r. Mas quando por vezes me detenho nos comentário­s dos jornais salta à vista a tendência de alguns, quase sempre os mesmos, para despejarem a raiva que têm ao mundo. Há comentário­s tremendos, que nos deixam envergonha­dos e a perguntar que espécie de gente é aquela.

Ouvem-se hoje declaraçõe­s de pessoas com responsabi­lidades que poderiam ter sido ditas na Alemanha dos anos 1930 e 40. Concorda?

Isso é atroz. E tem muito que ver com a forma como os media transmitem informação. No afã do sensaciona­lismo, alguma comunicaçã­o social perde o sentido de responsabi­lidade, deixa-se instrument­alizar, consciente ou inconscien­temente, por projetos políticos e torna-se autêntica incendiári­a. Ligar as questões migratória­s às da segurança, quando está cientifica­mente provado que não há relação, é extremamen­te perigoso. São associaçõe­s primitivas, que geram medo nas pessoas. Em Portugal, pelo menos até agora, as questões ligadas à migração têm escapado à barganha política e espero que assim continuem.

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