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Conversa a quatro mãos

- Entrevista Rita Garcia Fotografia­s Nuno Pinto Fernandes/ Global Imagens

Uma longa entrevista de vida e carreira aos pianistas Pedro Burmester e Mário Laginha antes do concerto no Porto.

A PRIMEIRA VEZ QUE LHE PUSERAM UMA PEÇA PARA PIANO À FRENTE, PEDRO BURMESTER TOCOU-A DO PRINCÍPIO AO FIM. TINHA 8 ANOS. EM MIÚDO, MÁRIO LAGINHA ESQUECIA-SE DO TEMPO QUANDO ESTAVA A TOCAR E DECIDIU SER PIANISTA NO DIA EM QUE VIU PELA PRIMEIRA VEZ UM VIRTUOSO DO JAZZ NA TELEVISÃO. TOCARAM JUNTOS PELA PRIMEIRA VEZ HÁ MAIS DE TRINTA ANOS. BURMESTER FUNDOU A CASA DA MÚSICA, ONDE CHOCOU COM RUI RIO, DE QUEM AINDA É CRÍTICO, LAGINHA ESPECIALIZ­OU-SE NO JAZZ, COMPÕE, FEZ PARCERIAS COM GENTE DO FADO E DA MÚSICA BRASILEIRA – MAS É NAS TECLAS QUE SE REENCONTRA­M SEMPRE. AGORA ESTÃO DE VOLTA À ESTRADA. ESGOTARAM A GULBENKIAN, EM LISBOA, E SOBEM AO PALCO DA CASA DA MÚSICA, NO PORTO, NO DIA 3.

●Quando tocaram juntos pela primeira vez?

Mário Laginha (M.L.): Acho que o primeiro [concerto] de todos foi o Festival dos Capuchos, em 1987.

Pedro Burmester (P.B.): Era organizado pelo José Adelino Tacanho. Misturava música, conferênci­as e outras coisas. Tinha clássica, jazz. E uma amiga nossa, a Graça Mota, que era pianista e professora, terá dado o mote não sei a quem.

●Mas já se conheciam?

M.L.: Sim, eu estava a acabar o curso de Piano no Conservató­rio de Lisboa e tinha de levar a exame um concerto para piano e orquestra. Escolhi um concerto de Schumann. Era preciso alguém para acompanhar. No exame, é um segundo piano que faz a parte da orquestra. A professora Carla Seixas disse: o Pedro [Burmester] é que era... Se ele alinhasse... P.B.: Quando é que tu acabaste o conservató­rio?

M.L.: 1986, 87.

P.B.: Portanto, ligaste-me...

●Sem se conhecerem de lado nenhum. M.L.: Sim. A Carla entrou em contacto contigo e tu disseste logo: «Eh pá, sim.» Entretanto, eu tive um concerto com o Sexteto de Jazz de Lisboa, no Centro Comercial Dallas, no Porto, e tu apareceste lá.

●Imagino que o Pedro tenha vindo para Lisboa nas vésperas do exame. P.B.: Ainda chegámos a ensaiar em casa dos meus pais.

M.L.: Várias vezes.

P.B.: E assim foi: acompanhei o Mário no exame e a história teria ficado por aí. Não combinámos nada, mas houve uma empatia na maneira como olhávamos para a música, sem grandes fronteiras e dogmas.

●Como é que prepararam esse concerto?

P.B.: O difícil era encontrar dois pianos. Eu tinha um vertical num quarto e arrastávam­o-lo para junto do piano de cauda.

M.L.: Tenho memórias incríveis disso. Eu ia para lá e era muito bem recebido.

●Para casa dos pais do Pedro, na Maia?

M.L.: Fiquei lá uns três dias, mais do que uma vez.

P.B.: Naquele ambiente meio...

●Meio…

P.B.: A casa dos meus pais era uma espécie de museu. Tinha muitas obras de arte e havia uma maneira de viver que já não se usa (mesmo nessa altura já não se usava...) Havia empregadas fardadas a servir...

M.L.: Lembro-me de ao princípio me sentir muito intimidado, embora eles me recebessem lindamente. Havia aquela regra de servir pela esquerda e tirar [o prato] pela direita. Topei que a empregada vinha pela esquerda. Só que depois ela vinha para tirar o prato e eu dava a esquerda, quando devia dar a direita [ risos].

P.B.: Ups!

●O registo da sua casa era mais informal?

M.L.: Sim, era aquela coisa normal. Vivíamos em Belém [Lisboa]. A minha mãe cozinhava. Era uma época muito violenta para as mulheres. A minha mãe era professora, não trabalhava menos do que o meu pai, mas ele chegava a casa e ia sentar-se. Outros tempos...

●Começaram a estudar música muito pequenos.

P.B.: Eu tinha 7 anos.

M.L.: Eu 5.

●Como é que isso aconteceu? M.L.: Os meus pais queriam que os filhos seguissem um desporto, uma arte e a escola normal. Comecei aos 3 anos na ginástica. Quando eu tinha 5 e o meu irmão 7, puseram lá um piano. Durante um tempo, pensei que eu é que o tinha pedido [ risos].

●Ficaria tão bem na história...

M. L.: O que parece é que eu decorava muito as melodias e a minha mãe comentou com o meu pai que eu estava sempre com o ouvido atento. Então veio para lá o piano. Eu e o meu irmão começámos a estudar ao mesmo tempo.

P.B.: No meu caso, terei sido eu a pedir para aprender a tocar guitarra. Fui a uma escola de música e, quando passámos para a secretaria, estava lá um piano. E um piano de cauda é uma coisa que impression­a um miúdo. Pareceu-me mais desafiante.

COMO É QUE SE CONCILIA APRENDER UM INSTRUMENT­O A SÉRIO E TER UMA INFÂNCIA DITA NORMAL?

P.B.: A NOÇÃO DE SÉRIO EM MIÚDO É DIFUSA. TUDO É A SÉRIO E TUDO É A BRINCAR. EU NEM TIVE HIPÓTESE DE, NA ADOLESCÊNC­IA, PENSAR O QUE É QUE IRIA FAZER NA VIDA. AINDA QUIS JOGAR À BOLA, MAS A SUA MÃE NÃO DEIXOU.

P.B.: HOUVE UMA ALTURA EM QUE EU ERA BOM GUARDA -REDES E A MINHA MÃE NÃO DEIXOU PORQUE OS GUARDA -REDES PODEM MAGOAR AS MÃOS. A MINHA MÃE PUNHA-ME A ESTUDAR TODOS OS DIAS.

COM ELA A LER...

P.B.: SIM, ENQUANTO EU FAZIA ESCALAS E ARPEJOS.

E NÃO LHE LIA LIVROS DO TINTIN.

P. B.: NÃO, LIA GORKI E OUTROS RUSSOS! LEMBRO - ME DE GORKI, DE DOSTOIEVSK­I — COISAS NADA APROPRIADA­S PARA MIÚDOS DE 10, 11 ANOS. MAS EU GOSTAVA.

QUE TEMPO É QUE LHE SOBRAVA?

P.B.: TINHA AS TARDES LIVRES. ESTUDAVA UMA OU DUAS HORAS POR DIA, MAS O DIA ERA LONGO. ÀS VEZES SÓ ERA UMA CHATICE, NUM AMBIENTE DE FÉRIAS, O PIANO IR TAMBÉM.

O PIANO IA PARA AS FÉRIAS?

P.B.: IA. TÍNHAMOS UMA CASA DE FÉRIAS EM OFIR, A NORTE DO PORTO, E O PIANO TAMBÉM IA. AS FÉRIAS DURAVAM DOIS OU TRÊS MESES. E COMO É QUE FOI CONSIGO, MÁRIO? M.L.: EU ADORAVA TOCAR. PARA MIM, O PIANO ERA UM DIVERTIMEN­TO. A MINHA MÃE TINHA DE DIZER: «MÁRIO JOÃO, A COMIDA JÁ ESTÁ NA MESA!»

ELA NÃO SE ABORRECIA COM O SOM CONSTANTE DO PIANO?

M. L.: NÃO, TINHA IMENSO ORGULHO. ISSO TEVE UM EFEITO UM BOCADINHO PERVERSO, PORQUE ELA E O MEU PAI QUERIAM QUE EU ESTIVESSE SEMPRE A MOSTRAR AS HABILIDADE­S. E ISSO CANSOU-ME.

P. B.: TAMBÉM ME LEMBRO DISSO. IA LÁ ALGUÉM DA FAMÍLIA E… «Ó PEDRINHO, VÁ LÁ TOCAR QUALQUER COISINHA. » NÃO ACHAMOS GRAÇA NENHUMA PORQUE SENTIMO-NOS UMA ESPÉCIE DE BRINQUEDO.

●O que é que ouviam na adolescênc­ia além daquilo que estudavam? Bowie e outros dessa época?

P.B.: Eu apanhei tudo isso pelos meus irmãos, que eram mais velhos: Rolling Stones, Bowie, Beatles. Ouviam isso tudo.

●E o Mário ouvia o quê?

M.L.: Nessa altura, rock sinfónico: Emerson, Lake & Palmer, Genesis, Yes, Jethro Tull, Gentle Giant, um bocadinho de Deep Purple, Black Sabbath. E depois, uns brasileiro­s. O meu pai tinha uns discos com o melhor da música brasileira. Nessa altura [Tom] Jobim, Baden Powell e Elis [Regina] eram os que mais se ouviam lá em casa.

●Costumava acompanhar as músicas ao piano?

M.L.: Pegava mais na guitarra. Aos 11, 12 anos, estava farto do piano e pedi uma guitarra ao meu pai. Tocava como hobby, não olhava para pautas sequer. Além disso, fazia ginástica.

●O Pedro já explicou que ser pianista foi uma coisa natural. Como foi consigo? M.L.: Foi uma epifania provocada pelo Keith Jarrett. Até me lembro da imagem: entrei na sala e o meu irmão e o meu pai estavam a ver um programa de televisão com um sujeito a tocar piano. Comecei a ouvir aquilo e disse: «Acho isto a coisa mais maravilhos­a!»

●Com que idade?

M.L.: Uns 17. Saí de lá a dizer: «Quero tocar assim.» Era ingénuo de várias maneiras.

P.B.: Sentiste logo: «Isto é bom.» M.L.: Serviu de motor. O [ano] propedêuti­co fazia-se pela televisão. Nunca mais liguei a televisão. A minha mãe morreu quando eu era adolescent­e. Como o meu pai não estava durante o dia, eu tocava piano o dia todo. Comecei a estudar jazz porque o meu raciocínio era: «Eu gostava de tocar como este [Keith Jarrett]. O que é que ele fez para tocar assim? Ele gostava disto e daquilo.» P.B.: E tu decalcavas.

●Até que chegou à escola clássica. M.L.: Achei que era bom inscrever-me no conservató­rio para tornar a minha técnica mais sólida. Ainda passei pela Academia dos Amadores de Música.

●Lembra -se qual foi a primeira obra realmente difícil que conseguiu tocar, Pedro?

P.B.: Não, porque eu tinha muita facilidade. Mais tarde, isso foi um handicap. No outro dia estava a rever o livro de memórias do meu primeiro professor de piano, que já morreu, e ele menciona a minha primeira aula. «Chegou-me lá um rapaz com a mãe. Queria aprender piano e eu disse-lhe que tinha de aprender solfejo, antes de pôr as mãos no piano. E lá foi. Depois veio para a primeira aula. Pus-lhe a pauta à frente e ele tocou a peça do princípio ao fim. Nunca tal tinha visto. Virei-me para a mãe e disse: “Está aqui um caso que pode ser sério.”» [A música] para mim foi evidente.

●Sentar -se ao piano e tocar era natural.

P.B.: Uns anos mais tarde, houve um professor que me desmascaro­u, um francês, numa masterclas­s no Palácio de Mateus, em Vila Real. Toquei um concerto de Mozart, numa aula pública. No fim, ele disse: «Tiveste de estudar muito, analisar, ler, mãos separadas. Foi, não foi? [com ironia] Isso não te deu trabalho nenhum, pois não? E se eu te puser outra partitura à frente, tu fazes mais ou menos a mesma coisa sem nunca a teres visto, não é? Isso que tu estás a fazer não representa nada.» Lembro-me de que me caiu tudo. Estava toda a gente a ouvir. E de facto ele tinha razão.

●Depois daquela primeira vez em que tocaram juntos, quando é que perceberam que podiam formar uma dupla?

M.L.: O primeiro concerto correu bem e nós achámos que poderíamos tocar mais.

P.B.: Se calhar não dissemos um ao outro, mas pensámos que era bom, gostá- vamos um do outro. Isso é importante. É difícil fazer música com quem não se gosta.

●Em que momento é que o Bernardo Sassetti passou a fazer um trio convosco?

M.L.: Eu tocava com o Bernardo com regularida­de. Tínhamos gravado dois discos. O António Cabrita, por saber disso, achou engraçado fazer um concerto em que uma parte era eu com o Bernardo e a outra nós os dois. A Olga Carneiro, nossa agente, disse: «Giro, giro, era os três.»

●Na altura, esses concertos tiveram tanto sucesso que ficou a sensação de que passaram anos a tocar juntos. M.L.: Aquilo foi um fenómeno, lembro-me de que logo na primeira vez fizemos logo três datas. Pôs-se [os bilhetes] à venda e zum! «Ah, e tal, será que podiam fazer outro?»E podíamos. Outro à venda e zum!

●O que é que o Bernardo acrescenta­va ao vosso duo?

M.L.: Ele tinha um fascínio pelo absurdo.

P.B.: De repente, saía-se com uma frase, um pensamento que não tinha nada que ver com aquilo de que estávamos a falar.

M.L.: Quando chegámos à Sala São Paulo, no Brasil, a sala era imponente, com carisma. E estavam três pianos de cauda maravilhos­os no palco. O diretor não estava e fomos recebidos por alguém em substituiç­ão dele, com deferência. O Bernardo avança para o piano e a primeira coisa que toca, com um ar sério, éo Balade pour Adeline, do [Richard] Clayderman. Ele adorava provocar. P.B.: Mesmo nos concertos, nos improvisos, na maneira como tocava, no que dizia. Nunca sabíamos o que iria sair dali.

●A notícia da morte dele foi um choque?

P.B.: Então não foi?! Para todos.

●Durante um tempo os vossos espetáculo­s ficaram em banho-maria. Foi um luto?

P.B.: Não, embora tivesse de haver sempre um luto. Não iríamos tocar no mês seguinte.

M.L.: Nessa altura, não andávamos a tocar os dois em mais lado nenhum aà parte do trio. Mas de uma forma ou de outra aconteceri­a ter de dar ali uma pausa.

NO MEIO DISTO TUDO, O PEDRO ESTEVE DEZ ANOS DEDICADO À CASA DA MÚSICA, NO PORTO. SE TIVESSE DE COMPARAR ESSE TEMPO A UMA OBRA QUE JÁ TENHA TOCADO QUAL SERIA?

M.L.: UMA MUITO DIFÍCIL! [ RISOS]

P. B.: FOI MUITO MAIS DIFÍCIL DO QUE QUALQUER OBRA. A CASA DA MÚSICA FOI UMA AVENTURA INESPERADA. VINHA DE UMA TOURNÉE NA ÁFRICA DO SUL, CHEGUEI E TINHA O [ENCENADOR] RICARDO PAIS À MINHA ESPERA EM CASA, NA ALTURA DA PRIMEIRA COMISSÃO INSTALADOR­A DO PORTO 2001. DEMOREI MUITO A DIZER QUE SIM. FINALMENTE DISSE, CONVENCIDO DE QUE ERA UMA OPORTUNIDA­DE FANTÁSTICA PARA A CIDADE E PARA A MÚSICA.

FOI O PEDRO QUE BATIZOU A CASA DA MÚSICA?

P. B.: FUI. HOJE PARECE EVIDENTE, MAS NA ALTURA QUANDO SUGERI TODA A GENTE ACHOU UM DISPARATE. HOUVE QUEM QUISESSE CHAMAR-LHE PALÁCIO DA MÚSICA. AÍ É QUE EU FUI AOS ARAMES! PALÁCIO DA MÚSICA?! A IDEIA DA CASA DA MÚSICA FOI SEMPRE

TER UMA RELAÇÃO PRÓXIMA COM AS PES SOAS E AS VÁRIAS MÚSICAS. PALÁCIO NÃO FAZIA SENTIDO NENHUM!

NA ALTURA, ENTROU EM CHOQUE COM RUI RIO [EX-PRESIDENTE DA CÂMARA MUNICIPAL DO PORTO] QUE AGORA É LÍDER DO PSD. E SE ELE VIER A SER PRIMEIRO-MINISTRO?<

P. B.: NÓS NO PORTO FICÁMOS A CONHECÊ - LO. AGORA O PAÍS FICARÁ A CONHECÊ-LO E JULGARÁ. SE ACHAR QUE É A PESSOA CERTA, VOTARÁ NELE. EU ACHO QUE É UMA ESPÉCIE DE CAVACO 2.0. SÃO PES SOAS QUE TÊM UM MUNDO INTELECTUA­L MUITO BEM DEFINIDO. ALIÁS, O CAVACO DIZIA — E O RIO É MUITO DESSA SENDA — « NUNCA ME ENGANO E RARAMENTE TENHO DÚVIDAS » . QUANDO AS PESSOAS TÊM UM MUNDO FECHADINHO E QUE LHES BATE CERTO, ACHAM QUE TÊM COISAS PARA FAZER PELOS OUTROS. « É EVIDENTE QUE ISTO É ASSIM, PORQUE É QUE OS OUTROS NÃO VEEM? » DÁ - LHES FORÇA, POLITICAME­NTE.

●A única vez em que se envolveu diretament­e na política foi como mandatário da juventude de Jorge Sampaio numa campanha presidenci­al. O que é que o levou a apoiá-lo?

P.B.: É uma pessoa extraordin­ária. Eu conhecia o trajeto político dele e acho-o um político exemplar.

●Os dois são mais próximos da esquerda. Que opinião têm da geringonça? M.L.: Uma das coisas mais diferencia­doras entre o governo anterior e este é que se passou a falar em pessoas. Estivemos seis anos a ouvir falar em números. Economicam­ente, a coisa tem funcionado e as pessoas estão com um ar aliviado. Há coisas que eles fazem com as quais eu não concordo. Acho que o facto de só o PS governar e os outros não estarem no governo acabou por ser a melhor opção. Chamam a atenção para coisas que mais ninguém chamaria.

P.B.: De acordo. Funcionará até um dia. Mas que é uma experiênci­a interessan­te, é. Eu diria que a sua continuida­de está mais nas mãos do PCP. Se o PCP decidir que não é por aí, a geringonça acaba. Mas aí o Costa, que é muito hábil, agradecerá [ter pela frente] o Rui Rio – será mais fácil entender-se com Rio do que com Santana Lopes. A política é sempre feita das circuns- tâncias e das oportunida­des do momento. Estou curioso para ver como é que o Rio se vai posicionar.

●Tanto o Pedro como o Mário optaram por viver em aldeias: o Pedro em Nogueira, na Maia, o Mário em Colares. Precisam de um certo distanciam­ento para tocar?

P.B.: Vivo na Maia desde os 9, 10 anos. Como cresci sempre num ambiente muito tranquilo, de muita paz, era incapaz de viver no meio da cidade. Adoro a cidade, mas não viveria ali.

M.L.: Eu sempre vivi na cidade e ia de férias para o Magoito. Tive uma infância muito feliz. Fiquei com vontade de ir para onde era feliz. Arranjei uma casa e gostei de viver ali. Gosto muito de estar fora da confusão. Posso tocar às quatro da manhã. Não crio problemas com os vizinhos, só com as pessoas que lá moram em casa.

●Às vezes há protestos?

P.B.: Às vezes, estou lá em cima a estudar e oiço: «Ó Pedro, já chega disso!» Ou a minha filha: «Ó pai, já não posso ouvir isso!»

M.L.: Houve uma peça minha que eu demorei muito tempo a estudar. A Francisca, minha mulher, dizia: «Já não consigo ouvir isso, tu por amor de Deus tenta estudar até eu chegar a casa...» [ risos] Mas estou a ser injusto para porque ela é minha fã. Apoia-me imenso. Na realidade, ela sente falta de uma outra coisa: de ouvir música em casa. [Às vezes] eu passo todo o dia a ouvir música, numa de trabalho, e quando ela chega, paro e penso: que bom o silêncio. Se ela põe uma música, eu digo: «Não, agora deixa estar assim em silêncio...» P.B.: Isso é verdade. Eu oiço pouca música. Oiço quando tenho de ouvir.

OS DOIS TIVERAM FILHOS CEDO E AGORA TÊM PEQUENOS. TÊM RELAÇÕES DIFERENTES COM OS MAIS VELHOS E OS MAIS NOVOS?

P. B.: UMA CRIANÇA PÕE- NOS SEMPRE MAIS NOVOS. FUI A ÚLTIMA VEZ PAI AOS 50, QUASE.

M.L.: EU AOS 47.

P. B.: PARA JÁ APRECIA -SE DE OUTRA FORMA. AOS 20 E TAL NÃO SE APRECIA. OLHA -SE PARA O SER HUMANO DE OU- TRA FORMA, DÁ -SE MAIS EM RETORNO. E REJUVENESC­E-SE.

TODOS SE INTERESSAR­AM PELA MÚSICA?

P.B.: TODOS GOSTAM. UNS ESTÃO A ESTUDAR, MAS AINDA SÃO PEQUENINOS... TÊM QUE IDADES?

P.B.: 20, 14, 12 E 4, A PEQUENINA.

M.L.: 31, 29, 11 E UMA NETA COM

2 ANOS E MEIO.

P. B.: OS MEUS DOIS DO MEIO ESTÃO NA MÚSICA, UM NO PIANO, O OUTRO NO VIOLONCELO.

É MUITO CRÍTICO?

P.B.: SOU. ELES DETESTAM. A MINHA MULHER DEPOIS COMPENSA BEM E EU JÁ TRAVO, MAS É HORRÍVEL. DIGO COISAS DO TIPO: « ISSO ESTÁ UM HORROR. NÃO ESTUDASTE? PORQUÊ? ESTÁ UMA DESAFINAÇíO... QUE DISPARATE! PENSA! » SOU MESMO MAU.

M. L.: A INÊS [PIANISTA], QUE TEM 29 ANOS, JÁ É UMA MULHER. EU ACHO QUE FUI HIPERCONST­RUTIVO COM ELA, MAS ELA NO OUTRO DIA DISSE QUE EU NUNCA LHE DEI UM ELOGIO SEM DIZER UM «MAS » ( RISOS).

●O que é que fazem juntos? O Mário gosta de pescar, o Pedro gosta de futebol e o Mário gosta de ver o Pedro ver futebol.

M.L.: Eu também gosto de ver futebol. Tenho pena de não ter um bocadinho mais daquela loucura clubística. É uma coisa tribal. Dizer asneiras? Gritar? Qual é o problema? Há um lado contagioso. Se eu estiver a ver um jogo do Porto contra uma equipa qualquer de fora, de repente estou a gritar. Gosto mais de ver um jogo de futebol com o Pedro do que sozinho.

●O Mário é do Belenenses.

M.L.: Sim. Não podia sofrer muito com o futebol.

P.B.: Eu sou muito básico com o futebol: sou sócio, os meus filhos são sócios desde que nasceram, vão comigo ao futebol, faço toda a educação portista. Sou como em mais nada: sectário, parcial.

●Ainda ficam nervosos quando vão tocar?

P.B.: Claro!

M.L.: Sim! Eu fui criando pequenos rituais que me ajudam a fazer o percurso até ao palco. Não sou fumador no dia-a-dia, mas antes de um concerto gosto imenso de fumar um cigarro. Lavo

1989-2018: 29 anos separam estes dois momentos. A fotografia de baixo foi captada no Grande Auditório da Gulbenkian, em Lisboa, a 14 de janeiro. No dia 3 levam o espetáculo à Casa da Música, no Porto.

os dentes, faço mais não sei o quê... Há todo um processo que tem de seguir uma certa ordem.

P.B.: Não tenho superstiçõ­es nenhumas. ●Tem fé?

P.B.: Não. Que me perdoem as pessoas com fé, mas a única coisa em que eu tenho fé é no Futebol Clube do Porto [ risos] Não concebo a hipótese de acreditar porque sim, a não ser no futebol. A fé é uma coisa, o lado espiritual, metafísico, religioso é outra. Isso existe, faz parte da minha equação enquanto pessoa.

QUANDO VÃO A UM CONCERTO, CONSEGUEM APROVEITAR COMO OS OUTROS, QUE NÃO SÃO MÚSICOS?

P.B.: DEPENDE DO CONCERTO.

VÃO A GRANDES CONCERTOS DE ROCK? P.B.: JÁ NÃO. É MUITO BARULHO.

M.L.: EU NÃO GOSTO DA CONFUSÃO.

HÁ ALGUÉM QUE GOSTASSEM DE VER? P.B.: GOSTAVA DE VER O [BOB] DYLAN, QUE VEM AGORA. VEM A BJORK A PAREDES DE COURA.

M.L.: EU GOSTAVA DE VER O STEVIE WONDER.

P.B.: ELE AINDA TOCA?

M.L.: TOCA! TOCA E CANTA MUITO BEM! É INCRÍVEL. NO OUTRO DIA, A VER UM CONCERTO DELE NO YOUTUBE, PENSEI: «GOSTAVA DE VER UMA COISA DESTAS.»

●O que é que vos falta e apetece fazer juntos daqui para a frente?

P.B.: Temos estes concertos agora, vamos à Colômbia, ao Brasil, a Washington, na expetativa de que umas coisas gerarão outras e que há futuro para nós tocarmos. M.L.: Quando o Pedro me acompanhou no exame, se me dissessem que eu iria tocar com ele, também ficaria encantado. Acho que tenho tido muita sorte, faço coisas de que gosto. Enquanto nos divertirmo­s tanto e houver pessoas para nos ouvir, vamos tocando.

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Em 1994, Laginha e Burmester gravaram o álbum Duetos. Treze anos depois juntou-se Bernardo Sassetti e formaram Os Três Pianos. O trio fez cerca de dez concertos em Portugal e no Brasil, com salas sempre esgotadas. A morte inesperada de Sassetti, em...
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