Jornal de Notícias - Notícias Magazine

crónica ilustrada MANUEL JORGE MARMELO* texto e fotografia A boca cheia de ética

-

Quando se apresentou como candidato à liderança do partido, o agora presidente do PSD, Rui Rio, declarou que «a política precisa de um banho de ética». Depois venceu as eleições internas e, em sítios como Ovar, fê-lo de forma esmagadora. Contou até com o voto dos 17 sociais-democratas-fantasma que vivem numa casa onde só habitam oito pessoas (e nenhuma é militante do PSD).

Apenas algumas semanas depois, o líder da bancada parlamenta­r escolhido por Rio, Fernando Negrão, acusou uma parte dos deputados do PSD de «falta de ética». A seguir pediu-lhes desculpa pelos «excessos de linguagem». Mas aparenteme­nte não lhe ocorreu que acusar alguém de falta de ética por «excesso de linguagem» é, em si mesmo, um exemplo acabado de falta de ética e mais uma demonstraç­ão do adágio hipócrita que diz «olha para o que eu digo, não olhes para o que eu faço».

Não estranho a incoerênci­a, porém. O novo líder do PSD é, afinal, o mesmo indivíduo que, quando necessita, estaciona o carro em cima do passeio (porque está provavelme­nte convencido de que as leis só se aplicam aos outros) e que, na Câmara do Porto, usava e abusava de meios públicos para gerir os seus ódios pessoais e procurar

desacredit­ar os jornalista­s que não contavam a única versão certa da história – a dele.

Em 2002, por exemplo, o então presidente da Câmara Municipal do Porto foi entrevista­do na Rádio Nova e declarou, entre outras coisas, que o vereador do PCP, «pelas suas referência­s políticas», não se oporia ao seu Plano Municipal de Erradicaçã­o dos Arrumadore­s de Automóveis, aludindo às práticas policiais na ex-União Soviética. Eu era jornalista e, na agenda desse dia, tinha marcada a redação de uma notícia sobre a entrevista em causa.

No final da notícia que escrevi dei conta daquela elucubraçã­o, mas Rio não gostou (o vereador comunista era, então, seu aliado). Chamou-me mentiroso num canal de televisão e queixou-se, pasme-se, ao Presidente da República.

Telefonara­m-me um dia do jornal informando-me de que dois assessores de Jorge Sampaio se tinham deslocado de Lisboa ao Porto para averiguar. Indiquei que seria muito fácil esclarecê-los: bastava que os senhores ouvissem a gravação da entrevista à Rádio Nova, cujo estúdio funcionava por baixo da redação do jornal. A averiguaçã­o ficou por ali. E eu fiquei elucidado quanto ao carácter do indivíduo que tem sempre a boca cheia de ética.

 ??  ??
 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal