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de maneira que CATARINA PIRES As mulheres são uma maçada

- jornalista

Há uns anos, escrevi um artigo sobre feminismo. Falei com muitas mulheres, entre as quais Simone de Beauvoir, uma das maiores pensadoras contemporâ­neas da matéria. Não falámos pessoalmen­te, porque ela já tinha morrido, mas foi como se falássemos. Li livros que escreveu e entrevista­s que deu, e, embora me irrite que tenha ficado a vida toda agarrada àquele homem, o Sartre, a filósofa francesa mãe-do-feminismo-moderno é uma das minhas referência­s.

Numa entrevista ao Le Monde, dizia que só nos anos 1970 se tinha juntado às jovens feministas francesas, porque a luta destas não passava por quererem tomar

o lugar dos homens, mas sim por mudar o mundo feito por eles. Já estão a revirar os olhos? É que quando se fala em mudar o mundo, há sempre revirares de olhos. E, no entanto, se é de luta pela igualdade que se trata, não há volta a dar, é mesmo preciso mudá-lo. Uma trabalheir­a, eu sei.

Outra coisa de que Simone de Beauvoir falava era das «mulheres-álibi», aquelas que os homens fazem chegar aos lugares de topo para mostrarem às outras que é possível. E assim distraí-las das questões fundamenta­is, como lutar por melhores salá- rios, mais direitos laborais, igualdade de oportunida­des, justiça social e essas coisas maçadoras e gastas, de tantas vezes gritadas por mulheres trabalhado­ras em manifestaç­ões e greves gerais, também maçadoras, sobretudo porque são quase sempre organizada­s por sindicatos e outras organizaçõ­es igualmente maçadoras.

Assunção Cristas, presidente do CDS-PP, disse ao Expresso, no fim de semana passado, que se via como primeira-ministra. Aposto que muitas mulheres, da esquerda à direita, gostariam de vê-la ocupar o lugar. Como se, por si só, a chegada de uma mulher ao cargo de primeira-ministra fosse uma vitória da luta das mulheres.

Questionad­o sobre estas declaraçõe­s durante a sua participaç­ão na Manifestaç­ão Nacional de Mulheres de 10 de março, Jerónimo de Sousa, secretário-geral do PCP, respondeu que as mulheres importante­s estavam ali [na manifestaç­ão], «a lutar pelos seus direitos, por salários e

horários de trabalho mais justos, coisas que não passam pelo congresso do CDS». Ao ouvi-lo, lembrei-me das palavras de Simone de Beauvoir.

Apesar de ter uma mulher aos comandos, mudar o mundo feito pelos homens não me parece ser uma das bandeiras do CDS-PP.

Já os milhares de mulheres e homens que se juntaram à marcha organizada pelo MDM empunhavam essa bandeira. «A igualdade é a razão desta manifestaç­ão», gritou-se naquele sábado, ruas fora.

Sim, há razões para as mulheres se manifestar­em em Portugal. Muitas. Aqui, como em Espanha – onde no dia 8 de março milhares fizeram greve e se manifestar­am na rua pelos seus direitos –, como no resto do mundo. Razões não faltam para as mulheres lutarem. Seria importante que não lutassem entre si.

Se é para fazer livros, então João Paulo Cotrim quer fazê-los bem. «É claro que o mais importante é o conteúdo, mas depois há a oportunida­de de trabalhare­s também o objeto, tornar o livro único. E é isso que estou a aprender, a tornar os meus livros no futuro dos alfarrabis­tas», ri-se. O facto de trabalhar num mercado de nicho ajuda. Desde que fundou a editora Abysmo que o objetivo foi esse: apresentar trabalhos desafiante­s, no texto e na imagem.

Cotrim é um nome incontorná­vel quando se fala da banda desenhada portuguesa. Como jornalista, primeiro, e editor, depois, lançou a nova geração de autores que despontava­m nos anos noventa. «Temos uma tradição muito forte, com nomes como Stuart de Carvalhais, Almada Negreiros e Bordallo Pinheiro, que em determinad­a altura não era valorizada. Depois houve uma geração que se afirmou nos anos 1960 e 1970, na era dourada dos quadradinh­os. Mas deparei-me com uma nova geração de autores que não tinha A editora Abysmo, fundada por ele, acabou de completar o sexto aniversári­o.

onde publicar e foi aí que comecei a sonhar em montar uma editora.»

Criou uma revista para albergar tanto talento, a LX Comics. Em 1996 assumiu o comando da Bedeteca de Lisboa e começou a publicar e montar exposições para autores que são hoje figuras maiores da ilustração: Cristina Sampaio e Jorge Colombo, Nuno Saraiva e António Jorge Gonçalves – mais tarde João Fazenda e André Carrilho. Agora, na Abysmo, juntou ao rasgo dos desenhos o das palavras. No catálogo tem nomes como Valério Romão, Sérgio Godinho, António Araújo, Ferreira Fernandes ou Adolfo Luxúria Canibal. Obras para sobreviver ao tempo.

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São sete dezenas de livros os que publicou com a chancela da Abysmo.

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