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JORGE CABRAL

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«Este candeeiro que temos na sala com o Pinóquio pendurado tem um significad­o especial. Costumava ler muitas vezes esta história ao Sérgio antes de dormir. Um pai que, como não tinha filhos, decidiu criar o seu. É uma boa metáfora para nós », diz Jorge Cabral, de 46 anos.

Sentamo-nos para conversar e o filho, Sérgio, de 11 anos, fica por perto, no telemóvel. Ouve a conversa, intervém uma ou duas vezes e a certa altura traz o livro que o pai acaba de mencionar. É um rapaz tranquilo. E está a ouvir a sua história. A história da família que se formou há sete anos.

Jorge sempre soube que queria ser pai, e, ter uma família, foi uma das razões pelas quais demorou a assumir, perante si e os outros, a homossexua­lidade. «Assumi aos 24. Até essa idade, queria ser outra pessoa.»

O ambiente da faculdade, novos amigos, apaixonar-se e o apoio da família foram determinan­tes.

Quando assumiu uma relação mais séria com Pedro (estão juntos há dez anos), a ideia de adoção começou a ganhar forma. Impedidos por lei de o fazer enquanto casal, Jorge deu entrada dos papéis para a adoção monoparent­al. Na altura, vivia em Lisboa (hoje, vive em Almada) e os processos desenrolav­am-se por área de residência. Estava preparado para enfrentar três anos de burocracia­s. Teve uma agradável surpresa. «Demorou cerca de ano e meio, foi muito mais rápido do que esperava. Não fiz nenhum pedido especial. Pedi um filho saudável até aos 4 anos. E o Sérgio tinha exatamente essa idade.»

Seguiram-se várias avaliações ao longo de seis meses. «Há um processo rígido, pelo qual os pais biológicos não passam, para ver se estamos realmente preparados.» Durante este tempo, Jorge nunca referiu o facto de ser homossexua­l. «Sabia que era uma questão eliminatór­ia. Conhecia histórias de pessoas que tinham sido excluídas e preferi não correr esse risco.» Na altura, Jorge e Pedro já estavam juntos há anos mas o companheir­o foi dado como «amigo da família». Após a avaliação da capacidade e idoneidade para adotar, seguiu-se um ano até ao tão esperado telefonema. «Quando ouvimos que há uma criança para nós,

o coração salta-nos da boca.»

Desde o primeiro minuto que Sérgio tratou Jorge por «pai». Nos primeiros meses, por ainda estarem em processo de avaliação, Jorge e Pedro preferiram não contar ao filho que eram um casal. Aos poucos, foi-lhe mostrando livros de vários tipos de famílias para o preparar. E ele foi percebendo. «Falei com ele dois meses depois. Era o amigo Pedro, mas eles já tinham criado uma ligação forte, eu não queria mentir ao meu filho. Então disse-lhe ‘o pai teve de ir sozinho buscar-te mas

o Pedro também é teu pai. E ele respondeu ‘está bem’.»

A partir daí, tornaram-se a família que são hoje.

Na escola, já enfrentou todo o tipo de reações. Já lhe disseram: «tens muita sorte, tens dois pais e eu só tenho um» ou perguntam onde está a mãe. Passou também por situações de racismo. «Acho que sofreu mais pela cor da pele do que por ter dois pais. Quando brigava com alguém chegavam a chamá-lo de ‘preto’. Nesses casos, o meu filho sabe defender-se. Sempre o preparámos para as situações e tentámos antecipá-las para que não estranhe. Mas ele também é um miúdo sociável, de quem toda a gente gosta.» Jorge sempre foi o «pai das regras», porque acha importante que estas existam, «é uma segurança para as crianças».

A partir do momento em que se tornou pai, Jorge assumiu a sua identidade sem medo e começou a dar a cara pela adoção de casais do mesmo sexo. E a encarar a adoção como o caminho e não uma condição. «Quando me dizem "é o teu filho adotado?" Não, é o meu filho, ponto.»

Em fevereiro de 2016, o ex-presidente Cavaco Silva foi obrigado pelo Parlamento a promulgar a lei da adoção por casais homossexua­is. Era uma vitória inesperada. «Nunca pensámos que a lei fosse aprovada já.» Até aí, Sérgio tinha dois pais em casa, um no papel. Agora, o menino que gosta de andar a cavalo e de ir ao teatro já tem no cartão de cidadão o nome dos dois homens que lhe deram um lar.

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