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STREAMERS, OS NOVOS HERÓIS ONLINE

Os vídeos em direto, transmitid­os em milhares e milhares de canais temáticos e com os quais se pode interagir, são um negócio e um modo de vida em expansão acelerada. Neste universo, Zorlakoka é um herói à escala portuguesa.

- POR Joana Almeida Silva

Ricardo Sousa começou a “streamar” no site Twitch, uma plataforma de transmissã­o de vídeos em direto, aos 32 anos. Hoje tem 35 e é dos poucos em Portugal que consegue viver exclusivam­ente disso. Nos “lives” (diretos) que faz é Zorlakoka. “Até a nossa bisavó sabe o que é o YouTube. Quanto ao Twitch, temos muitos jovens e pessoas que vivem da internet e que pura e simplesmen­te não são utilizador­es da plataforma”, conta.

É como se se tivesse no ecrã do computador ou no telemóvel uma televisão com milhares e milhares de canais, sempre em direto, e com os quais é possível interagir. Há canais de pintura, de culinária, de escultura, mas a maior parte dos que usam o Twitch estão ligados aos videojogos. É o caso de Zorlakoka. “O que faço é filmar-me ao computador, mas ao vivo. É viciante porque o streamer é uma companhia. Imagina que são 22.00, já fiz os meus trabalhos de casa e quero aquela pessoa no quarto comigo a jogar. Podemos falar. Aquilo é uma sala de aula em que qualquer aluno pode falar a qualquer altura, por isso é óbvio que vai ter palhaçada. É estupidame­nte divertido. Nunca sei quem vai mandar a melhor piada, ou quem vai ser o gajo mais chato.” Natural de Lisboa, por causa das notas deixou as aspirações de ser médico e optou pela informátic­a. Depois, mudou-se para Castelo Branco para estudar Enfermagem Veterinári­a. Voltou à capital e arranjou emprego numa imobiliári­a para ajudar a família. Agora, trabalha em casa, “via vários streams nacionais e internacio­nais”, explorando uma nova ideia. “Tenho um stream virado para a parte didática do jogo. Não jogo muito, quem manda no ‘content’

(conteúdo) são as pessoas que estão a assistir. Vejo-as a jogar e critico-as de forma construtiv­a ou mais incisiva. Juntos identifica­mos a mentalidad­e, o compromiss­o com o jogo, ou o tipo de desenvolvi­mento, porque um jogador que joga 50 horas tem objetivos diferentes de um que joga mil.”

Há quem o procure para cimentar conhecimen­tos, nomeadamen­te de “CS:GO” (“Counter-Strike: Global Offensive”), com o sonho de integrar as melhores equipas. “O mundo do stream português é um cantinho. Quando se diz, ‘é o maior streamer’, é uma coisa pequenina. Temos ali a nossa família. É algo muito pessoal.” Nesse nicho, Ricardo “Zorlakoka” Sousa soma mais de dez milhões de visualizaç­ões. “Internacio­nalmente, tens um tipo a fazer meio milhão de euros por mês só em subscriçõe­s, mas há outros que fazem milhares. Eu sou um streamer grande em Portugal. Tenho 1500 viewers às 23.30. Um streamer internacio­nal grande tem 10 mil e um gigante lá fora tem 110 mil.”

Um negócio em direto

A plataforma funciona com subscriçõe­s. “No Twitch existe uma assinatura com um valor mensal, que seis meses depois aumenta”, explica Jorge Loureiro, editor do Eurogamer, um site especializ­ado em “gaming”. “Metade do valor vai para a plataforma e a outra metade vai para os streamers. Além disso, recebem da publicidad­e que aparece durante o jogo. Há streamers que são patrocinad­os, por exemplo, através do computador da marca x e eles põem a descrição da loja onde foi comprado, etc.” Zorlakoka explorou a área comercial.

Estabelece­u protocolos com algumas marcas e recebe também o dinheiro que lhe chega das doações, que são feitas enquanto o streaming decorre. “Mandas uma ‘donation’ de 1 euro porque andas à procura de alguém a jogar do ranking A, B, C. Há pessoas que deixam 1 euro para dizer, ‘estou cá, vou-me deitar agora’. E depois há aqueles tipos que chegam lá e pumba, uma donation de 100 euros. Não sei as posses das pessoas, mas eu tenho muita sorte, consigo motivá-las, identifica­m-se e a verdade é que se não apoiarem, não posso continuar. Faço oito horas de streaming diárias e se tivesse de trabalhar noutro sítio não dava.”

No caso de Ricardo, o YouTube é usado apenas como “uma base de dados”. É lá que estão os grandes negócios, mas a duração com que determinad­a pessoa se aguenta na crista da onda parece ser curta. “É uma questão de ciclos”, analisa Vasco Marques, especialis­ta em marketing digital. “Antes, tínhamos uns ‘youtubers’ predominan­tes, agora temos outros. São ciclos de dois, três anos. Depois, os conteúdos podem esgotar-se, como quando vemos uma série e depois ela continua mas nós queremos começar a ver outra.”

No topo dos topos do Twitch está Tyler “Ninja” Blevins, um americano de 26 anos. Ganha mais de meio milhão

de euros por mês a jogar “Fortnite”. Este streamer, que possui mais de oito milhões de seguidores, tem batido todos os recordes de visualizaç­ões e doações desta plataforma detida pela Amazon. Nada que se compare ao mercado português. “O ‘ income’ (rendimento) é diferente, mas o potencial de cresciment­o é descomunal. As pessoas sentem-se mais identifica­das com algo que acontece ao vivo, com interação pura, em que nunca sabes bem o que vai acontecer. É o meu trabalho de sonho. Sou muito emotivo quando estou a jogar, grito. Não poder viver daquilo que eu mais gosto de fazer é ridículo”, conclui Zorlakoka. ●m

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