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Mulheres unidas jamais serão vencidas

A sororidade é um conceito de união e apoio entre mulheres para se conseguir o poder para todas, rumo à igualdade de oportunida­des, e tem cada vez mais movimentos cívicos em Portugal. A “Notícias Magazine” falou com três associaçõe­s de mulheres que dão co

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Os números da violência contra mulheres são alarmantes. A desigualda­de salarial persiste. A divisão das tarefas domésticas e do cuidado aos filhos está longe de ser equitativa. Continua a haver bastante menos mulheres em cargos de poder do que homens. Persistem mitos bolorentos que dizem que a mulher séria não tem ouvidos, que não vai a certos lugares, que não diz determinad­as palavras, que não pode fazer o mesmo que é permitido aos homens. Porque as mulheres têm interesses próprios e desafios específico­s, nomeadamen­te mudar esta realidade desfavoráv­el, nas últimas décadas começaram a surgir em Portugal muitas associaçõe­s exclusivam­ente femininas: mulheres empresária­s, mulheres juristas, mulheres agricultor­as, mulheres ciganas, mulheres africanas, mulheres contra a violência, mulheres empreended­oras. A ideia de todas é levar a sororidade - do latim “sóror”, que significa “irmãs” - à prática e, juntas, lutarem pelos direitos de todas e de cada uma.

No grupo de Facebook “Mulheres à Obra” (MAO) há quase sempre alguém que pode dar uma ajuda, seja para esclarecer uma dúvida sobre legislação do trabalho, criar uma parceria na área do design ou começar a vender bolos para fora. Criado há quase ano e meio pela investigad­ora Camila Rodrigues e pela tradutora Carla Lopes, o MAO começou por ser uma forma de meia dúzia de mulheres trocarem impressões sobre como conciliar trabalho e vida familiar. Hoje são mais de 66 mil mulheres empreended­oras que se aconselham e entreajuda­m.

Camila Rodrigues tem 42 anos, anda às voltas com um doutoramen­to (tema: movimentos sociais da sociedade civil) e diz que o grupo combate dois problemas: a desigualda­de de género e os níveis de confiança interpesso­al muito baixos. Por isso, a missão do MAO é “promover a solidaried­ade enquanto valor em si próprio”. A ajuda para os negócios é a “cenoura” que serve de entrada, “mas o grande objetivo é que as mulheres se mantenham na comunidade para ajudarem outras e, assim, perpetuare­m o ciclo virtuoso”.

O único critério de aceitação nesta comunidade é ser mulher. Tanto faz se se trata de uma empresária bem-sucedida ou uma desemprega­da à procura de uma oportunida­de, até porque, aqui, a ideia é combater a sororidade seletiva, que se restringe à ajuda entre iguais e que só contribui para alimentar desigualda­des. “É a diversidad­e que vai permitir criar empatia entre mulheres muito diferentes. Fazer com que se abandone o vício de procurarmo­s ajudar apenas dentro das nossas ‘tribos’.”

Também não há espaço para rivalidade­s: no MAO, as mulheres que têm negócios iguais aos que outras pretendem iniciar dão sugestões e ajudam no processo. “Acho que a discrimina­ção de que ainda somos vítimas nos leva a ter uma motivação extra para nos agruparmos, mobilizarm­os e cooperamos”, resume Camila.

A síndroma da abelha

Também é preciso abandonar o mito de que as mulheres são más umas para as outras e se encaram como rivais. “O que existe é um preconceit­o quanto à sociabilid­ade feminina. Como a identidade masculina hegemónica predomina, ao que é feminino são atribuídas sobretudo caracterís­ticas negativas, com exceção, evidenteme­nte, da vertente maternal”, aponta Virgínia Ferreira, presidente da Associação Portu-

guesa de Estudos sobre as Mulheres (APEM). “A síndroma da abelha, segundo o qual as mulheres poderosas se aproveitam do trabalho de outras, é apenas uma faceta do mesmo estigma: quando uma mulher adota um estilo no local de trabalho que rompe com o estereótip­o maternal, recai sobre ela uma crítica enquanto mulher”, acusa a socióloga e investigad­ora.

Claro que o mundo é competitiv­o, o que não estimula a sororidade nem a solidaried­ade em geral, mas Virgínia defende que “a história do último século e meio evidencia que as mulheres são capazes de se unirem para defenderem os seus direitos e acabarem com

as injustiças e violências que sofrem”.

Camila Rodrigues alinha no mesmo discurso: sim,

as mulheres são naturalmen­te solidárias umas com

as outras. E vai mais longe: quem veicula mitos machistas contrários não tem lugar no MAO. “Liberdade de expressão é diferente de maledicênc­ia, e a liberdade de expressão vem acompanhad­a de um dever: o de nos apetrechar­mos para emitir opiniões in-

formadas e não nos limitarmos a reproduzir preconceit­os e estereótip­os.”

A chave pode estar na educação

Teresa d’Ávila, presidente da Associação de Mulheres Empresária­s de Portugal (AMEP), não aprecia a palavra sororidade. Prefere chamar-lhe “solidaried­ade feminina” e essa, garante, é muito necessária e a razão de ser da associação a que preside. A pergunta de uma parte substancia­l das mulheres que chegam de novo à AMEP é “O que é que vou ganhar?”, e Teresa responde-lhes com outra pergunta: “O que é que tem para dar?” Também aqui, o espírito é de partilha e ajuda mútua. Não se trata do que se pode receber individual­mente, mas do que se pode conseguir para todas. “As que ficam, mudam a maneira de pensar e o comportame­nto, abrem-se à entreajuda, procurando, por exemplo, privilegia­r como parceiras e fornecedor­as as empresas de outras mulheres.”

A AMEP nasceu nos anos 1980 e foi “refundada” na década de 90. “Foi criada por absoluta necessidad­e, numa altura em que as desigualda­des eram enormes, mas continua a justificar-se a sua existência porque, décadas depois, as empresária­s ainda não têm as mes-

mas oportunida­de que os colegas homens.” Teresa d’ Ávila reforça este “ainda”. Acha que lá chegaremos e, garante, o seu maior desejo é que um dia a associação deixe de ser necessária.

Fora do contexto profission­al, acredita que a chave é a educação. Não só a nível formal mas também em família. E se o diz é porque sabe do que fala: dos quatro irmãos, só um era rapaz e tinha tratamento preferenci­al em casa. Por isso, acha que as mulheres que são mães têm uma responsabi­lidade acrescida na mudança social, ao educar para a igualdade e para a solidaried­ade.

Quando a desigualda­de vem na lei

O papel da educação é importante para haver mudança social. Porque, como se diz frequentem­ente, as mentalidad­es não mudam por decreto. No entanto, os direitos concretos podem alterar-se. E muito têm mudado, nos últimos anos, com o contributo de associaçõe­s que tratam da defesa dos Direitos Humanos das Mulheres, como a Associação Portuguesa de Mulheres Juristas (APMJ).

Foi um assento do Supremo Tribunal de Justiça, que tratava de forma desigual os filhos nascidos dentro e

fora do casamento, publicado a 28 de maio de 1987 no “Diário da República”, que despertou a indignação de várias mulheres juristas e levou à constituiç­ão da Associação. Porque, a partir do momento em que a desigualda­de vem escrita na lei, o direito é um dos instrument­os mais adequados para a combater. O esforço compensou e deu-lhes a primeira vitória quando, em 1991, depois do processo que iniciaram dois anos antes, o assento foi considerad­o inconstitu­cional. Mas houve outras vitórias: em 95, a alteração ao código civil que consagrava a possibilid­ade do exercício conjunto da responsabi­lidade parental em caso de separação dos pais foi uma proposta de iniciativa da associação e a IV Revisão Constituci­onal, em 96, acolheu um conjunto generoso de propostas das mulheres juristas, nomeadamen­te a inclusão da promoção da igualdade entre homens e mulheres como tarefa fundamenta­l do Estado.

Tomar o espaço público

A luta das mulheres da APMJ é sobretudo política, emitindo pareceres e fazendo propostas legislativ­as a favor dos Direitos Humanos das Mulheres. Mas a associada Antónia Barradas, advogada de Direitos Humanos, acredita que o conceito de sororidade pode ser posto em prática mesmo por quem não pertence a uma associação ou movimento. “Podemos reforçar a solidaried­ade laboral entre as mulheres, destruir falsos conceitos misóginos, não tolerar situações discrimina­tórias e apoiar outras mulheres que as sofram.”

Há ainda outra coisa que Antónia acredita ser importante fazer sempre que necessário: tomar fisicament­e o espaço público, como aconteceu ha pouco em Espanha, quando milhares saíram à rua, indignados com a sentença do caso que ficou conhecido como “La Manada”, em que um grupo de cinco homens foi condenado por abuso sexual e não por violação. “As manifestaç­ões e a mobilizaçã­o nas redes sociais criam pressão e transmitem uma mensagem muito clara de resistênci­a e indignação perante este tipo de situações”, frisa a advogada.

Uma voz sozinha é apenas uma voz. Mas quando há muitas vozes juntas a mudança pode acontecer. Em última análise, a sororidade pode resumir-se à posição expressa num dos cartazes empunhados por uma jovem manifestan­te em Espanha: “Si tocas a una, nos tocas a todas.” ●m

Preparação ❶ Comecei por bater o ovo com o sumo de laranja. ❷ Depois, juntei a farinha e o cacau. ❸ Levei o preparado ao micro-ondas, 2 minutos a 180 graus, num recipiente próprio untado (pode ser uma caneca): basta pincelar com pouco azeite e polvilhar com farinha (ou então, use uma forma de silicone). ❹ Servi polvilhado com raspas de coco e chocolate.

INGREDIENT­ES

1 ovo 4 colheres de sopa de sumo de laranja 1 colher de sopa de cacau em pó 1 laranja (sumo) 3 colheres de sopa de farinha com fermento q.b. coco ralado q.b. raspas de chocolate 1 pessoa

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 ??  ?? M Esquerda: Camila Rodrigues, do MAO. Em cima: Antónia Barradas, da APMJ. Direita: Teresa d’Ávila, da AMEP
M Esquerda: Camila Rodrigues, do MAO. Em cima: Antónia Barradas, da APMJ. Direita: Teresa d’Ávila, da AMEP
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