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O SENHOR DOUTOR DO BANCO DE PORTUGAL
Quem o visse a uma certa distância, e foi o meu caso, em que passei da audição honesta a um princípio de desprezo e, depois, à mais inquietante vontade de rir, quem visse no tribunal o senhor doutor Luís do Banco de Portugal só podia apreciá-lo. Tudo lhe caía bem: fato, relógio, magreza de ginásio antes das sete da manhã, um misto de queixo masculino com olhinhos de amanuense. Ele sabe fazer contas atrás daqueles óculos.
O balancete do crime do doutor Luís já ia a meio — já respondera como arguido — e a história faz agora quatro anos. A 3 de Agosto de 2014, um domingo, o Banco de Portugal decretou a resolução — é aborrecido voltar a isto, leitor lesado... — do BES. O Banco Espírito Santo foi separado em “banco bom” e “banco mau”, nacionalizado, as acções e os depósitos suspensos. Toda a gente perdeu nesse dia. Toda? Não. Uns poucos muitos souberam antes. No dia 1, sexta-feira, o Banco Central Europeu fechara a torneira da assistência líquida de emergência ao BES, condenando-o à insolvência. Logo depois chegou ao computador do doutor Luís a mensagem cifrada: “Plano B, OSC 2.” Não era a invasão/libertação da Normandia, não era a anexação da Ucrânia. Sabe-se lá que mistério deu na cabeça do doutor Luís do Banco de Portugal, porque nesse mesmo dia vendeu as acções de 9 500 euros que detinha... no BES. E como é que ele sabia que “Plano B, OSC 2” significava a resolução do BES e a perda de muitos milhares de milhões? Porque tinha sido nomeado, pouco antes, para a comissão de resolução que ia resolver a iminente falência do banco. O fiscalizador era accionista! E assim salvou o seu dinheirinho e deixou aos tansos dos portugueses acções que não valiam um cêntimo. A resposta da defesa é fixe: não foi uso indevido de informação privilegiada. Foi para não haver no futuro conflitos de interesse. O senhor doutor Luís é uma pessoa honesta. Lindo foi ver, em tribunal, perante uma procuradora irritada, e respondendo à advogada, como os colegas defenderam um absurdo cheio de buracos de memória, como é costume.
— O seu colega, com o grau de informação que tinha, com os conhecimentos técnicos, tinha consciência da iminência da decisão que seria tomada?
— Ele teria que fazer algum tipo de juízo, com o conhecimento que ele tem das coisas, num sentido ou noutro, agora não acho que tenha sido com base nestas informações. Acho que com o conhecimento que ele tinha disto é que alguma coisa ia acontecer, agora se era boa, se era má...
— Passando agora à questão da detenção ou não de acções em Julho e Agosto de 2014. Era ou não era permitido aos funcionários do Banco de Portugal obterem acções das instituições que fiscalizavam?
— Sim. Era.
— As regras não eram proibitivas?
— Não.
— Havia um código de conduta relativamente ao que fazer em situações em que um funcionário fosse chamado a intervir numa instituição de que tivesse acções?
— Não. Eu tinha um background do banco que me levava a entender que... quando se trabalha na supervisão, existe uma relação muito mais próxima com os bancos e é mais fácil de perceber que se calhar não é muito boa ideia deter acções dos bancos que nós fiscalizamos... Mas, mesmo na supervisão, havia às vezes pessoas que detinham acções de bancos.
(“Se calhar não é boa ideia.” Mais uma vez, este país é de malucos.) Entrou Marta, economista. O senhor doutor Luís é “o mais profissional” e amigo dos colegas: — É uma pessoa extremamente responsável e metódica e acho que dá a vida pelo trabalho. Se tivesse que pensar em alguém... quem é que veste mais a camisola... é mesmo o Luís, como ele não conheço ninguém, aliás costumamos brincar com ele, dizemos que ele casou-se com o trabalho, ih, ih.
Também “perfeccionista”, continuou Marta, “muito rigoroso e meticuloso”, amante da família (que afinal “está em primeiro lugar”). Consegue antecipar problemas com bastante rapidez, mas nunca se colocaria num conflito de interesses por 9 500 euros porque “é uma pessoa cheia de princípios.” Parabéns, portanto, ao senhor doutor Luís do Banco de Portugal, que estava indo tão longe, graças a si próprio. Como dizia Grouxo Marx: “Estes são os meus princípios. Se não gostarem... bem, arranjo outros.”