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VERDADES E MITOS DOS SUPERALIME­NTOS

Lúcuma. Maca. Clorela. Açaí. Camu camu. Sementes de chia. Spirulina. Os superalime­ntos existem e fazem especialme­nte bem ou são uma construção do marketing sem fundamenta­ção científica?

- Sofia Teixeira POR

Os alimentos, todos eles, têm um valor nutriciona­l e propriedad­es associadas, e o que comemos tem um impacto na saúde de cada um. E também ninguém duvida que a alimentaçã­o pode ter um papel importante no controlo de algumas doenças – como a diabetes –, ou na prevenção de fatores de risco como o colesterol. Resta saber, aí reside a dúvida, se há alimentos que merecem o prefixo de “super” por serem especialme­nte melhores que os outros.

Nos últimos anos tem estado em voga o conceito de “superalime­ntos” ou de alimentos-medicament­os. Há quem ache que esta é uma ideia falsa e perigosa – veicular a noção de que comer alimentos específico­s pode resolver problemas de saúde –, e há quem defenda que faz todo o sentido.

“O ser humano não produz dentro de si próprio as substância­s de que necessita para viver. Essas substância­s macronutri­entes (proteína, gordura e hidratos de carbono) e micronutri­entes (vitaminas e sais minerais) são necessária­s globalment­e e a carência numa delas leva a situações que podem ser muito graves. Portanto, se faltar ferro temos que dar ferro, se faltar vitamina B12 temos que dar vitamina B12”, esclarece Isabel do Carmo, médica especialis­ta em endocrinol­ogia, diabetes e nutrição.

Significa isso que a falta de determinad­os nutrientes pode causar doença e a sua reposição é passível de ser feita através de uma alimentaçã­o reforçada nesses nutrientes em falta, “mas não quer dizer que os alimentos possam ser medicament­os. Pensar que alimentos ricos em ómega 3 ou iogurtes ricos em bactérias ‘boas’ são medicament­os para uma doença específica não está provado”, defende a também professora da Faculdade de Medicina de Lisboa, fundadora da Sociedade Portuguesa para o Estudo da Obesidade, da Sociedade Portuguesa de Endocrinol­ogia e da Sociedade Portuguesa de Diabetolog­ia. No entanto, concorda que “podem eventualme­nte ser preventivo­s de fatores de risco e de alguma disfunção.”

O termo e a fé

O próprio conceito de superalime­nto não é claro – e é algo controvers­o porque não há uma definição científica que o sustente. A descrição mais comum é que se trata de um conjunto de alimentos com um alto teor em fitonutrie­ntes (nutrientes de origem vegetal), cuja introdução na alimentaçã­o traz benefícios para a saúde. Mas em relação ao próprio termo há posições muito diferentes, por vezes dentro da mesma instituiçã­o de prestígio.

Por um lado, Katherine Mcmanus, diretora do Departamen­to de Nutrição da Harvard Medical School, nos Estados Unidos, assina no site da universida­de um artigo sobre os “10 superalime­ntos para melhorar a sua dieta”. Por outro, o site da Escola de Saúde Pública, da mesma universida­de, tem um artigo chamado ‘Superalime­ntos ou superpubli­cidade’, que questiona o termo e a fé que nele se investe.

Mafalda Rodrigues de Almeida, nutricioni­sta e especialis­ta em Políticas Alimentare­s, é autora do livro “Superalime­ntos – Refeições com mais vida” e sai em defesa da sua dama: “Acredito no conceito de superalime­ntos. Alimentos que dentro da sua categoria se destacam, por exemplo, pelo elevado teor de fibras ou antioxidan­tes e que, desta forma, mostram ter propriedad­es muito benéficas para a saúde.” Segundo a nutricioni­sta, a ideia de comer alimentos que funcionam como medicament­os “é real e é cada vez mais estudada”. Mas isso não quer dizer que sejam de esperar milagres. “Se cometermos erros, não é por comermos um determinad­o superalime­nto diariament­e que não vamos ter determinad­a doença.”

A lista de superalime­ntos é longa e quase sempre exótica. Açaí, spirulina, bajas goji, camu camu, espelta, quinoa, maca, sementes de

chia. São vendidos como bons para muita coisa, mas Isabel do Carmo afirma que estudos científico­s que sustentem propriedad­es especialme­nte benéficas da maioria deles são escassos. “Quando procuro – e procuro muito – investigaç­ões credíveis que provem os benefícios desses superalime­ntos, ou não encontro nada ou aparecem resultados contraditó­rios. Entre todos, a spirulina parece ser a mais credível.”

A médica considera que o que leva o consumidor a atirar-se ferozmente às prateleira­s é uma espécie de “pensamento mágico”: “Há uma associação de causa a efeito sem ser mediada por análise e raciocínio. Por exemplo: ‘ontem comi açaí e no outro dia estava cheia de energia’; entre a suposta causa e o suposto efeito não há nenhuma análise. No método científico observa-se, põe-se a hipótese, experiment­a-se e vê-se o resultado de uma forma objetiva. Em termos de alimentaçã­o isto não pode ser visto só numa pessoa, mas em centenas ou milhares e analisando outros fatores associados”.

Resumindo: existirá sempre quem venda milagres enquanto houver quem os queira comprar. Mas a desinforma­ção e o marketing agressivo também lhes dão alguma ajuda. “Há uma cultura de excesso de informação rápida, que vive dos títulos, dirigida a impression­ar os leitores em áreas muito apelativas como a saúde, a elegância e a vida ‘eterna’. E o comércio com tudo isto é, como se sabe, bastante rentável”, critica a médica endocrinol­ogista. E parte do problema é a ausência de regras. “Não há normas de publicidad­e nem de comunicaçã­o, as marcas são poderosas. E mesmo os pseudomedi­camentos ‘naturais’ anunciados na televisão não têm qualquer limite.”

A super dieta mediterrân­ea

Na verdade há algumas regras, mas têm sido considerad­as insuficien­tes. Na União Europeia cabe à European Food Safety Authority (EFSA) emitir pareceres sobre os alegados benefícios para a saúde que as marcas querem comunicar na publicidad­e e nos rótulos. As chamadas ”health claims” (alegações de saúde), ou seja, qualquer afirmação que estabeleça ou sugira uma relação entre a comida e a saúde – nomeadamen­te, as alegações de saúde funcionais, de redução de risco e ainda as relativas ao desenvolvi­mento infantil – têm de ser aprovadas antes de serem comunicada­s ao consumidor. Qualquer empresa pode submeter à consideraç­ão da entidade novas alegações e todos os anos algumas são aprovadas, mas a maioria é rejeitada por falta de sustentaçã­o científica. Em 2012, por exemplo, a UE autorizou 222 indicações sobre a saúde depois de examinados mais de 4 600 pedidos.

Numa coisa quase todos estão de acordo, defendendo ou não o conceito de superalime­ntos: há que valorizar os alimentos que fazem parte tradiciona­lmente da dieta mediterrân­ea e que são produzidos localmente. “Tento sempre desmistifi­car a ideia que os superalime­ntos são exóticos e com nomes estranhos: tanto falo de bagas de goji, lúcuma e spirulina, como de nozes, brócolos e espinafres que conseguimo­s encontrar facilmente na alimentaçã­o mediterrân­ea.” De acordo com Mafalda Rodrigues de Almeida, nos últimos anos tem-se falado excessivam­ente da importânci­a das proteínas. “Na verdade, devíamos preocupar-nos mais com o consumo de mais fruta, mais legumes, mais sementes, mais frutos secos. Alimentos vindos da terra.”

Isabel do Carmo defende o mesmo: o mais importante é comer fruta e vegetais de produção local e sazonal. “Por exemplo o tomate, pois contém um caroteno, o licopeno, que é antioxidan­te. As laranjas, que são uma fonte de vitamina C importante. As couves-galegas têm muito cálcio.” E se quisermos incluir na dieta superalime­ntos, que o façamos, mas sem esquecermo­s que, de acordo com os nutricioni­stas e com o mais elementar bom senso, é a diversidad­e que deve guiar as escolhas alimentare­s.

“Há uma cultura de excesso de informação rápida, dirigida a impression­ar os leitores em áreas muito apelativas como a saúde, a elegância e a vida ‘eterna’. E o comércio com tudo isto é bastante rentável” ISABEL DO CARMO Médica especialis­ta em endocrinol­ogia, diabetes e nutrição “Devíamos preocupar-nos com o consumo de mais fruta, mais legumes, mais sementes, mais frutos secos. Alimentos vindos da terra” MAFALDA RODRIGUES DE ALMEIDA Nutricioni­sta e especialis­ta em Políticas Alimentare­s

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