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VERDADES E MITOS DOS SUPERALIMENTOS
Lúcuma. Maca. Clorela. Açaí. Camu camu. Sementes de chia. Spirulina. Os superalimentos existem e fazem especialmente bem ou são uma construção do marketing sem fundamentação científica?
Os alimentos, todos eles, têm um valor nutricional e propriedades associadas, e o que comemos tem um impacto na saúde de cada um. E também ninguém duvida que a alimentação pode ter um papel importante no controlo de algumas doenças – como a diabetes –, ou na prevenção de fatores de risco como o colesterol. Resta saber, aí reside a dúvida, se há alimentos que merecem o prefixo de “super” por serem especialmente melhores que os outros.
Nos últimos anos tem estado em voga o conceito de “superalimentos” ou de alimentos-medicamentos. Há quem ache que esta é uma ideia falsa e perigosa – veicular a noção de que comer alimentos específicos pode resolver problemas de saúde –, e há quem defenda que faz todo o sentido.
“O ser humano não produz dentro de si próprio as substâncias de que necessita para viver. Essas substâncias macronutrientes (proteína, gordura e hidratos de carbono) e micronutrientes (vitaminas e sais minerais) são necessárias globalmente e a carência numa delas leva a situações que podem ser muito graves. Portanto, se faltar ferro temos que dar ferro, se faltar vitamina B12 temos que dar vitamina B12”, esclarece Isabel do Carmo, médica especialista em endocrinologia, diabetes e nutrição.
Significa isso que a falta de determinados nutrientes pode causar doença e a sua reposição é passível de ser feita através de uma alimentação reforçada nesses nutrientes em falta, “mas não quer dizer que os alimentos possam ser medicamentos. Pensar que alimentos ricos em ómega 3 ou iogurtes ricos em bactérias ‘boas’ são medicamentos para uma doença específica não está provado”, defende a também professora da Faculdade de Medicina de Lisboa, fundadora da Sociedade Portuguesa para o Estudo da Obesidade, da Sociedade Portuguesa de Endocrinologia e da Sociedade Portuguesa de Diabetologia. No entanto, concorda que “podem eventualmente ser preventivos de fatores de risco e de alguma disfunção.”
O termo e a fé
O próprio conceito de superalimento não é claro – e é algo controverso porque não há uma definição científica que o sustente. A descrição mais comum é que se trata de um conjunto de alimentos com um alto teor em fitonutrientes (nutrientes de origem vegetal), cuja introdução na alimentação traz benefícios para a saúde. Mas em relação ao próprio termo há posições muito diferentes, por vezes dentro da mesma instituição de prestígio.
Por um lado, Katherine Mcmanus, diretora do Departamento de Nutrição da Harvard Medical School, nos Estados Unidos, assina no site da universidade um artigo sobre os “10 superalimentos para melhorar a sua dieta”. Por outro, o site da Escola de Saúde Pública, da mesma universidade, tem um artigo chamado ‘Superalimentos ou superpublicidade’, que questiona o termo e a fé que nele se investe.
Mafalda Rodrigues de Almeida, nutricionista e especialista em Políticas Alimentares, é autora do livro “Superalimentos – Refeições com mais vida” e sai em defesa da sua dama: “Acredito no conceito de superalimentos. Alimentos que dentro da sua categoria se destacam, por exemplo, pelo elevado teor de fibras ou antioxidantes e que, desta forma, mostram ter propriedades muito benéficas para a saúde.” Segundo a nutricionista, a ideia de comer alimentos que funcionam como medicamentos “é real e é cada vez mais estudada”. Mas isso não quer dizer que sejam de esperar milagres. “Se cometermos erros, não é por comermos um determinado superalimento diariamente que não vamos ter determinada doença.”
A lista de superalimentos é longa e quase sempre exótica. Açaí, spirulina, bajas goji, camu camu, espelta, quinoa, maca, sementes de
chia. São vendidos como bons para muita coisa, mas Isabel do Carmo afirma que estudos científicos que sustentem propriedades especialmente benéficas da maioria deles são escassos. “Quando procuro – e procuro muito – investigações credíveis que provem os benefícios desses superalimentos, ou não encontro nada ou aparecem resultados contraditórios. Entre todos, a spirulina parece ser a mais credível.”
A médica considera que o que leva o consumidor a atirar-se ferozmente às prateleiras é uma espécie de “pensamento mágico”: “Há uma associação de causa a efeito sem ser mediada por análise e raciocínio. Por exemplo: ‘ontem comi açaí e no outro dia estava cheia de energia’; entre a suposta causa e o suposto efeito não há nenhuma análise. No método científico observa-se, põe-se a hipótese, experimenta-se e vê-se o resultado de uma forma objetiva. Em termos de alimentação isto não pode ser visto só numa pessoa, mas em centenas ou milhares e analisando outros fatores associados”.
Resumindo: existirá sempre quem venda milagres enquanto houver quem os queira comprar. Mas a desinformação e o marketing agressivo também lhes dão alguma ajuda. “Há uma cultura de excesso de informação rápida, que vive dos títulos, dirigida a impressionar os leitores em áreas muito apelativas como a saúde, a elegância e a vida ‘eterna’. E o comércio com tudo isto é, como se sabe, bastante rentável”, critica a médica endocrinologista. E parte do problema é a ausência de regras. “Não há normas de publicidade nem de comunicação, as marcas são poderosas. E mesmo os pseudomedicamentos ‘naturais’ anunciados na televisão não têm qualquer limite.”
A super dieta mediterrânea
Na verdade há algumas regras, mas têm sido consideradas insuficientes. Na União Europeia cabe à European Food Safety Authority (EFSA) emitir pareceres sobre os alegados benefícios para a saúde que as marcas querem comunicar na publicidade e nos rótulos. As chamadas ”health claims” (alegações de saúde), ou seja, qualquer afirmação que estabeleça ou sugira uma relação entre a comida e a saúde – nomeadamente, as alegações de saúde funcionais, de redução de risco e ainda as relativas ao desenvolvimento infantil – têm de ser aprovadas antes de serem comunicadas ao consumidor. Qualquer empresa pode submeter à consideração da entidade novas alegações e todos os anos algumas são aprovadas, mas a maioria é rejeitada por falta de sustentação científica. Em 2012, por exemplo, a UE autorizou 222 indicações sobre a saúde depois de examinados mais de 4 600 pedidos.
Numa coisa quase todos estão de acordo, defendendo ou não o conceito de superalimentos: há que valorizar os alimentos que fazem parte tradicionalmente da dieta mediterrânea e que são produzidos localmente. “Tento sempre desmistificar a ideia que os superalimentos são exóticos e com nomes estranhos: tanto falo de bagas de goji, lúcuma e spirulina, como de nozes, brócolos e espinafres que conseguimos encontrar facilmente na alimentação mediterrânea.” De acordo com Mafalda Rodrigues de Almeida, nos últimos anos tem-se falado excessivamente da importância das proteínas. “Na verdade, devíamos preocupar-nos mais com o consumo de mais fruta, mais legumes, mais sementes, mais frutos secos. Alimentos vindos da terra.”
Isabel do Carmo defende o mesmo: o mais importante é comer fruta e vegetais de produção local e sazonal. “Por exemplo o tomate, pois contém um caroteno, o licopeno, que é antioxidante. As laranjas, que são uma fonte de vitamina C importante. As couves-galegas têm muito cálcio.” E se quisermos incluir na dieta superalimentos, que o façamos, mas sem esquecermos que, de acordo com os nutricionistas e com o mais elementar bom senso, é a diversidade que deve guiar as escolhas alimentares.
“Há uma cultura de excesso de informação rápida, dirigida a impressionar os leitores em áreas muito apelativas como a saúde, a elegância e a vida ‘eterna’. E o comércio com tudo isto é bastante rentável” ISABEL DO CARMO Médica especialista em endocrinologia, diabetes e nutrição “Devíamos preocupar-nos com o consumo de mais fruta, mais legumes, mais sementes, mais frutos secos. Alimentos vindos da terra” MAFALDA RODRIGUES DE ALMEIDA Nutricionista e especialista em Políticas Alimentares