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“TOURADA É CULTURA, SUA BESTA”

Manuel Alegre defende a tauromaqui­a até à morte... do touro. Em nome de uma “arte maior, apreciada por grandes vultos da cultura”. Gente de uma civilizaçã­o a que o histórico socialista diz pertencer, apesar de já todos terem falecido.

- João Quadros POR

Esta semana tenho comigo, para mais uma entrevista que nunca fiz, Manuel Alegre de Melo Duarte, nascido em Águeda, a 12 de maio de 1936, signo de Touro com ascendente de Ganadaria. O seu trisavô paterno foi Visconde do Barreiro. Por acaso Visconde do Barreiro não soa a grande coisa. Parece nome de dealer de cocaína.

Veja lá se tem mais respeito pelo meu trisavô! Fique sabendo que ele foi o fundador dos Caminhos de Ferro do Barreiro.

Imagino que tenha sido o seu trisavô a inventar a expressão – vai marrar com um comboio. O senhor uma vez escreveu – “Quem me dera que a minha vida fosse um carro de bois” –, mas aposto que não queria ter a vida de um boi de lides. Pronto, já percebi que o senhor é mais um daqueles Bolsonaros que quer limitar a liberdade e o gosto dos outros. Tourada é cultura, sua besta.

Por acaso, não fazia ideia que Tourada era cultura. Pensava que era um desporto que ficava ali entre a equitação, a esgrima e a luta greco-romana com bois.

A tourada é uma arte maior, apreciada por grandes vultos da cultura como Gabriel Garcia Marquéz, Ernest Hemingway, García Lorca, Goya, Dalí ou Picasso. É dessa civilizaçã­o que eu faço parte.

Percebo que o senhor faça parte dessa civilizaçã­o, mas eles já estão todos mortos. E se formos só por gostos de grandes vultos da cultura, relembro que muitos também gostavam de ópio, prostituiç­ão, meninos, bater em mulheres, etc. O que me faz confusão é que sendo o senhor, supostamen­te, um homem de esquerda só se lembre de escrever uma carta aberta ao PM por causa de toureiros. Podia ter escrito uma sobre banqueiros que andam em liberdade.

Foi uma carta a alertar para a urgência em termos culturais para com a tauromaqui­a e contra o politicame­nte correto.

Mas, que eu saiba, a única coisa chata que lhes aconteceu foi não terem descido o IVA dos bilhetes. Dá a sensação que há um flagelo dos “artistas” tauromáqui­cos. Que quando olhamos para o país deparamo-nos com toureiros sem-abrigo, com as sapatilhas de ballet já rotas nas solas e a remexer nos caixotes à procura de ramos de flores. Ou um peão de brega a estacionar carros no Campo Pequeno a gritar: “Eiii, destroce, Toyota, lindo!”

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ILUSTRAÇÃO: MARCO MENDES
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