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“Dediquei-me ao cinema por gosto e paixão. Não me enganei”

O realizador Sério Fernandes tem o seu filme de 1982, “Chico Fininho”, na tela do Porto/post/doc, que decorre na Invicta até 2 de dezembro. A Rita e o João entrevista­ram o cineasta.

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João

Como é ser cineasta?

É uma coisa muito boa. Gosto de ser cineasta. Comecei muito novo, com 17, 18 anos, a fazer filmes em super 8 mm, que é um formato amador muito pequenino. Mais tarde montei a minha produtora de cinema, e depois fui dar aulas de cinema. Portanto, a minha vida foi quase toda dedicada ao cinema. Para se ser cineasta, João, é preciso muita coragem.

Que filmes já realizou?

Já realizei muitos filmes, dezenas de filmes. Durante vinte e tal anos, na escola onde fui professor, realizava com os meus alunos. Filmámos Portugal todo, de Monção a Sagres. E lá fora, fomos para Cabo Verde, para a Guiné, para Marrocos, pela Europa fora. Filmes meus, realização minha, fiz bastantes, longas e curtas-metragens.

Porque quis fazer o filme “Chico Fininho”?

O filme tem duas componente­s. Uma que é filmar o Porto. Ele [o ator] está em Santa Catarina, depois mete-se no elétrico, vai para a Foz. Depois, na Foz, está a apanhar sol em frente ao Molhe. A seguir vai para a Cantareira, vai ao concerto, à discoteca. Eu aproveito esta viagem do Chico Fininho para filmar o Porto. A outra componente: é um filme cheio de música, com todos aqueles conjuntos do final dos anos 70: há o Rui Veloso, os Táxi, Lena d’água, os UHF. Portanto, o “Chico Fininho” é um filme sobre o Porto, mas também sobre a nossa música. É a preto e branco, mas tem um quadro a cores lá no meio. Começa com imagens do Porto, muito bonitas, com uma música cantada pelo Rui Veloso.

Quantos filmes consegue fazer por ano?

Agora consigo fazer uma longa-metragem por ano. Já deixei a escola. Reformei-me, porque os professore­s universitá­rios, chegados aos 70 anos, têm de sair. Foi o quem e aconteceu. há pouco tempo acabe ide rodara minha última longa-metragem, chamada“Eu Génio ”. Agora, João, vais-te passar com o que te vou dizer: nos meus últimos filmes, o ator sou eu!

Como é que vive um realizador de cinema?

Muito mal! Como um pintor vive muito mal. Como um ator vive muito mal. Estas coisas não são para dar dinheiro. Nós estamos nisto por gosto, por amor, mas não enriquecem­os. Fazer um filme é dinheiro que tiro da carteira. Tinha o meu ordenado de professor. O trabalho artístico faz-se por paixão. Os filmes não me davam dinheiro para eu viver.

Como é trabalhar com atores e atrizes? Às vezes é complicado. O Porto tem grandes atrizes e atores de teatro, e eu já trabalhei com alguns deles. Também trabalhei com atores de fora, por exemplo o Vítor Norte. O primeiro filme que ele fez para cinema foi o meu, o “Chico Fininho”. Trabalhei muito com alunos meus atores. É muito mais fácil dirigir os meus antigos alunos atores do que os profission­ais. Mais fácil e mais barato.

Rita

Como é que lhe vêm as histórias à cabeça?

Por exemplo, o “Chico Fininho” é um filme sobre o Porto. Eu sou um cineasta do Porto, nasci no Porto, vivi no Porto, e quase todos os meus filmes são rodados aqui no Porto, porque o Porto é a cidade mais cinematogr­áfica do mundo. É uma cidade fantástica para filmar. E aproveitei o “Chico Fininho” para filmar o Porto. Calculo que andei a magicar nisto para aí dois anos, até que um dia, em Lisboa, encontrei um ator no teatro, o Vítor Norte, e disse: “Ah! Aqui está o ator para o meu filme”. A partir daí comecei a acelerar e em 81 fiz a ro- dagem do filme. Por isso, neste filme, demorei sensivelme­nte dois anos. Não é de um dia para o outro. A ideia nasce e as coisas vão amadurecen­do, porque filmar é complicado, envolve muita gente, câmaras, etc.

Já ganhou prémios de cinema?

Não muitos, mas alguns. Um dos prémios que ganhei foi num festival de cinema que já não existe de que eu gostava muito: o Festival Internacio­nal de Cinema da Figueira da Foz. Também ganhei outros prémios noutros festivais, mas queria destacar este.

Quem é o seu ídolo de cinema? Bom, tenho que falar em pessoas que vocês não conhecem. Tenho uma grande admiração pelo cinema brasileiro. O Brasil tem um grande cinema. Há um reali-

zador brasileiro de quem gosto muito, que é o Glauber Rocha. Já morreu há muitos anos. Conheci a família, conheci a mãe, estive no Brasil, filmei no Brasil, nos sítios onde o Glauber Rocha filmou. Filmei no Sertão brasileiro, em Milagres, que é uma terrazinha entre Salvador da Bahia e Vitória da Conquista, onde ele nasceu. Filmei ali como filmei no Amazonas, no Rio Negro. O Glauber Rocha tem uma obra importantí­ssima.

Trabalha sempre com a mesma equipa de atores, argumentis­tas, etc? Antigament­e tinha uma equipa de filmagem. Ia buscar atores ao teatro, argumentis­tas, etc. Depois fui para a escola como professor do curso de teatro e cinema e comecei a preparar alguns alunos nestas áreas. Formava, portanto, realizador­es e atores. E começo a fazer filmes com eles. A partir de determinad­a altura, a equipa técnica – fotografia, montagem, etc. – começa a ser formada pelos meus ex-alunos. E garanto-te que eles são muito bons e os que os meus filmes tecnicamen­te são muito bons. A partir de certa altura não precisava de sair daqui do Porto.

Porque é que quis ser cineasta?

É difícil responder a essa pergunta, mas há uma coisa que te posso garantir: não me enganei. Por exemplo, eu tenho um curso de eletrónica, que tirei com 20 anos. Nessa altura fui convidado por grandes empresas internacio­nais e não quis nada disso. E dediquei-me ao cinema por paixão, por gosto. E hoje, passado estes anos todos, 50 anos, não me enganei. É exatamente aquilo que gosto e gostava de fazer. Gosto mesmo de filmar! E mais: gosto de filmar o Porto. Agora não temos tempo, mas podia falar-vos da luz do Porto. O Porto tem a luz de cinema.

Como seria a sua vida se fosse um filme?

A minha vida foi um grande filme. E este último filme que eu realizei e em que fui o ator tem muito a ver com a minha vida. Filmei nos sítios onde ia desde jovem: a Rua Escura, da Banharia, de Belomonte, a Sé. Fui escuteiro no Grupo 8 da Sé. A minha juventude foi passada ali. Vivia com os meus avós na Vitória. A minha escola [Escola Artística do Porto] é aqui também. Portanto, este último filme, o “Eu Génio”, é uma espécie de filme da minha vida.

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