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QUILÓMETROS DE BOAS FESTAS
Quando a família é recomposta, há parentes separados por longas viagens de carro ou várias horas de avião. Conseguir conjugar todas as reuniões natalícias em dois ou três dias é viver a quadra em contrarrelógio.
Marta Moncacha, assistente social e blogger, tem três famílias a quem acorrer no Natal. A mãe vive em Lisboa e o pai também, mas não passam o Natal juntos porque estão divorciados. Os sogros, pais de Rui Pinto, o atual marido, e avós do filho mais novo, estão no Alentejo. E os ex-sogros, pais do ex-marido e avós dos três filhos mais velhos também, mas quase na outra ponta.
Quando chega 24 e 25 de dezembro coordenar as necessidades e desejos de todos requer capacidades de estratega. “A logística não é fácil”, garante. “Sobretudo porque, quando saio de casa com os quatro miúdos, a bagagem é tanta que parece que vou fugir.”
No ano passado, a 24 de dezembro, Marta partiu de Lisboa para Alcácer do Sal com o marido, os quatro filhos e a mãe para passar a consoada com os sogros. No dia 25 de manhã, arrancaram para Évora, de forma a ir deixar os três filhos mais velhos com os avós paternos e com o pai e, daí, seguiram para Lisboa, onde deixou a mãe em casa e seguiu viagem – já só com o marido e o filho mais novo – para se juntar ao pai num lanche-ajantarado natalício.
“E, não sei se reparou, no meio disto tudo, os meus três filhos mais velhos não estiveram com o avô, o meu pai, porque ficaram em Évora com os outros avós”, ri Marta. Seria impensável dividi-los por mais um sítio em apenas dois dias. Por isso, a família resolveu o assunto com criatividade e criou uma nova tradição familiar. “O meu pai tem o domingo de Páscoa em exclusivo: eu, o meu marido e os quatro netos almoçamos com ele nesse dia. E o meu pai tem sempre uns presentes para os miúdos. Eles chamam à Páscoa ‘o Natal do avô Zeca’”, conta Marta, garantindo que é preciso flexibilidade e boa vontade de todos para arranjar estratégias para construir esse intrincado puzzle. “Não podemos estar em todo o lado ao mesmo tempo. São dois dias de malas às costas, mas eu encaro isso com ligeireza e os miúdos adoram o Natal, o que me deixa feliz.”
Este ano há mais uma questão a gerir: Duarte, o filho mais velho, está a viver na China com o pai. Marta quer matar saudades dele, os dois filhos que vivem com ela querem matar saudades do pai. “Ainda vamos falar todos para ver como fazemos. Mas, para mim, o ideal era fazer a consoada em minha casa com a minha mãe, os meus sogros e os miúdos e, no dia 25, o pai dos três mais velhos passava para os levar para o Alen-
tejo. E eu ficava sossegada em Lisboa e dividia-me só entre a minha casa e a do meu pai. Era tão bom!”. Também a blogger e consultora de comunicação Joana Paixão Brás, o marido David e as filhas – Luísa, de dois anos, e Isabel, de quatro – têm de se dividir por vários sítios na altura do Natal. Quando acorda no dia 24 de manhã, Joana sabe que só vai voltar a entrar em casa no dia seguinte, já à noite, tão arrasada de cansaço que se esforça por ignorar os sacos por arrumar e as malas por desfazer. Em cerca de 36 horas, passam por três casas, em três terras diferentes. No dia 24 começam a fazer malas – que ficam quase sempre para a última hora – e arrancam de Carnaxide, onde moram, para o Verdelho, uma pequena aldeia no concelho de Santarém. Passam ali a consoada com a família de Joana: a avó Rosel, a mãe, o pai, o irmão e a cunhada, a tia, os primos e outros familiares. Cerca de 15, ao todo. Há nesta consoada uma situação pouco comum, mas muito conveniente para ela. “Os meus pais são divorciados, mas, apesar disso, passam a consoada juntos. O que é uma sorte imensa para nós. Caso contrário, seria muito difícil”, realça.
Dos Açores ao Alentejo, passando por Braga
Na manhã do dia de Natal acordam cedo, mas daí a pouco já estão a olhar para o relógio e a fazer contas de cabeça. Pelas 11 horas as malas têm de estar feitas e as miúdas despachadas. “Ainda costumamos passar em Santarém para dar um beijinho e deixar um presente a uma amiga minha e seguimos direitos a Alfragide, onde somos sempre os últimos a chegar, para almoçar com a família paterna do meu marido.” A meio da tarde é altura de voltar a vestir casacos às miúdas e sentá-las nas cadeiras do carro para seguir viagem para Sintra, onde vão reunir-se todos com a família materna do marido para jantar.
Chegam sempre a casa já tarde, completamente derreados, com as miúdas a dormir no banco de trás, mas com a sensação de dever cumprido e de terem estado, pelo menos um bocadinho, com todas as pessoas que são importantes. Mas Joana tem um sonho de Natal por cumprir: “O que mais gostaria era juntar toda a gente, as várias famílias, num só espaço durante os dois dias. Num turismo rural, por exemplo. Para termos todos o conforto de não andar na estrada, muitas vezes com chuva e frio, num despe e veste de casacos e preocupados com o relógio. Assim, podíamos passar dois dias descansados em frente à lareira, que é o que apetece nesta altura”.
Passar muito tempo descansada à lareira é coisa que Anabela Gonçalves, de 35 anos, assistente jurídica do Exército Português, também não consegue fazer
“O QUE MAIS GOSTARIA ERA JUNTAR TODA A GENTE, AS VÁRIAS FAMÍLIAS, NUM SÓ ESPAÇO” Joana Paixão Brás
“QUANDO SAIO DE CASA COM OS QUATRO MIÚDOS, A BAGAGEM É TANTA QUE PARECE QUE VOU FUGIR” Marta Moncacha
“EU JÁ NEM FAÇO AS CONTAS EM QUILÓMETROS, PENSO SEMPRE EM TEMPOS DE VIAGEM” Anabela Gonçalves
muito tempo durante as férias do Natal. A ela não basta fazer quilómetros de carro para estar com a família nas festas. Mora em Ponta Delgada, na ilha de São Miguel, com a filha Carolina, de três anos, e com Francisco, o marido. Mas os pais e a irmã moram em Braga; o irmão vive em Vendas Novas, no Alentejo; o pai da sua filha é de São João da Madeira; tem uma avó paterna em Ribeira de Pena, Trás-os-Montes; e a família do marido é de Castelo de Vide, também Alentejo. Pode imaginar-se que o Natal é agitado. “Eu já nem faço as contas em quilómetros, penso sempre em tempos de viagem: uma manhã, uma tarde, um dia inteiro.” Dependendo dos anos, entre voos e trajetos de carro, faz entre 4 000 e 4 500 quilómetros em seis ou sete dias.
Por norma tira quatro ou cinco dias de férias, que neste ano vão ser de 22 a 28 de dezembro e que têm de ser planeados com muita antecedência, para conseguir bons preços nos voos. Primeiro, há que cumprir os cerca de 1 500 quilómetros entre São Miguel e o Porto, cerca de duas horas e meia de viagem, a que acrescem os tempos de antecedência para check-in, a espera pela chegada da bagagem e, quase sempre, os inevitáveis atrasos – que podem ser de horas. Depois, são mais 45 minutos de estrada do Porto a Braga, onde moram os pais. No dia 23, por normal, já está na estrada outra vez para ir levar a filha a casa do pai, em São João da Madeira, e voltar de novo para Braga.
As voltas que dá ao país e os sítios pelos quais se divide variam de ano para ano. Às vezes, passam parte do tempo com os pais de Anabela e depois seguem para Castelo de Vide para estar com a família do marido, cumprindo quase 800 quilómetros por estrada, considerando a ida e a volta. Este ano, como Francisco não conseguiu férias, Anabela vem sozinha com a filha. Por isso, não passa em casa dos sogros, mas não lhe faltam outros sítios onde ir. “Chegamos a 22 e a Carolina vai para o pai em São João da Madeira, de 23 a 25. Nestes três dias devo dar um salto a Trás-os-Montes para almoçar com a minha avó paterna e ainda não está decidido, mas, provavelmente, vamos passar o Natal com o meu irmão e com os meus sobrinhos a Vendas Novas [a 400 quilómetros e cerca de quatro horas de viagem de Braga]. Vamos ver, ainda temos de conversar, talvez possa o meu irmão vir a Braga”, ri esperançosa, já que não lhe apetecia fazer mais oito horas de viagem em dois dias.
Seja como for, há uma coisa que sabe: depois das férias do Natal, quando chega de novo a Ponta Delgada, após uma longa maratona percorrida ao sprint, tudo aquilo de que precisava era de umas férias. Daquelas em que há tempo para não fazer mesmo nada. ●m