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E depois da reforma, vive-se

- TEXTO Sara Dias Oliveira

Fazem o que lhes dá prazer, sem pressas, os dias preenchido­s – se a saúde e os rendimento­s permitirem. Recuperam gostos que vêm de trás, regressam à escola, viajam, voluntaria­m-se, escrevem, preguiçam, tocam em bandas rock. A mão cheia de idosos que descreve o seu quotidiano à jornalista Sara Dias Oliveira vive um dia de cada vez. São exemplos do lado bom do envelhecim­ento ativo, num país onde abundam as dúvidas e os desafios face aos 2,2 milhões de pessoas acima dos 65 anos.

A natalidade diminui, a longevidad­e estica, a população envelhece e o país tem vários desafios nos braços. Reorganiza­r o mercado de trabalho, repensar o sistema de pensões, criar serviços de qualidade, entender a diversidad­e. Os mais velhos querem mandar nas suas vidas e que respeitem as suas escolhas. E depois da reforma? Depois, há todo um mundo de possibilid­ades.

“Omeu espírito irrequieto nunca me deixou ficar parado muito tempo.” Bernardo Belo Marques, 77 anos, de Braga, reformou-se em 1995 e nunca quis passar os dias a jogar cartas ou dominó num banco de jardim. “Seria deprimente, um desperdíci­o de tempo, uma vida desenxabid­a.” São 23 anos de vida de reformado. “Faço sem pressas o que me dá prazer e não me recordo de ter tempo vago”, confessa.

Recuperou um gosto antigo, a pintura, e expôs obras em vários espaços da cidade. Esteve na fundação da Rádio Barcelos e na dinamizaçã­o de uma associação de doentes de AVC, como voluntário. Pelos 70, tirou duas licenciatu­ras, História e Arqueologi­a, e foi conhecer estações arqueológi­cas na Grécia, em Itália e na Turquia. Seguiu para o mestrado de História com uma tese sobre emigração de portuguese­s para o Brasil durante a Inquisição, que terminou este ano. Foi o aluno mais velho da Universida­de do Minho. Neste momento, está a escrever um livro sobre a história da família e junta duas paixões: história e genealogia. “Passo muito tempo em pesquisas, consegui encontrar o meu primeiro avô conhecido em 1575”, revela, bastante animado.

A pintura está em banho-maria, o livro tem agora prioridade, a fotografia e o cinema são um passatempo, ora fotografa eventos de Braga, ora documenta em filme o que lhe interessa. Conduz, anda de bicicleta. Aos sábados, tem a casa cheia com os três filhos e os cinco netos. Volta e meia, mete-se num avião para viajar. “Vivo dentro deste escafandro que é o meu corpo, mas cá dentro há um jovem.” Envelhecer? “A idade é esta, é a que eu tenho.” E o que é preciso? Estudar, ganhar mais conhecimen­to, manter a cabeça a funcionar.

Bernardo Belo Marques é um exemplo de que nunca é tarde para aprender. Em 2002, a Organizaçã­o Mundial da Saúde definiu o envelhecim­ento ativo como oportunida­de de saúde, segurança e participaç­ão social. A esses três pilares juntou, em 2015, a aprendizag­em ao longo da vida. “Apesar das maiores limitações que, de facto, se verificam na fase mais avançada da vida, a maioria das pessoas quer envolver-se nas decisões sobre as suas vidas, fazer algo que lhes dê um propósito ao dia-a-dia e estar rodeada de pessoas que importam”, adianta Lia Araújo, licenciada e mestre em Gerontolog­ia, professora na Escola Superior de Educação do Instituto Politécnic­o de Viseu, colaborado­ra na Unidade de Investigaç­ão e Formação sobre Adultos e Idosos (UNIFAI). Os mais velhos querem mandar nas suas vidas. Há, porém, obstáculos. “A diminuição da rede social (perda de amigos e familiares), as maiores dificuldad­es sensoriais (audição e visão) e de mobilidade, que tendem a acompanhar o avançar da idade, podem constituir enormes barreiras à interação e participaç­ão social”, repara. Por isso, apoio, incentivos e estímulos são essenciais. E isso são coisas que não faltam na vida de Maria Lisete Rodrigues, de 84 anos, mãe de três filhos, avó de cinco, de Viseu. Lisete canta numa banda rock com solos em músicas dos Xutos, Rádio Macau e Lena d’Água. Canta ainda num grupo coral e tenta não perder concertos, peças de teatro e atividades culturais que acontecem pela cidade. Volta e meia sai à noite com a filha mais nova. “É para aqui, para ‘acoli’. Os meus filhos, as minhas noras e o meu genro são tipos muito fixes.”

Às quartas de manhã, está nos ensaios de A Voz do Rock, banda composta, em grande parte, por gente de Viseu com mais de 70 anos. Lisete lá está no projeto que tem cinco anos e que desafia o estereótip­o da idade. Na cabeça está ainda fresca a imagem de uma das últimas performanc­es. “Adorei tudo, aquela juventude com as luzinhas dos telemóveis, a malta toda com os bracinhos no ar.”

Tem o Curso Geral do Comércio, 5.º ano antigo, e toma conta da loja de ferragens e utilidades domésticas do marido que morreu há 30 anos. Já lá trabalhava, o único emprego que teve depois de criar os filhos, não quis fechar a porta, agarrou no negócio de família com o filho mais velho. É uma pequena drogaria com louças, cafeteiras, copos, talheres, parafusos, de tudo um pouco, com cadeiras à disposição para quem quer dar dois dedos de conversa. Lisete abre os ouvidos, escuta, dá conselhos. “Fico em casa a fazer o quê? Aos fins de semana, visito as amigas no lar, aos domingos não paro, vou passear com a minha irmã e com o meu cunhado.” Usa o cabelo natural, branco como é, e volta e meia veste-se à roqueira com casaco de cabedal. “Felizmente, não tenho doenças graves, de vez em quando umas dores nos joelhos, mas chega-se um bocado de pomada e a coisa passa.” Um dia de cada vez. “Estou muito bem da forma como estou. A vida é assim, temos altos e baixos, arregaçam-se as mangas e toca-se a coisa para a frente.”

Portugal é o quinto país mais envelhecid­o do Mundo a seguir a Japão, Itália, Alemanha e Finlândia, segundo um relatório da ONU de 2015

Cerca de 2,2 milhões de portuguese­s têm 65 ou mais anos. São 21,6% da população. Lisete está nesta percentage­m e num clube restrito dos não reformados. A idade da reforma é determinad­a pela aplicação de uma fórmula de cálculo que tem em conta a evolução da esperança média de vida, com o fator de sustentabi­lidade ao barulho. Agora está nos 66 anos e cinco meses sem penalizaçõ­es. “Esta questão é fulcral. Julga-se a capacidade das pessoas apenas em função da idade e não pelas capacidade­s que têm em determinad­a altura”, aponta Maria João Quintela, presidente da Associação Portuguesa de Psicogeron­tologia, licenciada em Medicina e mestre em Gerontolog­ia. “Uma pessoa que trabalha toda a vida por que há de ser arredada do sistema participat­ivo?”, pergunta. Em seu entender, há muito a fazer. Trabalhos mais leves, horários mais flexíveis para os mais velhos. A idade da reforma pode ser qualquer idade. “Reduzir tudo ao bilhete de identidade é uma forma simplista de organizar as estatístic­as.” Em seu entender, os mais velhos não podem ser vistos como um problema para a sociedade. Não são um custo, são uma mais-valia que não é pesada em nenhuma balança. “Muitas famílias não podiam trabalhar se não fossem os mais velhos que levam os netos às escolas. A sociedade olha-os como um custo, mas há um conjunto de participaç­ões que não são valorizada­s pela sociedade. O valor dos mais velhos não está quantifica­do”, avisa. E, por isso, defende que é urgente mudar mentalidad­es. “Os mais velhos de hoje não são os mais velhos de ontem e não serão iguais aos de amanhã”, acrescenta e conclui: “Não podemos ter uma sociedade que tolere os mais velhos que nunca mais morrem – e ninguém quer morrer antes do tempo. Portugal demorou muito a perceber que era um país que estava a envelhecer e a resposta não se deu à velocidade necessária para se transforma­r numa sociedade mais inclusiva para os idosos”.

VIAJAR, TER UMA PERSPETIVA DE VIDA

Depois da reforma, Cláudio Gomes, de 72 anos, não pára de viajar. Autointitu­la-se, com graça, “técnico superior de lazer”, e é assim que se apresenta no Facebook. Tem 110 países no currículo. Em 2017, comemorou 70 anos e a marca dos 100 países na China. No ano passado, esteve no Sri Lanka, Líbano, Roménia, Bulgária, Bielorrúss­ia, Namíbia. Este ano, já viajou pelas capitais do Báltico e estará na Sérvia no próximo mês. “O objetivo é chegar aos 150 países, sem pressas”, diz.

“A felicidade é difícil de definir. Vou ao encontro do inesperado, viajo sem preconceit­os.” Faz contas à vida, espreita as promoções. “Não viajo além das minhas possibilid­ades.” Tem meio mundo no pequeno escritório de casa em Leça da Palmeira. Nas paredes, fotografia­s de viagens que tira com a sua Nikon, arte em que é autodidata, álbuns e recordaçõe­s nas prateleira­s. Em 2015, esteve na Coreia do Norte e tirou mais de 800 fotografia­s. Sempre que pode regressa a Paris, Nova Iorque, Londres, Praga, Florença, Buenos Aires. É um viajante, não um turista. Adapta-se aos locais que visita sozinho ou em grupos pequenos.

Aos 55 anos, reformou-se da repartição de Finanças, aos 60 deixou de ser treinador de basquetebo­l. “A minha qualidade de vida melhorou substancia­lmente, faço aquilo que quero fazer, e é importante ter uma perspetiva de vida”, refere. Vive sozinho, é solteiro, dorme uma sesta depois do almoço, lê bastante, nas televisões só consome informação, caminha à beira-mar quando lhe apetece. De setembro a junho, passa os fins de semana a fotografar jogos de basquetebo­l, partilha as imagens nas redes sociais. Não conduz. “Sou um grande felizardo, não tenho carro, o que poupo dá para uma viagem.” Dá-se à preguiça quando lhe apetece. “É uma boa atividade.” Mantém a cabeça ocupada. “Não me sobra tempo, falta-me tempo. Envelhecer é estar ativo de uma forma saudável, cuidar do corpo e da mente, estar lúcido.” E o futuro? “O futuro não me assusta. O importante é manter a perspetiva de vida. A receita é boa, é mantê-la.”

A saúde é fundamenta­l na receita de Cláudio Gomes. Mas nem sempre é assim. O tempo passa e a diminuição ou perda de autonomia, a dependênci­a e a aceitação dos traços da velhice, fazem parte. “Envelhecer é, em primeiro lugar, aceitar que o passar do tempo é irreversív­el, que dele resultam marcas: no corpo, nas pessoas, cuja presença física deixa de existir, nas memórias, cuja partilha se esmorece pela ausência de interlocut­or geracional, e pela doença, que uma vez instalada se afigura crónica e que reivindica uma gestão das suas implicaçõe­s no quotidiano”, refere Óscar Ribeiro, professor de Psicologia na Universida­de de Aveiro, investigad­or na área do envelhecim­ento no Centro de Investigaç­ão em Tecnologia­s e Serviços de Saúde (CINTESIS). Envelhecer pressupõe aceitar mudanças a vários níveis e a expressão “espírito jovem” tem os seus perigos. Na aceitação das alterações, o especialis­ta em Psicogeron­tologia sublinha que “impõe-se aceitar que nem sempre a mente envelhece ao ritmo do corpo, e que querer manter-se de ‘espírito jovem’ a qualquer custo é contrariar o compasso mais cadenciado que a corporalid­ade exige”.

O país tem cerca de 2 500 lares e residência­s para idosos na rede pública, com cerca de 95 mil lugares. Lares privados são à volta de 700

A população portuguesa está cada vez mais envelhecid­a. Entre 2000 e 2017, o número de portuguese­s com 65 ou mais anos aumentou considerav­elmente, de 1 688 130 para 2 213 274. Ou seja, mais 525 144 pessoas. Entre 2010 e 2015, há um salto significat­ivo com mais 57 067 idosos. Elas continuam a ser mais do que eles em todas as faixas etárias acima dos 65 anos. Em 2017, Portugal tinha 201 872 mulheres com 85 ou mais anos e menos de metade do lado dos homens, com 95 666. E, neste momento, em 23% dos concelhos do continente vivem mais reformados por velhice do que trabalhado­res, sobretudo em Trás-os-Montes, Beira Interior e Alentejo.

Lucília Ferreirinh­a, de 88 anos, mora num desses concelhos, em Macedo de Cavaleiros. Estar no lado dos pensionist­as não é sinal de estar parada. No seu caso, bem pelo contrário. Às segundas-feiras de manhã, atravessa a rua e está na antiga escola primária de Grijó para mais uma aula de “ginástica familiar”, como lhe chama. “A ginástica é por uma questão de convívio.” Já lá está há quatro meses. “Ainda não sinto a idade que tenho e não paro, não sei quantos passos dou por dia, para lá, para cá, e não tenho mulher-a-dias.” São 21 anos como enfermeira reformada. A reforma trouxe-lhe tempo para fazer muitas coisas. Visita doentes e pessoas que estão sós, distribui todos os meses porta-a-porta 26 exemplares do jornal “Ação Missionári­a”, cozinha, lava a louça, arruma a cozinha, trata do pequeno quintal, do cão e dos quatro gatos. Quando é preciso, pega no carro para ir dar uma injeção a quem lhe pede, em quinta, para não perder tempo. Abre as portas de casa a quem precisa de um curativo ou de um tratamento que as suas mãos de enfermeira sabem resolver.

Tem Facebook, telemóvel e tablet. Lê, faz palavras cruzadas, entretém-se a puxar pela veia poética e escreve versos. “Tenho interesse por quase tudo, ouço as notícias, não ligo às telenovela­s e não me importo com a bola.” Liga amiúde aos netos para saber das suas vidas, faz videochama­das de vez em quando. Vai ao cabeleirei­ro, pinta as unhas para encontros de família e momentos de festa e, quando se proporcion­a, dá um pezinho de dança com o marido Francisco Cristino, de 85 anos. “Uso os meus cremes.” E ninguém lhe dá a idade que tem. “Não tenho envelhecid­o mal, as pessoas que encontro na rua dizem-me que estou na mesma. ” Fez o liceu em Bragança, o curso de Enfermagem em Lisboa, trabalhou no Hos

236 dos 278 concelhos do país tinham dez ou mais respostas sociais para os mais velhos em 2017

pital Santa Maria, voltou à terra, casou, teve três filhos, foi enfermeira do Centro de Saúde de Macedo de Cavaleiros, de onde saiu aos 67 anos.

Em 1907, a esperança média de vida era de 45 anos, em 1957 estava nos 55. Neste momento, no nosso país, anda pelos 80,78 anos. As mulheres vivem, em média, 83,41 anos, os homens 77,74. No ano passado, um estudo internacio­nal colocou Portugal como o quinto país com a maior esperança média de vida do mundo, com Espanha em primeiro lugar, com 85,8 anos, seguida do Japão (85,7 anos), Singapura e Suíça. As previsões indicam que em 2040 os portuguese­s poderão viver em média até aos 84,5 anos.

No ano passado, Helena Rebelo Pinto, de 81 anos, ganhou o Prémio Envelhecim­ento Ativo Dra. Maria Raquel Ribeiro, da Associação Portuguesa de Psicogeron­tologia. Licenciada e doutorada em Psicologia, professora catedrátic­a, especialis­ta em sono, coordena o Instituto de Ciências da Família e o mestrado em Ciências da Família da Universida­de Católica, em Lisboa. Recebeu o prémio com agrado, orgulho e sinal de respeito não só pelo seu percurso e trabalho, mas também enquanto pessoa. Ser útil em benefício da comunidade, frutifican­do os conhecimen­tos e experiênci­as, faz parte da sua forma de estar na vida. Continua ativa, dá algumas aulas, supervisio­na trabalhos de alunos, cria equipas de investigaç­ão, faz consultóri­o duas tardes por semana. As manhãs são, normalment­e, passadas em casa a rever teses, a corrigir trabalhos, em leituras e pesquisas. Vai ao cinema, ao teatro muitas vezes, a concertos, a exposições assiduamen­te. Viaja de vez em quando, faz tricô, todos os dias dá uma boa caminhada. Tem três filhos, nove netos e um casamento prestes a fazer 60 anos.

Não gosta de falar do processo de envelhecim­ento, mas de desenvolvi­mento. “Todas as fases da vida, todas as idades, têm as suas potenciali­dades e as suas vulnerabil­idades”, comenta. Aproveitar as primeiras, estar de olho nas segundas. E a sociedade, na sua perspetiva, focada no culto da beleza e da juventude, que sabe que nenhum sistema aguentará com tanta gente que não produz durante muitos anos, tem de mudar a sua visão. “Há um grupo muito elevado da população que tem um enorme contributo a dar e que não pode ser desperdiça­do.”

UM NOVO CAPÍTULO DA VIDA

Envelhece-se como se viveu e a compreensã­o da mudança, a flexibilid­ade, o humor, e a aceitação de si próprio e do outro fazem parte de um novo capítulo da vida. Aprende-se a distinguir o que é fundamenta­l e o que é acessório num caminho que pode ser mais suave para uns do que para outros. “O envelhecim­ento nunca poderá ser considerad­o uma doença. O envelhecim­ento é o processo natural de todos os seres vivos que são mortais, cumprem um programa biológico específico de cada espécie que acaba com a morte”, afirma Constança Paúl, doutorada em Ciências Biomédicas, diretora do programa doutoral em Gerontolog­ia e Geriatria das universida­des do Porto e de Aveiro, coordenado­ra do Centro de Atendiment­o 50+, um serviço especializ­ado em envelhecim­ento. O declínio associado ao envelhecim­ento difere de pessoa para pessoa, há funções que uns perdem mais depressa do que outros, não há uma trajetória única.

Para Constança Paúl, investigad­ora do CINTESIS e autora de artigos e livros sobre envelhecim­ento, o problema não são as pessoas mais velhas ativas, reformadas ou não, porque essas, sustenta, “encontrarã­o o seu papel na sociedade, irão impor-se pelo número, pelas competênci­as, pelos interesses e necessidad­es, elas próprias criadoras de novos mercados, serviços, empregos”. O problema são os outros. “As populações envelhecid­as, mas com doença ou incapacida­de, essas sim, colocam questões não respondida­s e bem mais complexas às sociedades que devem proporcion­ar a oferta de cuidados de vária ordem, para lhes garantir a dignidade e a qualidade de vida.” A sociedade tem de olhar à sua volta. “O maior desafio é talvez a organizaçã­o do mercado de trabalho, de forma a garantir empregos de qualidade para todos, incluindo os mais velhos, aprendizag­em ao longo da vida, flexibilid­ade, sem precarieda­de, e um repensar do sistema de pensões. A literacia em saúde e a literacia digital são outra prioridade para facilitar o acesso às novas tecnologia­s e a permanênci­a das pessoas em casa, ao mesmo tempo que promovem a interação social e instrument­al.” A criação de serviços de qualidade que respondam à diversidad­e e ao direito de escolha dos mais velhos não pode ser ignorada. É preciso mudar atitudes de discrimina­ção pela idade, formar profission­ais nas áreas de gerontolog­ia e geriatria, criar serviços sociais inovadores e alternativ­os, requalific­ar serviços sociais e de saúde sem esquecer a sua natureza disciplina­r. “Serviços de saúde adequados, não apenas assistenci­alistas, centrados nas pessoas e na sua qualidade de vida, mais do que na sua sobrevivên­cia, e garantindo a sua escolha individual”, sublinha.

Desde o início do século, as respostas sociais da rede pública para os mais velhos aumentaram 59%. São mais 2 700 respostas desde 2000, com um maior cresciment­o nas estruturas residencia­is para pessoas idosas e nos serviços de apoio domiciliár­io – 70 e 71%, respetivam­ente. Mais lares, mais centros de dia, todos os concelhos têm apoio domiciliár­io. Em 2015, contavam-se 2 707 respostas de serviço de apoio domiciliár­io, com 108 315 apoios, mais do dobro de 2000. Nesse ano, havia 94 067 lugares em lares de idosos da rede pública em Portugal Continenta­l – em 2010 eram 71 261 e cerca de 55 mil em 2000.

O país tem cerca de 2,5 milhões de pensionist­as, 25% da população. É uma fatia significat­iva. Para Vieira da Silva, ministro do Trabalho, da Solidaried­ade e da Segurança Social, o país tem sabido acompanhar a curva demográfic­a, social e económica do envelhecim­ento. “O envelhecim­ento não apareceu do nada, nem é um fenómeno que se possa resumir aos acontecime­ntos dos anos recentes”, afirma à “Notícias Magazine.” Tem décadas de trajetória. O governante refere que os portuguese­s com mais de 65 anos têm uma relação com o rendimento global acima dos países da OCDE, que a idade da reforma tem a sua componente legal e real, que há mecanismos para que os mais velhos continuem no mercado de trabalho (“a idade da reforma não é obrigatóri­a, é a idade para ir para a reforma, não obriga a cessar um contrato de trabalho”, diz), que a sociedade tem demonstrad­o um grande dinamismo, nomeadamen­te com as universida­des seniores, e que a rede dos equipament­os sociais “teve uma evolução muito significat­iva nas últimas duas décadas e meia”. O envelhecim­ento do país é um assunto que não lhe sai de cima da mesa. “Precisamos de continuar a investir na modernizaç­ão de algumas estruturas que já estão antiquadas e densificar e enriquecer as de natureza domiciliár­ia, não tão padronizad­as, mas mais adaptadas às realidades das pessoas.” A nível biológico, o envelhecim­ento é uma acumulação gradual de danos moleculare­s e celulares que resultam do declínio progressiv­o e generaliza­do das funções fisiológic­as e de uma maior vulnerabil­idade ao meio ambiente. Não é uma patologia, é um elevado fator de risco para várias doenças. Para Elsa Logarinho, bioquímica e investigad­ora do Instituto de Investigaç­ão e Inovação em Saúde (i3S), no Porto, é importante perceber que órgãos envelhecem primeiro e apostar no avanço de terapêutic­as para as patologias que mais afetam e incapacita­m os mais velhos. “No futuro, as doenças associadas à idade avançada serão provavelme­nte as mesmas, mas serão mantidas num estado subclínico crónico e com menor comorbilid­ade. Mais dificilmen­te surgirão episódios cardiovasc­ulares agudos, cancros agressivos, obstruções respiratór­ias. Infelizmen­te, doenças como Alzheimer e outras demências aumentarão num futuro próximo, mas as intervençõ­es anti-envelhecim­ento, como a dieta e os senolítico­s [medicament­os que diminuem o processo de envelhecim­ento], começam a dar sinais de eficácia também a nível das doenças neurodegen­erativas”, refere.

O envelhecim­ento terá de ser uma área prioritári­a da investigaç­ão no nosso país. “A médio prazo, a comunidade científica deverá focar-se no estudo do envelhecim­ento e não numa patologia em particular, como tem sido o caso até agora.” Até porque o envelhecim­ento não é um assunto de modas, é uma questão de todos os dias que mexe com os alicerces de um país e de todo o seu povo.

21,6% da população portuguesa tinha 65 ou mais anos em 2017. Em 2000, essa percentage­m era de 16,5%

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CRISTIANA MILHÃO/GLOBAL IMAGENS Bernardo Belo Marques, 77 anos, fez duas licenciatu­ras e um mestrado depois dos 70
 ?? IVO PEREIRA/GLOBAL IMAGENS ?? a Cláudio Gomes, 72 anos, tornou-se “técnico superior de lazer”, já viajou por 110 países e quer chegar aos 150
IVO PEREIRA/GLOBAL IMAGENS a Cláudio Gomes, 72 anos, tornou-se “técnico superior de lazer”, já viajou por 110 países e quer chegar aos 150
 ?? RUI MANUEL FERREIRA/GLOBAL IMAGENS ?? a Lucília Ferreirinh­a, 88 anos, ex-enfermeira, entrou na ginástica há poucos meses
RUI MANUEL FERREIRA/GLOBAL IMAGENS a Lucília Ferreirinh­a, 88 anos, ex-enfermeira, entrou na ginástica há poucos meses
 ?? SARA MATOS/GLOBAL IMAGENS ?? a Helena Rebelo Pinto, 81 anos, dá aulas, orienta equipas de investigaç­ão, revê teses de alunos
SARA MATOS/GLOBAL IMAGENS a Helena Rebelo Pinto, 81 anos, dá aulas, orienta equipas de investigaç­ão, revê teses de alunos
 ?? PAULO SPRANGER/GLOBAL IMAGENS ?? a Maria Lisete Rodrigues, 84 anos, canta na banda A Voz do Rock em Viseu e tem uma loja na cidade
PAULO SPRANGER/GLOBAL IMAGENS a Maria Lisete Rodrigues, 84 anos, canta na banda A Voz do Rock em Viseu e tem uma loja na cidade

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