Jornal de Notícias - Notícias Magazine

VIAGEM AO FANTASMA DE UM HOTEL

- EM MOÇAMBIQUE

O Grande Hotel da Beira, em Moçambique, é uma carcaça do período colonial, 12 mil metros quadrados e 500 quartos, inaugurado em 1955 e desde 1981 palco de sucessivas ocupações e pilhagens. Mas é um edifício que respira, abrigo insalubre de quatro mil pessoas, visitado e fotografad­o pelo repórter Leonel de Castro. Texto do jornalista José Miguel Gaspar.

Fica em cima da praia e do cotovelo dourado da Beira banhada pelo Índico, é só atravessar a estrada areada rara de palmeiras, e está ali posto desde 1955, imóvel como um elefante enorme morto. É mastodônti­co, mede 12 mil metros quadrados curvilíneo­s e é todo em betão. Sonhado cheio de êxtase na demência colonial, um sonho desmedido aberto na desrazão, foi inaugurado como Grande Hotel da Beira, naquela cidade de Moçambique, e queria ser o maior de todos os maiores hotéis, uma peça de arte total, moderna, nouveau, déco, a florir em bronzes, mármores, pratas, marfins, cheia de chandelier­s e de um luxo sem fim. Sobreabund­ante, exorbitant­e, nunca chegou a ter o casino tencionado, indispensá­vel para a sua saúde primal, e fechou como hotel oito anos depois, era já 1963. Mas continuou aberto a muitas funções de outra razão, festas, congressos, acontecime­ntos de salão e avançou assim até 1981. Conheceu depois outro tipo de ocupação, foi tomado de assalto pelo exército e a seguir pela população que o desarmou e descarnou, levando quadros, tapeçarias, talheres, loiças finas, os belos candeeiros, mármores, azulejos, as pias, as banheiras, tudo foi pilhado ou ardeu, como o parquet dos pisos de madeira usado para lareiras sem pudor. Os quartos e os salões dizimados, reduzidos a betão nu. E a grande piscina de azul radiante, olímpica a cintilar, ficou caída no que é hoje, é um coletor de água verde-mar, um mega tanque de lavar. O bar é um mictório. Fede. Não há água nem luz corrente. Só puxadas. O lixo grassa como

o capim acre de muitas cores.

Mas no meio da escuridão da Beira, a cidade erguida num pântano que era um porto de mar e que à pressa e sem planificaç­ão se alastrou na urbanidade que explodiu, a caixa forte descomunal do Grande Hotel ganha uma respiração incomum, inspira, expele e resfolga vida, está habitado por quatro mil párias que medram em mais de 500 quartos improvisad­os que nunca ninguém conseguiu expulsar, é hoje uma jangada de pedra que não sai do mesmo lugar.

 ??  ??
 ?? FOTOGRAFIA­S Leonel de Castro/Global Imagens TEXTO José Miguel Gaspar ??
FOTOGRAFIA­S Leonel de Castro/Global Imagens TEXTO José Miguel Gaspar
 ??  ??
 ??  ??
 ??  ??
 ??  ??
 ??  ??
 ??  ??
 ??  ??
 ??  ??
 ??  ??
 ??  ??
 ??  ??
 ??  ??
 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal