Jornal de Notícias - Notícias Magazine
A FINAL, QUEM DEFENDE OS ANIMAIS DE LABORATORIO?
RATINHOS DE LABORATÓRIO
De um lado, os investigadores que garantem que nalguns casos é impossível não usar animais em experiências científicas, nomeadamente para desenvolver novas terapêuticas. Do outro, os defensores dos animais que alegam que há outros métodos, falta é vontade e investimento. O debate é aceso. Cruza ética e ciência, custos e benefícios, bem-estar e sofrimento. A jornalista Sofia Teixeira entrevistou três cientistas, duas dirigentes de associações e uma deputada do PAN para perceber que direitos têm, afinal, os animais de laboratório.
O TEMA GERA EMOÇÕES E TOMADAS DE POSIÇÃO FORTES. O USO DE ANIMAIS PARA INVESTIGAÇÃO CIENTÍFICA CRUZA ÉTICA E MORALIDADE, CUSTOS E BENEFÍCIOS, BEM-ESTAR E SOFRIMENTO. O CAMINHO TEM SIDO A REDUÇÃO. OS INVESTIGADORES ALEGAM QUE A SUBSTITUIÇÃO TOTAL É IMPOSSÍVEL. MAS HÁ QUEM DEFENDA QUE EXISTEM ALTERNATIVAS EFICAZES.
Em 2019, foram usados em Portugal 79 447 animais para fins científicos, a maioria murganhos (também conhecidos como ratinhos), sobretudo na investigação de doenças infecciosas, cancro e perturbações do sistema nervoso, de acordo com os dados publicados pela Direção-geral de Alimentação e Veterinária (DGAV). A utilização de animais não-humanos para pesquisas científicas, nomeadamente para testar medicamentos, é muito antiga, mas continua longe de ser socialmente pacífica e eticamente inquestionável. Esta preocupação ética tem sido refletida na lei: a União Europeia baniu os testes de cosméticos em animais em 2004, bem como a venda de produtos cosméticos testados em animais, em 2013. Por outro lado, a Diretiva Europeia n.º 63/2010/CE – que Portugal transpôs para o Decreto-lei n.º 113/2013 – veio reforçar a proteção de animais usados para fins científicos. O princípio essencial é o dos três ‘R’s’: replace, reduce, refine (substituir, reduzir, refinar). Ou seja, substituir os animais por outros métodos sempre que possível, reduzir o número de espécimes em cada experiência e refinar os métodos para minimizar o sofrimento e aumentar o bem-estar dos que forem envolvidos em experiências.
Para determinar o que é o bem-estar animal, a ciência tenta definir as condições necessárias para que se possa dizer que uma criatura “tem uma vida que valha a pena ser vivida”, refere Nuno Franco, investigador no i3s – Instituto de Investigação e Inovação em Saúde, no Porto, onde faz investigação na área de bem-estar de animais de laboratório e valor preditivo do seu uso em biomedicina. “Procura-se que o uso de animais em ciência conflitue o mínimo com as chamadas ‘cinco liberdades’: estarem livres de fome ou sede; de desconforto; de dor, lesão ou doenças; de medo e angústia e poderem expressar comportamentos naturais, como a interação social”, pormenoriza o investigador, que fundou uma rede informal que reúne profissionais integrados em Órgãos Responsáveis pelo Bem-estar dos Animais (ORBEA), nos estabelecimentos onde são criados e usados para fins científicos ou educacionais.
A LETRA DA LEI
A legislação em vigor estabelece desde logo que os animais só podem ser usados quando não há alternativa viável e também que deve haver uma avaliação de dano e benefício para cada projeto submetido a aprovação. Nuno Franco explica que, em Portugal, esta avaliação é realizada a dois níveis. “Ao nível local, cada estabelecimento onde são utilizados animais para fins educacionais ou científicos deverá ter um ORBEA, que emite um parecer não vinculativo. O parecer vinculativo é depois emitido – ou não – pela autoridade competente: a DGAV”. Estes pedidos de licença, detalha, incluem informação sobre os procedimentos a realizar, as condições de alojamento, as pessoas responsáveis pelos procedimentos (que devem ter formação específica e estar certificadas) e, por fim, a razão pela qual os animais são imprescindíveis.
A questão que levanta mais preocupações éticas e as reações mais emotivas é o sofrimento a que o animal está sujeito. Também isso está regulado: a severidade dos procedimentos em animais de laboratório é classificada em quatro categorias: não recuperável, ligeira, moderada ou severa. Ricardo Afonso, presidente da Sociedade Portuguesa de Ciências em Animais de Laboratório, esclarece que as classificações ligeira e moderada dizem respeito a ações que se preveem causar desconforto ou dor, ligeiros ou moderados, por um curto intervalo de tempo e que estas são autorizadas dentro dos trâmites legais que o processo de aprovação envolve. “Já a classificação de severidade ‘não recuperável’ pressupõe que todas as intervenções ou procedimentos são realizados sob anestesia geral, portanto, sem dor ou desconforto para o animal, não se prevendo a sua recuperação de consciência no final das intervenções”, clarifica o médico, investigador e professor na Nova Medical School, em Lisboa.
Por fim, a classificação “severa”, ou seja, os procedimentos que induzem dor ou sofrimento consideráveis ou duradouros só podem ser realizados com autorizações excecionais que, afinal, não são assim tão raros. “De acordo com a lei vigente, o recurso a procedimentos classificados como ‘severos’ só pode ocorrer me
“PROCURA-SE QUE O USO DE ANIMAIS EM CIÊNCIA CONFLITUE O MÍNIMO COM AS CHAMADAS ‘CINCO LIBERDADES’: ESTAREM LIVRES DE FOME OU SEDE; DE DESCONFORTO; DE DOR, LESÃO OU DOENÇAS; DE MEDO E ANGÚSTIA E PODEREM EXPRESSAR COMPORTAMENTOS NATURAIS”
Nuno Franco investigador no i3s - Instituto de Investigação e Inovação em Saúde
“OS ANIMAIS NÃO HUMANOS EXPERIMENTAM DOR, PRAZER E SOFRIMENTO. NÃO DEVIA SER ETICAMENTE ACEITÁVEL UTILIZÁ-LOS COMO RECURSO”
Rita Silva
Presidente da Animal
“[O GOVERNO] TEM DE APOIAR AS INSTITUIÇÕES QUE JÁ ESTÃO A FAZER UM INVESTIMENTO EM ALTERNATIVAS AOS MODELOS ANIMAIS E DEVE INCENTIVAR AS OUTRAS NESSE SENTIDO”
Bebiana Cunha Deputada do PAN