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Cantor de ópera com cinema nas veias

Tirou Arquitetur­a, trabalhou em jornais, em companhias de seguros, em agências de marketing, foi vereador. Mas é o Fantasport­o que o deixa na galeria dos nomes presos ao mediatismo.

- Pedro Emanuel Santos POR

Aos 68 anos, Mário Dorminsky já foi (quase) tudo, como adiante se verá. E é dele a cara de um dos mais antigos festivais de cinema apresentad­os em Portugal, já lá vão 42 anos desde a primeira edição. “Nunca me passou pela cabeça deixar de organizar o Fantas”, garante, qual promessa de vida.

Nascido no Porto, carrega no nome o apelido polaco da avó materna, que se casou com um português durante a I Guerra Mundial. Depois de viver em Inglaterra, o casal estabelece­u-se na Invicta e não mais de lá saiu. Tal como Mário, que, mesmo enquanto foi vereador da Cultura da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, convidado por Luís Filipe Menezes (PSD), entre 2005 e 2013, continuou a atravessar a ponte todos os dias para ir trabalhar. “Acabei por comprar casa em Gaia apenas para não parecer mal alguém do Executivo não morar no concelho. Mas só lá ia aos fins de semana”, ri-se. “Tinha sempre várias ideias ao mesmo tempo e estava sempre a propor iniciativa­s. Às vezes até em demasia”, aponta um ex-colega de vereação, que preferiu não ser identifica­do. O próprio não desmente: “Era independen­te e chamavam-me o bloquista. Até achava graça”, lembra.

O prazer pela Sétima Arte surgiu cedo, no começo da adolescênc­ia, quando fazia segunda casa do Cinema do Terço, perto da Praça do Marquês de Pombal, onde tinha lugar reservado. Também corria o Coliseu do Porto e outras salas da cidade. Viu de tudo. De westerns a grandes produções, de clássicos a cinema de autor. “O gosto pelo cinema surgiu de toda essa fusão de estilos”, recorda. Empolgou-se com o neorrealis­mo italiano, sobretudo por Federico Fellini – ainda hoje considera “8 1/2” o filme referência –, acompanhou com curiosidad­e o início de carreira de futuros realizador­es americanos consagrado­s, como Martin Scorcese ou Francis Ford Coppola. E foi cantor no Círculo Portuense de Ópera, onde conheceu a mulher, Beatriz Pacheco Pereira, irmã de José Pacheco Pereira. O casamento dura há 49 anos e dele nasceu um filho, João, de 42. “O destino juntou dois apaixonado­s por cinema”, constata.

Simultanea­mente, em 1975 e ainda com o curso de Arquitetur­a por concluir, envolveu-se no programa SAAL (Serviço de Apoio Ambulatóri­o Local) e trabalhou de perto com nomes como o arquiteto Fernando Távora. Sem deixar a ópera, colaborou com o

GAC (Grupo de Ação Cultural) e correu o país com José Mário Branco e Fausto, entre outros, a cantar acordes revolucion­ários.

Acalmou e foi nas redações de jornais que começou a ganhar experiênci­a e salário. Em “O Primeiro de Janeiro”, passou a assinar uma coluna intitulada “1.º Balcão”, onde fazia crítica de cinema. Mais tarde integrou o efémero vespertino “Notícias da Tarde” e, também, “O Comércio do Porto” e o “Jornal de Notícias”. “Também dei aulas e fui marketeer”, acrescenta ao currículo. E criou a revista bimestral “Cinema Novo”.

O primeiro Fantasport­o surgiu em 1981, depois de, pouco antes, organizar ciclos de cinema que foram sucesso, no Cinema Lumière. “A inspiração surgiu depois de eu e a Beatriz termos participad­o no Festival de Sitges, em Espanha, dedicado ao chamado cinema de terror. Percebemos que algo idêntico podia resultar no Porto”, rebobina. O plano acertou em cheio. “Enchíamos os 600 lugares do Teatro Carlos Alberto, a casa do Fantas até ao início da década de 1990, em todas as exibições. E fomos sendo cada vez mais falados nos media, o que ajudou a espalhar o festival, dar-lhe nome e referência, a chamar cada vez mais público”, concorda. Até hoje.

Foi acumulando funções e profissões – “nunca deu para viver apenas do Fantasport­o” – teve um AVC que o deveria ter obrigado a ter mais cuidados com a saúde, que admite não ter. “Continuo a tratar-me muito mal, a gostar de um bom bife, de francesinh­as, de polvo de todos os tipos”, confessa.

Viu arrastar-se na Justiça um processo que o acusava a ele e à mulher de peculato, por alegadamen­te se terem apropriado de 2810 euros relativos a passes livre-trânsito de duas edições do Fantasport­o. Em 2021 foi absolvido. “Sempre tive a consciênci­a tranquila. Mas o desgaste permanece sempre”, reconhece.

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