Surf: um “boom” com risco de explosão
Sobrelotação é a palavra-chave para descrever a realidade em muitas das praias portuguesas. O negócio, sobretudo graças ao turismo e à aprendizagem, está em alta, mas há quem lance alertas antes que rebente pelas costuras
Dizer que o surf em Portugal está na crista da onda soa a cliché, mas seria difícil encontrar imagem mais adequada. As provas internacionais têm-se sucedido neste início de outono – nesta última semana decorreu o Billabong Pro Cascais e o Cascais Women’s Pro, na segunda quinzena de outubro tem lugar o Meo Rip Curl Pro, em Peniche, sendo as duas últimas parte integrante dos respetivos circuitos mundiais. E os números da economia do surf, a chamada “surfonomics”, reforçam a ideia de que o nosso país já é a Califórnia da Europa. O im- pacto da modalidade na economia nacional estima-se que atinja os 400 milhões de euros, valor avançado tanto pela revista financeira norteamericana “Forbes” (em 2009, esta publicação apontava metade deste valor) como pela Associação Nacional de Surfistas, cujo presidente Francisco Rodrigues, numa entrevista recente ao “Expresso”, dizia que o número até podia pecar por defeito. E ao contributo da indústria (escolas de surf, lojas de material e organização de eventos), do turismo e dos mais de 212 mil surfistas que em 2012 se sabia estarem radicados em Portugal, acrescenta um quarto fator: a indústria têxtil, que fabrica muito vestuário de surf para multinacionais.
Parece que o paraíso é mesmo aqui e depois de um primeiro impulso de popularidade no início da década de 1990, seguido de uma quebra no fim do Século XX, em que o número de praticantes federados caiu para metade (568, em 1999, segundo dados da “Pordata”), viveramse entretanto vários “booms”. A nível nacional, estes mesmos federados estabilizaram acima dos 1500, mas foi do estrangeiro que veio um novo fôlego. Primeiro, graças ao mediatismo do recorde do Guinness da maior onda surfada no mundo, por Garrett McNamara, a 1 de novembro de 2011, na Nazaré; atualmente, devido ao crescente fluxo de turistas que nos visitam durante todo o ano, também como resultado do grande investimento de entidades como o Turismo de Portugal. Venham ou não com o intuito de surfar, é aquilo que acabam por fazer no país que já tinha 800 quilómetros de costa mais as ilhas e ainda construiu quatro centros de alto rendimento para a modalidade, em Viana do Castelo, Aveiro, Nazaré e Peniche.
ENTRE O NEGÓCIO E O RISCO DE ACIDENTES
No meio de tantas rosas, há, porém, alguns espinhos. E há quem chame a atenção para eles, antes que ponham em risco este filão. João Diogo, 44 anos, é proprietário de uma escola na praia de Matosinhos, a Surfing Life Club, e presidente da Associação de Escolas de Surf de Portugal, criada há cerca de um ano e que engloba meia centena de associados de norte a sul do país. “Vivemos um novo ‘boom’ do surf português, sobretudo devido aos estrangeiros, mas também a instituições como escolas, health clubs ou câmaras municipais que querem incluir o surf nos seus programas lúdicos. É bom para o negócio, mas agrava a sobrelotação das praias. Muitas vezes não se consegue dar uma aula em condições, além de aumentar seriamente o risco de acidentes”, diz-nos este pioneiro do ensino da modalidade no Grande Porto.
A solução, aponta, pode passar por uma regulamentação mais rígida e fiscalização eficaz. A praia onde nasceu para a competição e agora trabalha, um areal de cerca de um quilómetro de extensão, tem nove escolas mas nem todas estão licenciadas pela Capitania do Porto de Leixões. “Há escolas que não têm licença e nem sequer monitores certificados. E além das que aqui existem ainda vêm para Matosinhos outras de várias localidades da região”, sublinha.
“FREE SURF É MUITO PENALIZADO”
As escolas do Porto e Matosinhos, por exemplo, já pediram reuniões às entidades responsáveis no sentido de se conseguir maior organização. O que passaria, entre outras coisas, por limitar o número de estabelecimentos de ensino por praia, baseado em critérios como ser local, anos de experiência, número de monitores ou quantidade material. “E Matosinhos nem é o pior exemplo, há outras praias que nem deveriam
ter mais do que uma escola a funcionar”, acrescenta, ao mesmo tempo que lembra que “o free surf é muito penalizado com o fenómeno das escolas”. “Quem quer fazer o seu surfzinho não pode, as coisas têm de ser mais organizadas”. E ilustra com as concessões de praia: “Tal como aconteceu com os bares, que tiveram de se juntar, deve ser igual para as escolas de surf ”.