O Jogo

Esse país secreto que é a vida

- Jacinto Lucas Pires

P odemos tentar racionaliz­ar a coisa, caros amigos, mas o que é que isso ajuda? Foi um fracasso, um fiasco, a ida do campeão a Nápoles. Podíamos racionaliz­ar, sim, dizer que o descalabro durou só uns minutos e que o resto nem foi assim tão mau, que as bolas paradas têm sempre qualquer coisa de lotaria, que andamos com um azar danado com as lesões, etc – mas do que é que isso nos servia? As quatro bolas italianas, já ninguém as tira da nossa baliza, não é verdade? Não, não adianta fazermo-nos de inteligent­es a arranjar desculpas depois do sucedido. Nesse país secreto que é o sul de Itália, foi como se uma tempestade tivesse desabado sobre nós. Para o coitado que se vê no mar, perdido entre vagas imensas, debaixo de uma descarga de águas pesadas e a apanhar relâmpagos na tola, de que adianta saber que a tempestade foi formada por um anticiclon­e não sei onde ou por uma frente fria ou quente mais assim ou mais assado? Levámos com o facto em cima, agora só nos resta dar a volta à coisa.

Há muito tempo, eu era uma criança a ver o Glorioso na Catedral. Não sei contra quem jogávamos, não tem importânci­a. Só me lembro que perdemos e que eu fiquei perdido de todo. Sem pudor, lancei-me num pranto doido, desfiz-me ou fiquei lavado em lágrimas, a minha cara uma intempérie, chorei e chorei. Já as pessoas começavam a largar os seus lugares no estádio e voltavam a pôr as máscaras do diaa-dia, e ainda eu resistia, sozinho contra o mundo, trancado na choradeira, meio espantado com a minha cara entornada. Preocupado­s, os meus pais pediam-me calma, mas reza a lenda que só me calei ao ouvir o conselho de um senhor de óculos redondos: “Deixem-no estar, eu se pudesse também chorava…” Lembrei-me disso esta quarta, enquanto dizia aos meus filhos para se acalmarem, que ainda havia muito tempo para a reviravolt­a, que em Lisboa havíamos de ensinar àquela malta napolitana o que era jogar à bola, e tal.

Pois, não estou aqui para racionaliz­ar, dourar a pílula, fazer de conta. Mas é verdade que houve uma coisa boa, uma luz, um farol, no meio daquele dilúvio tremendo. Não foi nenhum nome, nenhum jogador. Foi o coração lúcido que a equipa conseguiu resgatar no final, quando o mais fácil era desistir. Aqueles dois golinhos, caros amigos, são muito mais que golos, são uma lição de vida. Hoje, com o Feirense, há que continuar a escrevê-la.

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