O Jogo

UNIDOS NUM VERMELHO A DOIS

Liderança presa por um ponto já não comove nem os bracarense­s do Benfica. Na Pedreira cravou-se a identidade do clube

- MÓNICA SANTOS

Não é preciso recuar muito para lembrar o tempo em que para o Benfica, jogar em Braga era estar em casa. A mudança é nítida e a era da Pedreira diluiu essa tendência. Até entre os que permanecem benfiquist­as

Aproxima-se um BragaBenfi­ca temperado pela pressão que os dois amores da cidade minhota enfrentam no topo da tabela. Não há muitos anos, seria pretexto para os adeptos da Luz esfregarem as mãos de contentame­nto pela oportunida­de de verem, em casa, o vermelho que dominava a bancada do 1º de Maio. Com a mudança para a Pedreira e o cresciment­o do Braga, porém, a relação alterou-se. Definitiva­mente, é o vermelho que mexe com os corações, por aquelas bandas, mas é agora um vermelho a dois e, cada vez mais, um vermelho guerreiro, o do espírito assumido pelos que jogarão, no domingo à noite, sob a orientação de Jorge Simão, a tentar fintar uma série de maus resultados. João Marques, 57 anos, é desses que cresceramc­omoBenfica­como inspiração. Pelo Braga, este empregado de farmácia guarda “simpatia”, mas a conversa, breve, à volta de uma montra de jornais que muitos cidadãos param para esmiuçar, sob as arcadas, há de revelar um equilíbrio de paixões maior do que o enunciado. “Não fico chateado, se perder”, garante quem só não estará na bancada “por causa do frio”. A televisão e o sofá também já estão reservados por Luís Gomes para domingo à noite. Ao contrário do conterrâne­o, quando se lhe fala do clube que prefere ele atira “Braga!” como quem remataàbal­izadeprime­ira.Nem sempre foi assim. “Era meio por meio” com o outro vermelho do campeonato, “mas agora é diferente”. É do tempo em que, “no 1.º de Maio, no meio dos sócios, no tribunal, havia sócios do Benfica, e geravamse conflitos. Agora, é mais Braga. Claro que há alguns que se mantêm do Benfica, mas não é como antigament­e”, garante. Não é, de facto, e quem esteve na Pedreira num destes encontros, nos últimos anos, percebeu claramente que, ali, o Benfica não joga em casa. “O Braga era um clube do meio da tabela e o Benfica de topo. Agora, o Braga chegou-se mais à frente, e eu também”, sorri. “Andámos quase na luta pelo título, com o Domingos Paciência”, lembra, contente com o conflito de interesses que o conquistou para os guerreiros, e como ele a muitos outros. A “malta nova” até já fez mossa nas instalaçõe­s locais do emblema da Luz, recorda quem está “melhor assim”: “As pessoas devem ser pelo clube da terra, não pelos lá de longe”.

Não muito longe das arcadas, há “malta nova” que olha para o futebol de soslaio. Luís Polanah, 22 anos cordiais, com um visual que mistura tranças e cabelo rapado, começa por se declarar portista, por “tendência familiar”. Ele não vai à bola, declara. Talvez dedique essa hora e meia de domingo a “jogar no computador ou a fazer música”. E talvez arraste um amigo com ele. Ou, afinal, talvez vá à Pedreira, pois o padrasto é “glorioso ferrenho” e ele, desde que viu a final do Euro’2016, “ali, no Campo da Vinha”, rendeu-se àquela sensação de “um todo a sentir a pressão do jogo, até que o Éder, do nada, remata mesmo naquela: ‘Paciência, vai assim!’” Ele “nem estava à espera de sentir aquele êxtase”, mas não é o único, por aquelas bandas, disposto a ser conquistad­o. Avança-se na praça, a descer no escalão etário, e a geração McDonald’s oferece-se à conversa, com provocação e muitos risos, porque esta idade é mesmo uma gargalhada. Benfiquist­a, Sofia vê a confiança no triunfo dos de Rui Vitória abafada pela convicção portista de Filipe, rápido no argumento como no drift, a arte de manobrar carros: “Claro que vai perder”. É ele também quem atropela a lábia sportingui­sta de Fábio. “Não importa se ganha-

mos ou perdemos. Sabe o que é?É o amor à camisola”, proclama o leão, atropelado por um corrosivo “É o amor às derrotas” do piloto sem idade para ter carta de condução. Sérgio, rapaz de 17 anos do Alívio, que “é quase uma cidade ali para os lados de Vila Verde”, ainda é do vermelho da Luz e está preocupado. “O Braga esfarrapa-se todo a jogar como Benfica ”, diz quem não crê na conquista do campeonato – parece mesmo mais um à espera de ser conquistad­o.

 ??  ??
 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal