O Jogo

Pai de Zidane foi o único que não viu a final do Mundial’98

Infância e início da carreira de Zizou são recordados pelo progenitor, que como muitos portuguese­s foi para França trabalhar na construção

- JOÃO ARAÚJO

“Os meus colegas iam para o metro e eu para um canto numa construção” “Primeiro golo de Yazid; segundo golo, ele outra vez. Como deve estar feliz o nosso Yazid” Smail Zidane Pai de Zinedine Zidane

É hoje lançada uma autobiogra­fia do pai do treinador do Real Madrid, que emigrou para França em 1953, passando fome e frio. Conta, também, episódios do mais novo e famoso dos cinco filhos

Smail Zidane, pai de Zinedine (Yazid para a família e amigos), lança hoje uma autobiogra­fia da qual se conheceram ontem alguns excertos, publicados no jornal francês “Le Parisien”. O filho, o mais famoso dos Zidane, assina o prefácio e surge, naturalmen­te, em alguns dos capítulos, em particular aqueles divulgados pelo diário parisiense.

A obra versa a vida do argelino que emigrou para França em 1953 à procura de trabalho – que encontrou na construção civil –, num relato que poderia ter como protagonis­ta um dos muitos portuguese­s que também demandaram Paris em busca de melhores condições de vida.

“Decidi ficar a dormir no estaleiro, a dois passos do futuro Stade de France, em vez de ir para um daqueles hotéis que obrigam os clientes a fazer lá as refeições para cobrarem mais. A cada fim de tarde, os meus colegas iam para o metro e eu para o canto que encontrei num apartament­o em construção. É abrigado do vento, mas quando chove a humidade impregna as minhas pobres roupas”, conta Smail, acrescenta­ndo não ser a magra refeição capaz de o aquecer: “duas porções de queijo, uma barra de pão e uma banana!”

O inverno de 1954, conta o livro, seria um dos mais frios do século XX. “Em janeiro de 1954, em Paris, a temperatur­a desceu a -10º e no início de fevereiro até -13º”, recorda o pai do atual treinador do Real Madrid.

A infância, o início de carreira de Zidane e o momento alto que foi o Mundial’98, em que a França se sagrou, pela primeira vez, campeã, também são recordados na primeira pessoa. E numa perspetiva muito pessoal. Desde o afeto de uma professora que dizia que ninguém ouvia Zinedine na sala, mas que estava sempre a mexer-se e era distraído. “Mas desculpamo­slhe tudo porque é muito bonito”, elogiou ela desconhece­ndo que o efeito que estas palavras tiveram no pai não foi o que se esperaria: “Gostei do elogio, mas não lhe disse porquê. Para poupar dinheiro, era eu que cortava o cabelo a todos os meus rapazes... Claramente, o resultado não era catastrófi­co”, congratulo­u-se Smail Zidane. No Cannes, no começo da formação como jogador, o treinador recompensa­va os golos de Zidane com idas às melhores lojas de roupa e mais tarde, nos seniores, em 1991, foi o próprio presidente do clube que lhe prometeu um carro caso marcasse. E marcou. E teve o carro novo. E o pai recorda: Outros tempos, eu nunca tive um carro novo e o meu velho R12 durou 14 anos!”

A final do Mundial de França foi um dos episódios que maior espaço mereceu de entre os vários revelados pelo “Le Parisien”. Fica-se a saber que o pai de Zidane, autor dos dois primeiros dos três golos dos bleus ao Brasil, acredita ter sido o único do bairro que não viu o jogo. Não foi ao estádio, onde estavam a nora e Enzo, filho mais velho de Zidane, e em casa juntaram-se demasiados amigos e familiares para estar à vontade para cumprir a missão que lhe fora confiada pelo filho: tomar conta do neto de dois meses, Luca. E lembra: “Fui para o jardim, com Luca nos braços. O tempo está bom neste início de verão e sento-me numa cadeira para melhor embalar o meu neto que dorme como um anjo. Devo ser o único de todo o bairro que não está a ver o jogo! Noureddine [irmão de Zidane] prometeu que me avisava da marcha do marcador... apesar de me bastar ouvir os gritos! Ele veio ao jardim por três vezes. Primeiro golo de Yazid; segundo golo, ele outra vez. Como deve estar feliz o nosso Yazid! Não consigo desviar o meu olhar dos olhos fechados, da respiração tão leve de Luca. E os meus lábios murmuram, como se tivessem vontade própria: Ah, o teu pai, o teu pai... Sinto-me tão bem neste momento, tão cheio de gratidão por tudo o que Deus nos deu, que Lhe agradeço e Lhe peço que proteja este pequeno ser que acorda para a vida”.

Refira-se, apesar de não constar da biografia, que as preces do avô parecem ter sido atendidas, já que Luca Zidane, hoje com 18 anos, é guarda-redes do Castilla, a filial do Real Madrid, onde o pai agora treina, depois de ter jogado e ganho títulos nacionais, europeus e interconti­nentais.

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Duas gerações de Zidane: Zinedine e Smail, filho e pai. Este lança uma autobiogra­fia

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