UMA TRADIÇÃO DE FAMÍLIA
Das 18 equipas da I Liga, apenas cinco não têm atletas com pais que também foram jogadores de futebol. Em todos os outros há “filhos de peixe” a saber nadar
Mesmo que não se considerem condicionados, jogadores admitem que o percurso dos pais influenciou as suas escolhas e procuram tirar partido da experiência dos progenitores
Gamboa é, desde há várias décadas, nome de jogador de futebol. Quem brilha agora é João, médio-defensivo do Marítimo. Antes dele foi o pai, Jorge Gamboa (no Rio Ave, Braga, Santa Clara, BeiraMar...), o avô e o bisavô – Gamboas, claro está! – no Atlético, Oriental e Belenenses.
“Cresci a respirar futebol, a ver o jogo, a entrar no balneário”.Lembrandoisso,Joãoconsidera que estas vivências “influenciaram um bocadinho” a sua escolha. O pai, por outro lado, “não queria que ele seguisse o futebol”, e não vai esquecer que o filho prometeu terminar a licenciatura em fisioterapia e aproveitar “os 20 que tirava a matemática e as vezes que esteve no quadro de honra da escola”. “Não é um mundo fácil e sempre o tentei levar para outro lado, sem me intrometer nas suas escolhas. Só queria que ele estivesse feliz”, explica Jorge.
A mesma certeza tem Rúben Fernandes. “Influenciou, isso é certo”, considera o central do Portimonense. O pai, José Fernandes, também ele ex-jogador com passagem pelo Portimonense,AcadémicodeViseu e Leixões, entre outros, partilha da ideia. “Os anos que passou comigo despertaram-lhe o interesse. Acompanhou a minha fase inicial de treinador, andava sempre comigo ao fim de semana”, recorda José Fernandes.
NaILigasãomuitososexemplos de atletas cujos pais também foram futebolistas. Gonçalo Paciência (FC Porto), Mattheus Oliveira (V. Guimarães), André André (FC Porto), João Novais (Rio Ave) ou Fábio Martins (Braga) são apenas alguns dos exemplos. Das 18 equipas da prova, apenas cinco não têm atletas nesta condição. É caso para perguntar: filho de peixe sabe nadar?
“Os filhos vão ser sempre diferentes dos pais, embora ele tenha muitas coisas parecidas comigo”, avalia Domingos Pa- ciência, o pai que, por estar em estágio (em 1994, na Escócia, quando o FC Porto era treinado por Bobby Robson), só conheceuofilhopassadosquatro diasdoseunascimento–“uma eternidade” – e porque lhe enviaram uma fotografia... por fax! Tanto ele como o filho Gonçalo, diz, têm “a mesma formação. O Gonçalo tem atitudes em campo que me fazem lembrar de mim. Em termos de qualidade, somos diferentes. O Gonçalo consegue antecipar as situações e arranjar soluções. Tem físico forte, mobilidade e rapidez. Ele é o ponta de lança que o futebol português sempre pediu. Tem características muito próprias e não vejo um ponta de lança com as qualidades do Gonçalo a jogar. Tem muita qualidade técnica.”
“Somos iguais na competitividade, na raça”, diz por sua vez João Gamboa. No resto, considera, são muito distintos. “Ele era rápido e eu sou lento. Eu sou alto e ele é baixinho. Sou mais posicional e inteligente”, diz. “O João tem evoluído muito. Joga pesado, de forma inteligente”, concorda o pai.
Nascidos no meio do futebol, começaram a praticar a modalidade em momentos diferentes e por motivos distintos, mas os trilhos trouxeram-nos à profissão dos progenitores. Algo que Jorge Gamboa, assume, não queria.
“Tenho a noção de que no futebol não chega ser profissional a 100%, temos de ser a 300%”, justifica-se o ex-avançado. “Há muita ilusão e pode haver frustração. O sonho pode diluir-se e esse era o meu maior receio. Tinha um sentimento misto, gostava de o ver jogar, mas... se as coisas não correm bem... Tem de haver algum cuidado na gestão que se faz da criança e das ambições”, completa Domingos, para quem a preocupação permanece igual. “Sei que quanto mais se vai crescendo e quanto mais se alimenta os sonhos, sofremos mais. Ele está a lutar para chegar a um patamar de excelência. Agora, a preocupação maior são as lesões. É preciso fazer um trabalho de prevenção rigoroso.”
Para lá das lesões, as dispensas, o rasgar a ilusão, é alvo da atenção de quem tem os filhos numa profissão que já foi sua. João Gamboa passou pelos juvenis do Benfica, onde foi campeão nacional de sub-17 e depois “teve uma lesão grave”. “Isso foi um retrocesso porque no Benfica há sempre muitos talentos a chegar. Acharam que não havia espaço para ele e dispensaram-no. Marcou-o, a ele e a mim, não lhe terem falado diretamente e ter sido por telefone. Não é correto. Devia ter sido olhos nos olhos. Perguntei-lhe se queria ser jogador de futebol.
“O Gonçalo tem atitudes que me fazem lembrar de mim”
Domingos Paciência
Treinador e ex-jogador de futebol
Ele respondeu que sim. Então, disse-lhe, ‘vais ser!’”, confidencia Jorge.
Às preocupações dos pais corresponde a tranquilidade dos filhos, certos de que o percurso paterno lhes confere mais experiência do que a que realmente têm.
“Dá mais noção”, afiança João Gamboa. “Ter um pai que já viveu neste mundo ajudanos a antecipar as coisas que podem acontecer. Guia-nos um pouco. Aumenta a experiência e o conhecimento”, considera.
“O meu pai sempre me incentivou e disse o que tinha de fazer, cuidados de alimentação, alertou para as saídas à noite. Ensinou-me e isso ajudou a que estivesse bem agora”, confidencia o central do Portimonense, de 31 anos.