AMAMENTADOS NA SOMBRA DO GIGANTE
Três dos mais importantes desportistas lusos da história tiraram partido das melhores infraestruturas desportivas e da maior competitividade do país vizinho. E a tendência nem é de agora
A diferença de dimensão física dos países ibéricos ibéricos reflete-se no desporto. Alguns portugueses tiraram, porém, partido da vantagem espanhola e projetaram-se mundialmente
Quando chegou ao Real Madrid, no verão de 2009, Cristiano Ronaldo já tinha sido campeão europeu e mundial de clubes e ganho uma Bola de Ouro e um prémio FIFA World Player of the Year, pelo ManchesterUnited.Nacapitalespanhola, no entanto, multiplicou troféus e a sua imagem ganhou uma dimensão realmente planetária – acrescentou quatro Champions e outras tantas Bolas de Ouro e três Mundiais de Clubes ao palmarés, apenas para citar as conquistas mais importantes. O exemplo de CR7 é, provavelmente, o mais conhecido nesta relação entre o desporto dos dois países cujas seleções principais de futebol se defrontam hoje na ronda de abertura do Grupo B do Mundial, mas nem sequer será o mais emblemático. Há um trio de ases do desporto português – que, além de ídolos atuais, alcançaram feitos inéditos nas respetivas modalidades – que dificilmente seriam quem são hoje sem as condições de que o desporto usufrui no país vizinho: João Sousa, no ténis; Rui Costa, no ciclismo; e Miguel Oliveira, no motociclismo.
Em 2004, no ano em que Portugal organizou o Europeu de futebol, cuja final perdeu com a Grécia, depois de ter contribuído para deixar a Espanha pela fase de grupos (vitória por 1-0), então com apenas 15 anos, o vimaranense João Sousa convencia os pais que a emigração era a melhor opção para singrar no mundo do ténis. A escolha recaiu, naturalmente, na província espanhola da Catalunha, verdadeira fábrica de tenistas de topo. Passou um ano integrado nas escolas da Federação Catalã, passando depois para a academia Barcelona Total Ténis. Seis anos e muito esforço financeiro dos pais depois foi o tempo que João Sousa precisou para conquistar a independência financeira, sensivelmente o mesmo que a Espanha precisou para ganhar um Europeu e um Mundial de futebol… Por essa altura, já Rui Costa tinha trocado o Benfica, onde passara a ciclista profissional, pela Caisse D’Epairgne, a atual Movistar e desde sempre tutelada pelo manager Eusebio Unzué, um dos responsáveis por carreiras como as de Miguel Indurain ou Pedro Delgado. O poveiro tinha 23 anos e passaria os cinco seguintes a evoluir como profissional na estrutura espanhola.
A diferença de idades – nove anos para Rui Costa e seis para João Sousa – não impediu a coincidência no tempo com a aposta de Miguel Oliveira na tradição e qualidade dos espanhóis no motociclismo. Depois de ter começado a dar nas vistas aos nove anos, com triunfos em Portugal e depois no país vizinho,oalmadenseestreou-seno Mundial de velocidade em 2011, na categoria 125 cc, na equipa Andalucia/Cajasol. Mas seria no ano seguinte que começaria a caminhada, agora histórica, na escuderia Estrella Galicia, do antigo piloto Emilio Alzamora, em Moto3. Alzamora é responsável pelo lançamento de alguns dos maiores talentosdasduasrodas,nomeadamente os irmãos Marc e Alex Márquez,AlexRinsouFrancesco Bagnaia. E, claro, Miguel Oliveira, que em 2015 assinou o primeiro triunfo português no Mundial (Moto3), a que somaria mais cinco nesse ano, três em 2017 (Moto2) e outro este ano, no GP de Itália. Para o
ano, estará na categoria rainha, o MotoGP, ao serviço da KTM, mais um marco, ao nível dos dois parceiros de emigração. João Sousa tornava-se, em 2013, no primeiro português a vencer um torneio do circuito ATP, no Malásia Open, num ano especial para o desporto português, já que Rui Costa conseguia, em Florença, um inédito título mundial de ciclismo de estrada. Quando se transferiu para a italiana Lampre, em 2014, Rui Costa já somava três triunfos de etapa na Volta a França e 17 das 24 no World Tour. Quan toa Sousa, depois de 2013, ganhou outros dois torneios ATP, o Open de Valência em 2015 e o Estoril Open este ano, além de outras sete presenças em finais e um 28.º no ranking mundial em maio de 2016.
Se este trio “nasceu” para o alto nível em Espanha, outros antes deles passaram a fronteira à procura de melhorar aqueles que já eram bons registos. Ainda no século passado, logo após ter-se sagrado campeã europeia de 1500 metros, a atleta Carla Sacramento mudou-se para Madrid, embora não voltasse ao nível anterior. Pelo contrário, Francis Obikwelu obteve o maior sucesso da carreira depois de ter ido treinar para a capital espanhola: a medalha de prata nos Jogos Olímpicos de Atenas, atrás de Gatlin e à frente de Greene, com 9,86s que lhe valeram também o recorde europeu do hectómetro.
Mais recentemente, o triplista Nelson Évora e o lutador de taekwondo Rui Bragança seguiram a mesma via. Évora, a treinar com o cubano Ivan Pedroso,estáaviverumasegunda juventude. Apesar de já ter reconhecido que sai a perder em termos de condições de trabalho, diz que passou a treinar “com Ferraris”. Rui Bragança, emigrante há menos de um ano,tambémtemnosparceiros de treino uma maneira de subir a fasquia da exigência, convivendo com uma boa meia dúzia de candidatos a medalhas olímpicas naquela arte marcial.