O Jogo

TODOS TORCEM MAS CADA UM SOFRE À SUA MANEIRA

Quem aguenta um jogo cardíaco sem tiques nervosos? Gritar, rezar ou agredir são as formas que os adeptos da Seleção encontrara­m para extravasar as emoções. Não há nervos de aço e ninguém é de ferro

- KÁTIA CATULO

Uma multidão a torcer pela Seleção portuguesa não é só uma multidão a torcer pela Seleção portuguesa. Cada um sofreu a derrota à sua maneira. Neste mar de gente compactada na Arena Portugal, no Terreiro do Paço, em Lisboa, foi difícil distinguir o sofrimento de um do sofrimento de outro. Foram umas boas dezenas de milhares que transborda­ram a Praça do Comércio para assistir ao Uruguai-Portugal. Juntos foram um coro desafinado a soltar gritos e a esperneare­m ao mesmo tempo como se obedecesse­m à batutadeum­maestroexc­êntrico. Mas, isolados, cada adepto penou e acreditou até ao fim como soube e como pôde por Portugal.

Adriano Pereira ruminou pastilhas elásticas para descarrega­r asemoçõesn­osmaxilare­s.Emília Cascais soltou “Ai, meu Deus!” de dois em dois segundos, procurando, quem sabe, umainterve­nçãodivina.André Gaspar não ficou calado um minuto para desespero dos amigos. Nem um deles se apercebeu dos tiques e foram os amigosarep­ararnasfig­urasdeleen­quantosofr­eramaovera­suaSeleção a lutar até ao fim contra o Uruguai.

“Ele é o pior adepto para estar ao nosso lado”, diz José Madeira. O rapaz comenta tudo e a todo o instante. Os passes dos jogadores, a postura do treinador, o desempenho do árbitro, nãoescapan­ada.André,nofundo, tem noção do adepto “irritante” que é. “Tenho de extravasar e dá-me para isto”, admite o torcedor da Cruz Quebrada.

Podiaserpi­or.Podiaserco­mo Emília, que se agarrou ao que esteve à mão e esmagou com toda a fé, enquanto libertava o ser fervor católico pela equipa portuguesa. “Ela aperta o meu ombro, o meu braço, a minha mão com força, gritando por Deus a toda a hora”, desabafa Duarte Oliveira, o namorado que é também uma vítima voluntária da violência conjugal dela.

Ao pé deste caso extremo, Adriano é um anjo. O ruminar dele é inofensivo. Começou a mastigar pastilhas para suportar a ausência de nicotina no organismo. Um defeito mínimo, a não ser quando há jogos da Seleção. Nos momentos decisivos, Adriano vira um monstro ruminante, com o rosto deformadop­elaansieda­de:“Osmeus amigos dizem que sou um ogre a triturar calhaus.” Mas quem nunca fez bizarrias pelo futebol que atire a primeira pedra. No Terreiro do Paço, não houve umaúnicape­dralançada.Sódesencan­to e desilusão por a festa chegar ao fim.

 ??  ?? Enchente de adeptos de Portugal cheios de fé, que voltou com o golo de Pepe, mas vergados à eficácia do Uruguai e aos belos golos de Cavani
Enchente de adeptos de Portugal cheios de fé, que voltou com o golo de Pepe, mas vergados à eficácia do Uruguai e aos belos golos de Cavani
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Portugal despediu-se da Rússia
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