1.º DE AGOSTO “EN GANA” O DESTINO
Campeões angolanos sonham com título inédito na Liga dos Campeões
Militares de Luanda a dois passos da final que pode virar a página do futebol nos PALOP, onde há “jogo bonito mas anárquico”, analisa Daúto Faquirá. Falta ter em conta o rendimento
A inédita presença na meia-final da Liga dos Campeões Africanos, que o 1.º de Agosto começará a disputar na terça-feira frente ao Espérance de Tunes (Tunísia), torna esta época inesquecível para o futebol dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP).
Até agora, só por duas vezes equipas lusófonas haviam alcançado a fase de grupos da principal competição africana de clubes e, numa dessas ocasiões (em 2017), os moçambicanos do Ferroviário da Beira já beneficiaram do alargamento para 16 participantes.
A regra tem sido ficar pelo caminho cedo, espelhando as dificuldades de afirmação internacional que poderá estar em vias de ser ultrapassada. Mas a histórica debilidade dos PALOP nas competições da Confederação Africana de Futebol (CAF) só será ultrapassada “se forem criadas condições de estabilidade, organização e motivação, e isso só será conseguido com medidas estruturais”, defende o treinador DaútoFaqu irá, o último português a orientar o1.º de Agosto, em 2013 e 2014. O clube, onde também trabalhou Vítor Manuel, está agora entregue ao sérvio Zoran Manoljovic.
“Acredito que as coisas tenham melhorado entretanto, mas no meu tempo faltavam infraestruturas, a calendarização não era a melhor e sobretudo havia deficiências na formação de base”, recorda Daúto Faquirá, referindo-se de forma genérica ao futebol africano e, em particular, ao dos PALOP, que ele bem conhece, até porque nasceu em Moçambique.
“Há muita qualidade e habilidade nos miúdos, mas falta lhes outras competências e um pensamento mais profissional, virado para o rendimento. Há jogo bonito mas anárquico”, resume Faquirá.
Sem esconder a existência de outros problemas – nomeadamente “logísticos e de arbitragem”, mesmo na Liga dos Campeões Africanos –, Daúto Faquirá acredita que o êxito das equipas dos PALOP estará mais próximo quando “o futebol de rua tiver enquadramento competitivo, o que se consegue com academias e com quadros humanos”. “Lembram-se de como era o futebol português nos anos 80? Agora temos 90 por cento de técnicos nacionais e já se vê o resultado do investimento que foi feito na formação”, aponta, como exemplo.
Assinalando o papel dos treinadores portugueses no salto que se verificou no futebol de Angola e Moçambique nos últimos anos, Daúto Faquirá identifica Cabo Verde como paradigma de uma realidade oposta. Tendo uma presença internacional irrelevante – aliás, inexistente, no patamar cimeiro – em termos de clubes, o arquipélago consegue bons resultados com a seleção, “porque os jogadores recebem a formação no estrangeiro e isso depois faz toda a diferença em campo.”
Incapaz de prever o desfecho da meia-final que oporá o 1.º de Agosto ao Espérance de Tunes (com decisão agendada para o dia 23, na capital tunisina), Daúto Faquirá está ciente das dificuldades que esperam os campeões angolanos, os únicos das quatro equipas semifinalistas que não são do Norte de África. O outro finalista da Liga dos Campeões sairá do confronto entre os egípcios do AlAhly e os argelinos do ES Sétif.
A diferença de potencial entre norte e sul do continente é notória, com os clubes do Egito e do Magrebe a darem cartas ano após ano. “Existe uma influência maior, e há mais tempo, de modelos europeus e técnicos da Europa”, explica Daúto Faquirá, acrescentando que o investimento em academiasjá começa a vingar na África Meridional, pelo que os resultados desta política deformação também não tardarão.
Um dos poucos clubes que conseguem desafiar a supremacia nortenha é o TP Mazembe, da República Democrática do Congo, precisamente a vítima do 1.º de Agosto nos quartos de final. Além de nove vezes campeão nacional nos últimos 13 anos, foi o primeiro
A diferença de potencial entre norte e sul do continente é notória, com os clubes do Egito e do Magrebe a darem cartas ano após ano
cabeça de série no sorteio dos grupos da Liga dos Campeões, na primavera, em virtude das prestações internacionais nas últimas cinco temporadas. O palmarés do TP (de Todo-Poderoso) Mazembe é impressionante (apenas atrás do AlAhly e semelhante ao do Zamalek, também do Egito), incluindo cinco títulos continentais (1967, 1968, 2009, 2010,2015),vice-campeãoem 1969 e 1970 e mais duas presenças em meias-finais (2012 e 2014). Também é bicampeão da Taçada Confederação (2016 e 2017) e em 2013 foi finalista desta prova, equivalente à Liga Europa.
Por aqui se percebe a dimensão da proeza dos militares
(alcunha do 1.º de Agosto), sobretudo na segunda mão, em Lubumbashi (RD Congo), quando o guarda-redes Tony Cabaça defendeu uma grande penalidade a fechar a primeira parte e outra a abrir a segunda. É enorme a vontade de escrever a página de ouro que falta na história iniciada em 1977, quando, pouco depois da independência (1975), as Forças Armadas Populares de LibertaçãodeAngola(FAPLA)criaram o clube para cumprir uma estratégia de desenvolvimento desportivo.
O sonho é jogar a final. Só o Espérance pode impedi-lo. E tem poderosas armas para o fazer, incluindo um rico historial: Liga dos Campeões, em “Existe uma influência maior, e há mais tempo, de modelos europeus e técnicos da Europa [nos clubes do norte de África]” Daúto Faquirá
Treinador 1994; Taça das Taças (extinta em 2004 e substituída pela Taça da Confederação), em 1998; Taça CAF (equivalente à Taça UEFA e que foi extinta em 2003), em 1995; Supertaça, em 1997, isto para falar só dos troféus da Confederação Africana de Futebol (CAF), sem ser necessário mencionar os 28 campeonatos e 15 Taças da Tunísia.
Mais modesto, apesar dos seus 12 campeonatos e cinco Taças de Angola, o 1.º de Agosto tudo fará, já na terça-feira, para vingar a derrota na sua única final internacional, naTaça das Taças de 1998, frente ao... Espérance (1-3 e 1-1). A esperança do futebol angolano transborda de um(a) Cabaça.